quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O trem urbano de Pindamonhangaba


Automotriz estacionada em Pindamonhangaba.
Foto: Victor Santos. 

É até difícil imaginar ferrovias centenárias ainda em operação no interior do estado de São Paulo, mesmo que boa parte dos trilhos da CPTM e das operadoras dos trens de carga do estado ainda utilizem o leito ferroviário de antigas companhias. Uma das ferrovias que ainda resistem aos constantes abandonos e sucateamentos por parte do governo é a Estrada de Ferro Campos do Jordão.
Essa ferrovia em particular é lembrada por ainda oferecer viagens turísticas até a cidade serrada de Campos do Jordão, e viagens municipais entre o centro de Pindamonhangaba, ponto de partida da ferrovia, e a região rural da cidade. O Metrópole SP vai contar como uma ferrovia centenária se tornou tão importante para seus passageiros, para os cidadãos, entusiastas ferroviários e para a memória ferroviária paulista.

A trajetória


Inaugurada oficialmente em 15 de novembro de 1914 para o transporte de pacientes até a vila de Campos do Jordão, no alto da Serra da Mantiqueira, a estrada de ferro foi idealizada pelos médicos sanitaristas Emílio Marcondes Ribas e Victor Godinho com o intuito de fazer o traslado de pacientes até o alto da serra, onde o clima era bom para o tratamento de doenças pulmonares. As obras de construção da ferrovia foram iniciadas quatro anos antes e determinaram o marco zero da ferrovia nas proximidades da estação de Pindamonhangaba da então Estrada de Ferro Central do Brasil (linha entre Rio de Janeiro e São Paulo).

Porém, um ano após o início das operações a ferrovia torna-se deficitária e faz com que o Governo Estadual assuma a operação da companhia. Embora esteja estrategicamente próxima a estação da Central, os trens não compartilhavam as vias férreas por conta da diferença de tecnologias: enquanto a Central do Brasil utilizava bitola de 1.60 m (bitola larga), a Estrada de Ferro Campos do Jordão usou a bitola de 1.00 m (bitola estreita) em sua construção. A "EFCJ" utilizou inicialmente trens à vapor nos transportes, posteriormente trocados por trens movidos à gasolina em 1916 e por fim pelos trens elétricos em 1924, quando a ferrovia foi eletrificada completamente pela empresa English Eletric.
A ferrovia nos primeiros anos de operação.
Fonte: Site da EFCJ, créditos ao autor. 

Durante as décadas seguintes se tornou uma ferrovia de importante valor para os moradores das cidades atendidas, passando a transportar passageiros, cargas e até carros até o alto da serra. Outra grande função exercida pela ferrovia foi a comunicação por telefone, implantando para o controle de tráfego e posteriormente para a população em geral.  

Estação ferroviária de Pindamonhangaba em 1924.
Fonte: retiradoda Internet. Créditos ao autor. 

Na década de 1980 os trens turísticos foram implementados em toda a extensão dos 47 quilômetros, ligando Pindamonhangaba até Campos do Jordão, além do trecho urbano de Pindamonhangaba que liga a estação central até a região rural. Os trens cargueiros foram desativados em 1977 com a inauguração de uma rodovia melhor para acessar Campos do Jordão, passando então a ser uma ferrovia predominantemente turística.
Primeira estação de Campos do Jordão
Fonte: retirado da Internet. Creditos ao autor.



Dias atuais e sua função social


Hoje, após quase 103 anos de operação que serão completados neste novembro de 2017, a ferrovia ainda está em operação para o transporte de passageiros, sejam os trens turísticos ou o trem urbano que faz o transporte de moradores que vivem na região de “Pinda” - como chamam a cidade de Pindamonhangaba. Como é uma zona rural e com difícil acesso por estradas, o trem é o único meio de acesso rápido e fácil desses moradores ao centro da cidade para realizar tarefas essenciais como educação, lazer e trabalho. 
Alguns acidentes ocorreram durante a história da ferrovia, um dos mais recentes foi em 03 de novembro de 2012, quando um dos trens saiu dos trilhos e atingiu um barranco, deixando três vítimas fatais, entre elas uma guia de turismo e uma mulher grávida, além de deixar ferido outros 39 passageiros. Por ironia do destino, o acidente aconteceu próximo do local onde ocorreu outro acidente em 1959, onde existe uma homenagem ao condutor daquela fatídica viagem.

