quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Quantidade não significa qualidade: Novos ônibus, problemas antigos

Um dos novos ônibus entregues este ano.
Foto: Victor Santos (autor).
Recentemente, a prefeitura de São Paulo comemorou a marca dos quatro mil novos ônibus entregues para a operação desde o inicio da atual gestão, em janeiro de 2017, ressaltando a renovação e modernidade da frota de ônibus do sistema municipal. Embora tenha comemorado de uma forma exagerada, o que se fala de verdade é a falta de estrutura para receber tantos ônibus assim, como pontos de ônibus inadequados, terminais saturados e linhas com problemas de trajeto ou nos intervalos entre os ônibus.
Muitos defendem que São Paulo tornou-se referência mundial no quesito transporte por ônibus, mas a verdade é que o modal parou no tempo em muitas questões, e vamos avaliar algumas destas questões na publicação de hoje.

Não houve melhoria nas linhas, muito menos estrutura para recebe-las
Desde o início dos anos 2000, a prefeitura e a SPTrans, gestora do sistema desde 1995, tentam melhorar o fluxo dos ônibus com a diminuição de linhas no mesmo eixo, mas qualificando outras linhas para receber a demanda desatendida. Esse conceito de estruturar o sistema de ônibus chama-se "tronco-alimentador" e é usado em muitas cidades no Brasil e no mundo para aumentar a capacidade e diminuir o tempo de percurso.
O maior problema no excesso de linhas de ônibus fazendo percursos semelhantes é a diminuição na velocidade operacional ocasionada por muitos ônibus trafegando na mesma via, conhecido como "trânsito de ônibus", gerando maior tempo de esperar nos pontos de parada, além de aumentar o tempo de viagem do usuário.
Porém, desde 2016 a cidade não recebeu nenhum quilômetro de corredor exclusivo, promessa da atual gestão municipal durante as eleições de 2016, sendo que o corredor foi Berrini, foi  parcialmente entregue em 2015, ainda durante a gestão de Fernando Haddad (PT-SP), antecessor a atual gestão João Dória/Bruno Covas (PSDB-SP), que entregou o restante do corredor. E se o avanço na construção de novos corredores não saiu como se esperava da gestão, a construção de novos terminais de ônibus foi praticamente zero, o que prejudica tanto a racionalização do sistema quanto aos passageiros do mesmo.
Sem novos terminais ou corredores, diariamente as linhas de ônibus precisam "competir" com os automóveis nos trânsitos diários que a capital possui, aumentando o tempo de viagem e diminuindo o incentivo à utilização dos ônibus na locomoção dos habitantes.
A cidade viveu o auge na inauguração e reconstrução dos corredores entre 2000 e 2004, onde foram entregues 70,8 novos quilômetros de corredores exclusivos, sendo que 38 quilômetros de corredores já existentes que foram reconstruídos para os novos padrões que a SPTrans adotou nos projetos.
A cidade possui apenas um corredor de ônibus com características de um sistema BRT - Bus Rapid Transit, ou Ônibus de Trânsito Rápido na tradução, o corredor Expresso Tiradentes, que liga os distritos de Sacomã e Vila Prudente até o terminal Mercado, centro de São Paulo.
Resumindo, não adianta fazer com que as empresas operantes da cidade adquiriam mais e mais ônibus se a estrutura atual de vias, terminais e corredores não suportam mais o número de ônibus em circulação.
Ao que se percebe, a gestora preferiu aumentar o "conforto" dentro dos ônibus com a exigência de ar condicionado, carregadores USB e Wi-fi do que investir em novos corredores, terminais ou até mesmo implementar faixas de ônibus exclusivas à direita da via.
Se por um lado aumentou-se o conforto nos ônibus, por outro lado aumentou o tempo de viagem nos deslocamentos, aumentou a quantidade de passageiros no interior dos ônibus, já que se extinguiu muitas linhas e concentrou-se em uma única sem aumentar a frota, além de obrigar os passageiros a baldear para outras linhas para continuar o percurso em locais pouco apropriados como pontos de ônibus sem abrigos, por exemplo.

Frota atual de ônibus
Com cerca de 15 mil veículos cadastrados, constantemente houve-se que por ser a maior frota de ônibus do mundo, São Paulo está a frente de diversas cidades no quesito mobilidade sobre pneus, mas a verdade é que se quer é possível confirmar que São Paulo realmente é líder em frota do mundo.
