terça-feira, 28 de setembro de 2021

BRS ou BRT? Entenda a diferença

Ônibus parado em uma estação do
BRT de Uberlândia.
Foto: Victor Santos, 2021.
Assim como as cidades, os modais de transporte de passageiros se aprimoraram ao longo dos anos para atender, de maneira eficiente e dinâmica, a demanda de passageiros nos grandes centros urbanos. Dessa forma, surgiram opções cada vez mais dedicadas a um tipo de serviço diferente no transporte, como é o caso do BRS, uma ramificação do consagrado sistema de BRT. Saiba quais são as principais diferenças entre os dois, e se há melhorias na escolha do BRS.
Biarticulado em operação nas canaletas de Curitiba. Cidade foi pioneira no quesito exclusividade para ônibus.
Foto: Victor Santos, 2021.
Antes de tudo, BRS vêm da sigla em inglês Bus Rapid Service, ou Serviço Rápido por Ônibus na tradução. Inicialmente implantado na cidade do Rio de Janeiro em 2011, a modalidade busca aprimorar o transporte por ônibus em regiões onde não há possibilidade de construir um sistema de BRT (Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido por Ônibus).
Embora com nome mais recente, a ideia de reservar faixas dedicadas para o transporte por ônibus nas cidades surgiu em meados dos anos 1970, quando a grande maioria das cidades passaram por problemas em seu transporte coletivo, com um aumento no uso dele em decorrência da Crise do Petróleo nessa década e o crescimento dos centros urbanos. Foi justamente a partir disso que surgiram os primeiros corredores exclusivos para os ônibus, como em Curitiba (em 1974) e São Paulo (em 1980).
O intuito do BRS é justamente melhorar a circulação dos ônibus e diminuir o tempo de percurso, porém sem as intervenções que um sistema de BRT precisa, otimizando o tempo e recursos.
Passa-Rápido Jardim Ângela - Guarapiranga - Santo Amaro em São Paulo. 
Corredores e faixas exclusivas foram amplamente usadas em muitas cidades.
Foto: Victor Santos, 2021.

As características de um sistema BRS são:
  • Faixas dedicadas aos ônibus, de maneira temporária (com horários específicos) ou permanente
  • Escalonamento de pontos de parada, ou seja, em locais de grande concentração de linhas de ônibus, seus pontos de parada são divididos para melhorar a distribuição das linhas e evitar o acúmulo de veículos em um mesmo ponto;
  • Otimização da frota de ônibus, reduzindo a quantidade de veículos circulando em um mesmo eixo ou setor;
  • Fiscalização nas conversões, estacionamento e circulação dos automóveis e veículos de serviço nas faixas dedicadas aos ônibus, proibindo ou restringindo;
  • Melhoria nas informações aos usuários nos pontos de parada e ônibus sobre as linhas, serviços ou arredores dos pontos.
Faixas de ônibus em Campinas (SP), o chamado Corredor Central, instalados no canteiro central das avenidas.
Foto: Victor Santos, 2021.

Olhando rápido, as características do BRS se parecem com as do BRT, talvez por isso haja essa confusão entre as duas modalidades, gerando a falsa sensação de que ambos são iguais ou equivalentes.
As características de um sistema de BRT são:
  • Vias ou faixas totalmente exclusiva para os ônibus, de maneira permanente e, quando possível, separados fisicamente do tráfego geral (por barreiras ou guias)
  • Estações de parada com pagamento antecipado da tarifa, nivelamento entre o piso das plataformas e os ônibus, e informações aos usuários sobre rotas e serviços
  • Mudanças mais profundas nas vias e regiões que passaram pelas intervenções, alterando a geometria ou circulação das vias para o tráfego geral
  • Normalmente estão instalados nos canteiros centrais das avenidas, evitando o conflito de tráfego entre os ônibus e os demais veículos nas conversões à direita
  • Melhoria na oferta de rotas, racionalizando as linhas em um mesmo setor para evitar excesso de veículos, além da criação de percursos mais diretos e com transferências rápidas
  • Operação de veículos com maior capacidade para transporte (articulados ou biarticulados)
BRT de Sorocaba: Ônibus articulados fazem parte das rotas principais do sistema sorocabano.
Foto: Victor Santos, 2021.