Embora os trens urbanos sejam simples, ainda assim conseguem prestar um serviço de transporte importante a região, possibilitando integração social e facilitando a mobilidade de todos, além de darem uma utilização útil a uma ferrovia centenária sem descaracterizar suas raízes. Desde carros de passageiros até as estações construídas ainda no século passado, a memória ferroviária estará sempre bem mantida nesta ferrovia. Seja por visitantes que buscam as belas vistas proporcionadas pela subida da Serra da Mantiqueira e um belo passeio pela gelada, mas aconchegante Campos do Jordão, ou por cidadãos das respectivas cidades que ainda guardam em suas memórias os anos de ouro das ferrovias.
Estação de Pindamonhangaba da Estrada de Ferro Campos do Jordão.
Foto: Victor Santos (Autor)



























































Trecho urbano visitado


O Metrópole SP visitou a cidade durante uma viagem ao Vale do Paraíba em setembro passado, e uma das cidades foi Pindamonhangaba que, embora visitar esta ferrovia não estava nos planos. Como o horário estava livre até a próxima partida para a cidade de Aparecida, decidimos realizar uma viagem em um dos trens da ferrovia que transportam os já consolidados passageiros do trecho Pindamonhangaba - Expedicionária. A primeira impressão que tivemos foi que a ferrovia é quase esquecida pelo Governo do Estado, embora a administração seja feita diretamente pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos, ligada ao governo. Mesmo com esse injusto abandono, ainda é possível observar a preocupação com o passageiro e com a segurança que sempre é posta em primeiro lugar. Tanto é que neste período estava sendo realizado serviços essenciais de manutenção no trecho devido a um acidente que ocorreu em julho deste ano, em que um trem saiu dos trilhos e acertou um dos postes de sustentação da rede aérea.

Os trens de subúrbio partem de uma estação secundária da linha, sendo que o prédio principal e escritório da ferrovia é utilizada como Museu da Memória Ferroviária e estação de partida dos trens que sobem até Campos. As estações são divididas pela Rua Doutor Campos Sales e fazem esquina com a Rua Martin Cabral, de frente com a Praça Liberdade, no centro da cidade. A partir das estações, é possível observar o antigo leito ferroviário da Central do Brasil, hoje pertencente a MRS Logística.

Após comprar os bilhetes, embarcamos na estação onde a pequena automotriz A-3 fabricada em 1927 pela Midland Railway Carriage & Wagon Company já estava pronta para a viagem. Com 90 anos completos esse ano, essa automotriz aparenta estar bem conservada e resistindo durante todas essas décadas. 
Interior da automotriz, simples e aconchegante.
Creditos: autor, 2017.

Partimos pontualmente as 11h00 sentido à Estação Expedicionária, embora durante a semana as viagens seguem até Piracuama, e como era um sábado não seguimos além disso e nem visitamos de fato o Museu. Logo após deixarmos a região central, percebemos que os trilhos estavam razoavelmente conservados, uma vez que a manutenção é feita pensando principalmente na segurança das viagens.

Balançando muito durante o percurso, o “trenzinho” seguia em velocidade média e preocupava um pouco os adultos ao passar em pontes e curvas, mas divertia crianças que estavam a bordo dessa viagem. A maioria dos passageiros nesta e nas demais viagens eram de moradores que haviam ido à cidade para visitar a feira ou comércios em geral, moradores esses acostumados com os olhares vislumbrados de visitantes à ferrovia que serve até os dias de hoje esses moradores rurais.