O fato de São Paulo possuir o maior sistema de transporte coletivo sobre pneus, pelo menos no Brasil, é justamente pelo fato da falta de investimentos na rede sobre trilhos nos últimos 30 anos, fazendo com que a rede de ônibus cubra as regiões e demandas desatendidas pela malha metroferroviária (metrô e ferrovia). Ou seja, o contexto de possuir números altos em quesito frota e linhas apenas confirma que, se não fosse pelo sucateamento das redes de trens e metrô de São Paulo nas últimas gestões públicas, a frota seria muito menor e a quantidade de linhas também seriam afetadas. 
A própria rede de corredores de ônibus, que veremos mais abaixo, não condiz com a imensa quantidade de ônibus em operação, já que a falta de uma estrutura que priorize e garanta exclusividade aos coletivos aumenta a necessidade de mais ônibus nas linhas para suprir a demanda, aumentando, inclusive, o custo de operação e até mesmo encarecendo a tarifa. 
A carência de transporte em diversas regiões, somadas à falta de linhas de metrô ou trem, fazem com que o sistema de ônibus precise de mais veículos em operação do que seria o ideal para uma cidade dinâmica como São Paulo, que pelo planejamento mal feito ao longo das décadas, possui muitos problemas em relação ao seu urbanismo e mobilidade. 
Por isso, é necessário avaliar com cautela se ter a maior frota de ônibus em operação é ou não um sinal de que estamos atrasados em quesitos como zoneamento, mobilidade urbana e falta de infraestrutura. Quantidade não significa qualidade, mas sim que o transporte de alta capacidade não tem se expandido como deveria para cobrir as demandas, restando apenas aumentar as frotas de ônibus e aumentar também os custos ao usuário e operador.

Novos ônibus movidos à...diesel?
É perceptível que desde 2013 a frota de ônibus elétricos ou movidos por energias renováveis não avançou como era prevista, enquanto a utilização dos ônibus movidos à diesel somente aumentou de acordo com as renovações de frotas. Para uma cidade que se diz referência mundial no transporte sobre pneus, é uma questão que contraria essa afirmação.
Embora as novas tecnologias para tração dos ônibus tenha melhorado ao longo dos anos, utilizando motores mais econômicos e menos poluentes, ainda assim é uma tração que utiliza combustíveis fósseis em sua essência. Enquanto muitos países da Europa, Ásia e até na América do Sul discutem a extinção de veículos movidos à combustíveis fósseis, a SPTrans parece ter parado no tempo e não está devidamente preocupada com essa questão, o que, novamente, distorce a ilusão de ser um sistema "espelho" para o mundo.
Em todas as novas entregas de ônibus, a prefeitura ressalta a modernidade da frota que os operadores do sistema trazem em suas renovações. A gestora do sistema exige que as empresas contratadas adquiram ônibus com os seguintes itens: ar condicionado, acessibilidade, Wi-fi, tomadas para carregar celulares com entrada USB, e uma motorização que utiliza a tecnologia Euro V para diminuir os poluentes causados pela queima de diesel. Mas, e cadê o transporte limpo?
A cidade já teve um grande potencial em ter corredores exclusivos com trólebus, ônibus movidos à energia vinda de cabos aéreos, onde o auge foi no início dos anos 2000, quando a rede de trólebus possuía cerca de 340 quilômetros de rede, entre os quais três corredores de ônibus possuíam a tecnologia, além de cerca de 500 trólebus para as operações.
Porém, com os incentivos à tecnologia em baixa, a preferência dos empresários do setor em veículos comuns e o sucateamento da rede, cerca de 100 quilômetros de redes foram extintas e suas linhas operadas por ônibus à diesel ou canceladas, restando pouco mais de 200 quilômetros de rede, sendo que apenas um corredor possui os trólebus operando, o corredor Paes de Barros.
A falta de incentivos, associadas ao baixo custo que os operadores do sistema buscam, fazem com que todos os novos ônibus ainda utilizam o diesel como tração. Recentemente, a Transwolff Transportes e Turismo, que opera na zona sul de São Paulo, adquiriu 15 ônibus padron movidos à bateria de fabricação da BYD, após muitos testes e avaliações.
Os ônibus devem entrar em operação em 2019, e ela será a primeira empresa da cidade a adquirir modelos de ônibus elétricos após muitas empresas testarem os modelos da fabricante chinesa. Ou seja, tão cedo teremos o modelo em larga escala na cidade, seja por falta de incetivo ou por falta de interesse do setor. Atualmente, a frota de ônibus elétricos da cidade, apenas os trólebus no caso, é de 201 trólebus em operação, entre padrons e padrons trucados, que servem à nove linhas regulares.
Ao longo dos últimos 20 anos, pouco se avançou na utilização de ônibus elétricos, híbridos ou trólebus, em detrimento ao uso dos ônibus convencionais que são de aquisição mais barata e não precisam de uma grande mudança na estrutura das empresas para utiliza-los. Ainda é uma grande dúvida se nas próximas renovações de frota serão incluídas as frotas com tração limpa ou se a cidade continuará arcaica no quesito.
Trólebus estacionado no terminal São Mateus: tecnologia sofreu
com a falta de interesse público.
Foto: Victor Santos (autor).
Não há prioridade, que dirá rapidez
Com os pouco mais de 130 quilômetros de corredores exclusivos, a cidade de São Paulo não avançou como deveria ao longo dos anos na ampliação e construção de corredores de ônibus, que hoje se concentram nas regiões Norte e Sul da cidade, enquanto a região Leste não possui nenhum quilômetro de corredor exclusivo.
Ainda, se considerarmos o fato que os sistemas BRT no Brasil cresceram muito, em São Paulo, o conceito de priorização e estruturação do sistema se resume a extinguir linhas sobrepostas, aumentar a frota em linhas supostamente estruturais e concentrar a demanda em uma única linha. Apenas um corredor é considerado de fato um BRT, o Expresso Tiradentes, com seus pouco mais de 9 quilômetros de extensão, três linhas regulares e categoria "Silver" pela avaliação do ITDP - Veja mais aqui: BRT em São Paulo: possível ou inviável?
Atualmente, a capital possui 12 corredores em operação, transportando cerca de três milhões de passageiros por dia, e com uma extensão total de 132 quilômetros. A cidade também possui as faixas exclusivas à direita das vias, permitindo um pouco mais de eficiência aos ônibus em regiões onde não há corredores exclusivos, sendo cerca de 500 quilômetros de faixas exclusivas.
A própria estrutura dos corredores atuais não permite que a capacidade seja aumentada com o acréscimo de linhas expressas ou semi expressas, ou então a operação de veículos maiores em alguns casos. Alguns corredores de ônibus foram reformados, porém, devido a limitação de espaço e gastos, pouco foi alterado da estrutura no geral, o que ainda gera problemas aos operadores e usuários do sistema. Outra questão é justamente a permissão de táxis com passageiros nos corredores e faixas exclusivas, o que gera problemas com os veículos entrando e saindo das faixas a todo o momento, além de reduzir a exclusividade do corredor.
Os investimentos em infraestrutura para os ônibus diminuiu nos últimos anos, ao contrário do aumento da frota operacional, que cresceu, embora tenha sido renovada. Antes de aumentar a frota em operação, é necessário que haja estrutura para receber os ônibus, tais como os já citados terminais, corredores exclusivos e vias mais preparadas para a frota. Afinal, adianta muito para o passageiro possuir uma frota nova e moderna que ficará presa no trânsito?
Ônibus em uma parada do corredor, zona sul de São Paulo.
Foto: Victor Santos (autor).
Terminais de ônibus: quando existe, está saturado
Com 28 terminais de ônibus municipais, a cidade convive com a falta de estrutura para os ônibus e que facilitaria a conexão entre as linhas, de modo melhorar as transferências entre as linhas e garantir o conforto e a segurança dos passageiros e operadores. Além disso, os terminais não estão conectados aos corredores existentes na cidade, isso quando são conectados entre eles de alguma forma. 
Além dos terminais de ônibus, ainda há as "estações de transferência", que são estruturas muito menores que os terminais, que por consequência é mais barato para construir, mas que servem para integrar as linhas de distribuição (locais ou alimentadoras) às linhas estruturais (troncais). Com essas estações de transferência, a SPTrans pode estruturar algumas linhas, reduzindo o número de linhas sobrepostas e garantindo conforto nas baldeações. São ao todo três estações de transferência: Conexão Vila Iório, Conexão Petrônio Portela, ambas na zona norte de São Paulo, e a E.T. Itaquera, zona leste.
Embora ter 28 terminais de ônibus seja um número bom, a forma como as linhas estão distribuídas na cidade faz com que alguns terminais possuam mais linhas do que as estruturas podem acomodar, enquanto outros terminais operam "às moscas", com poucas linhas ou então com linhas não essências para a locomoção.
O exemplo maior disso é o principal terminal de ônibus da cidade, o terminal Parque Dom Pedro II, no centro de São Paulo, que constantemente vêm sendo reformado devido aos inúmeros problemas pelo excesso de linhas, disposição de plataformas que não permite muitas mudanças nas linhas, estrutura precária e falta de racionalização nas linhas. 
O que tem salvado os terminais municipais de ônibus são os terminais de ônibus instalados ao lado de estações de metrô, onde existem diversas linhas que partem para os bairros mais afastados da rede. Devido a isso, a SPTrans tem concentrado muitas linhas que, anteriormente seguiam até o centro da cidade e hoje fazem ponto final em algum terminal de ônibus do metrô. O maior exemplo disso são os terminais instalados ao lado das estações da linha 3 Vermelha do Metrô, onde há dez terminais de administração do Metrô-SP, além de outros terminais instalados em outras linhas da companhia.