Atravessamos pontes que cortam rios importantes da região como o Rio Paraíba do Sul, vales que permitem ver a beleza do Vale do Paraíba como as florestas típicas e diversos sítios e chácaras ao longo da ferrovia. Chega a ser emocionante caros leitores, se dar uma oportunidade de sair do caos estruturado das metrópoles e viajar através do tempo em ferrovias que cortam regiões tão belas em nosso estado. Imaginem quantas cenas a mais poderiam ser vistas em tantas outras ferrovias? 
Uma das belas paisagens proporcionadas pela viagem
Créditos: Gustavo Bonfate. 
Todas as estações do trecho são extremamente simples, com exceção de Pindamonhangaba e Expedicionária que possuem prédios mais arrojados, está última possui inclusive toaletes e foi reformada em 2014. As paradas possuem uma curta plataforma e uma rampa de acesso, todas reconstruídas em 2015 já que as paradas originais eram datadas de 1957.  
Uma das paradas simples da linha.
Créditos: Gustavo Bonfate. 


Após cerca de 30 minutos de viagem e sete paradas, chegamos a última parada dessa viagem que voltaria a partir desta estação, Expedicionária, para o centro. Nem precisamos descer do trem para retornar, pagamos a tarifa de volta em nossos próprios assentos ao bilheteiro, e cinco minutos depois, as 11h35, voltamos para a estação central da linha. Uma coisa peculiar é que o bilheteiro também avisa ao condutor quando é hora de partir, assim esperando os passageiros das paradas ao longo do trecho embarcarem para seguir. Após pagar a tarifa e fechar as portas, o bilheteiro anuncia: "Pode tocar!" Algo que marca os costumes antigos desta ferrovia tão interiorana. 
Estação Expedicionária com o trenzinho estacionado
Créditos: Gustavo Bonfate. 

Trinta minutos depois, chegamos ao final dessa inusitada viagem que nos ensinou mais um pouco sobre as ferrovias paulistas e vai continuar ensinado a mais e mais visitantes se depender dos cidadãos, funcionários e entusiastas do ramo. O valor de R$ 3,00 na ida e R$ 3,00 na volta é pouco se comparado as memórias que ficaram gravadas no consciente de cada passageiro. Indicamos a todos que querem visitarem a região que façam uma viagem nesta ferrovia, seja nos trens turísticos como nos trens do subúrbio. 
Embora seja razoavelmente distante da rodoviária da cidade, ainda é possível acessar a ferrovia através de linhas de ônibus ou, para os mais aventureiros, seguir desde a rodoviária até a estação a pé, uma caminhada de 15 minutos. 


Algumas curiosidades

  • Embora seja conhecida pelos trens de passageiros, essa ferrovia também transportou cargas como hortaliças e encomendas, até carros eram transportados entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão. Como ainda não existiam rodovias de qualidade, o trem era o único meio de acesso seguro e rápido para tais viagens, que foram extintas em meados de 1977 após a inauguração da rodovia.
  • Foi importante para a comunicação regional através do sistema telefônico, inicialmente era usado para o controle de tráfego, e depois disponibilizado para comunicação em geral da população. Esse serviço funcionou de 1917 até 1971.

  • Em Campos do Jordão há bondes turísticos que fazem do passeio ainda mais interessante e nostálgico. Funcionam entre o Portal de Campos e a Estação Emílio Ribas, ambas em Campos. Além disso, há também o Trem do Mirante que funciona desde Emílio Ribas até a estação Eugênio Lefevre, com horários e preços específicos, mas que proporcionam uma vista fenomenal.

  • Possui a parada ferroviária mais alta do Brasil, com 1.743 metros de altitude onde está localizado a Parada Cacique – antiga Alto do Lageado, sendo atualmente a ferrovia mais alta do Brasil.  
Ponto mais alto de uma ferrovia nacional.
Foto: Dirceu Baldo



    Confira mais sobre trechos disponíveis, preços e horários no site da própria ferrovia: 
    Fontes: Estações ferroviárias do Brasil, site Estrada de Ferro Campos do Jordão.