Por fim, a cidade precisa de duas coisa que mais agilizaria a fluidez e disposição das linhas municipais: corredores de ônibus integrados à terminais que possam facilitar a transferência entre as linhas, garantindo o conforto, a segurança e, principalmente, mais opções de deslocamentos. 

Linhas com itinerários desatualizados e procura por outros caminhos ou modais
Uma metrópole como São Paulo é tão dinâmica no quesito transportes que as necessidades de deslocamentos das pessoas mudam de acordo com diversas questões sociais ou econômicas, ou seja, a cidade passa por muitas mudanças em tão pouco tempo que o transporte, acima de tudo, deve estar sempre preparado para estas mudanças.
Mas o que se ver no transporte por ônibus em São Paulo é um modal que não acompanhou as constantes mudanças que a cidade passou nos últimos 10 anos, sobretudo com a extensão de linhas de metrô e melhora do sistema de trens metropolitanos. O que se ver é itinerários de linhas desatualizados, com trajetos longos ou se sobrepondo à outras linhas, potenciais demandas desatendidas, linhas com veículos inadequados à demanda ou percurso, ou então o pior, linhas que precisam ser alteradas para cobrir a falta de outra linha que foi extinta.
A maior prova de que a SPTrans ainda não percebeu que os fluxos de passageiros não são mais os mesmos é que na própria licitação dos ônibus municipais, que está em andamento mas com contratos já assinados, muitas linhas continuaram com seus trajetos cansativos e não serão atualizadas.
Resumindo, ao invés de criar linhas que atendam aos novos fluxos como entre as regiões afastadas do centro, a gestora preferiu continuar com o modelo atual de linhas que fazem percursos até o centro ou que não priorizem novas conexões.
O mesmo caso ocorre na zona sul de São Paulo, onde em 2018 foi entregue a extensão da linha 5 Lilás do Metrô, operado pela concessionária Via Mobilidade, e muitas linhas municipais acabaram perdendo passageiros para um modal mais ágil, rápido e conectado. Como foi no caso das linhas 695T-10 (Terminal Capelinha - Metrô Vila Mariana) e 675L-10 (Terminal Santo Amaro - Metrô Santa Cruz), onde suas demandas foram impactadas e houve até a troca de padrão dos ônibus na linha 675L, onde saíram os articulados de 23 metros e no lugar foram colocados ônibus comuns.
A verdade por trás dessa troca por parte dos usuários é simplesmente o fato da rapidez que o metrô trouxe aos usuários, além da questão da economia, já que a linha que liga o Capão Redondo à estação Chácara Klabin é conectada com uma linha da CPTM e duas do metrô de forma gratuita e sem custos adicionais.
O mesmo caso ocorre nas linhas de trens metropolitanos operadas pela CPTM - Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, onde com a melhora nas operações, muitos passageiros acabaram migrando para o modal ferroviário devido a sua maior rapidez no deslocamento, além não ficar, obviamente, à mercê do trânsito de São Paulo. A modernização da empresa é evidente com a troca do material rodante, expansão das linhas e melhoria nas estações e vias.
O transporte por ônibus deve, acima de tudo, ser eficiente e conectado com uma rede de maior capacidade, do contrário, a saúde do sistema tende a decair e perder os passageiros, já que, como vimos acima, não há prioridade ou linhas com maior eficiência.
Essa publicação não teve como objetivo denegrir a imagem da gestora do sistema ou dos operadores, mas pontuar os problemas que não foram resolvidos em nenhuma das gestões municipais ao longo dos anos.

Referências:
SPTrans (site:http://www.sptrans.com.br/corredores-e-faixas-exclusivas/ consultado em 13/11/2019 às 15h55).
Plamurb, (site https://plamurbblog.wordpress.com/2017/11/08/ter-o-maior-sistema-de-transporte-publico-por-onibus-do-mundo-nao-e-motivo-de-orgulho/ consultado em 14/11/2019 às 15h03).
BRT Data (site https://brtdata.org/location/latin_america/brazil/sao_paulo consultado em 13/11/2019 às 15h56).
Mobilize (site https://www.mobilize.org.br/mapas/70/mapa-das-faixas-e-corredores-de-onibus-de-sp.html consultado em 13/11/2019 às 15h57).
Diário do Transporte (site https://diariodotransporte.com.br/2019/08/17/sao-paulo-chegara-a-6-mil-novos-onibus-ate-o-final-da-gestao-promete-bruno-covas/ consultado em 13/11/2019 às 16h02).