Com isso, resumimos que o BRS nada mais é que a criação de faixas exclusivas ou preferenciais em vias por onde circulam muitas linhas de ônibus, sem estações ou vias totalmente segregadas para eles.
Já o sistema de BRT pode melhorar, não somente a circulação dos ônibus, mas contribuir para a mobilidade urbana das regiões atendidas, além de incentivar o uso do transporte público com o ganho de tempo e aumento na oferta. O BRT comprovou ao longo dos anos que suas operações com tráfego separado do fluxo de automóveis, estações mais preparadas para os passageiros e veículos de maior capacidade podem alterar, em maior escala, as cidades onde são construídos.

Não que as faixas exclusivas de um sistema de BRS não causem mudanças significativas nas regiões implantadas, pois toda exclusividade para o transporte coletivo é bem-vinda para melhorar a circulação. Porém, é importante mencionar que um não substitui o outro, pois ambos têm sua função especifica dentro do transporte urbano.
Por exemplo, em vias onde há uma grande concentração de linhas de ônibus, mas não há como construir corredores exclusivos por falta de espaço físico ou maiores investimentos, um sistema de BRS pode auxiliar nas operações nestes locais. Como não precisa de grandes obras ou mudanças mais radicais, o BRS permite um aumento na oferta do transporte e a diminuição do tempo de viagem, tudo isso em um menor tempo de implantação.

Trólebus em operação no Corredor Paes de Barros: Inicialmente foi rejeitado por moradores e comerciantes da região da Mooca.
Foto: Victor Santos, 2021.

Porém, o BRS não deve ser uma medida isolada ou como uma solução em cidades ou regiões com uma demanda por transporte em crescimento, pois com o tempo pode se sobrecarregar e perder a eficiência proposta. O sistema deve ser uma medida provisória ou auxiliar até que seja construído um sistema de maior capacidade, seja BRT ou não.
No caso de um sistema BRT, sua função é reestruturar a rede de transportes de uma região ou cidade, com um impacto maior que um BRS, realizando intervenções maiores e causando uma mudança mais brusca na rede.
Óbvio que muitos sistemas de transporte anunciam a implantação de faixas exclusivas do tipo BRS como algo revolucionário ou que resolverá de uma vez só a questão dos congestionamentos nos centros urbanos. O fato de ter um custo de implantação muito mais baixo que os corredores BRT acaba atraindo muito mais atenção das gestões públicas, que buscam associar o baixo custo de implantação e maior facilidade para ser inaugurado.

Como dissemos acima, o BRS é importante para regiões ou cidades que não comportam corredores do tipo BRT, seja por inviabilidade técnica ou financeira, propondo melhorias em menor tempo e custo. Mas vale ressaltar que isso não substitui um sistema de maior capacidade de transporte e precisa ser muito bem estudado em questões de demanda, viabilidade e impactos. Afinal, o maior inimigo das faixas ou corredores para ônibus é justamente aqueles que precisaram se adaptar a ele, comerciantes ou motoristas da região.

O caso de Uberlândia
Um exemplo que confunde muitos dos entusiastas nessa questão do que é um BRT ou BRS é o sistema de Uberlândia, em Minas Gerais. O primeiro corredor da cidade mineira foi entregue em 2006, fazendo parte do Sistema Integrado de Transporte de Uberlândia (o SIT), sendo um dos muitos projetos para melhorar as operações no transporte público da cidade.

Ônibus circulando no corredor Segismundo Pereira, inaugurado em 2018.
Foto: Victor Santos, 2021.

O projeto do corredor contemplou a separação dos ônibus do tráfego comum nas vias, implantação de estações com pagamento antecipado da tarifa, construção de terminais integrados e alteração na circulação das linhas (implantação do sistema Tronco-alimentador).
Poderia ser somente mais um sistema de corredores BRT, se não fosse uma questão: as estações foram construídas para receberem ônibus com piso baixo (low entry), ou seja, com as plataformas ao nível da rua.

Corredor do Jardim Ângela, São Paulo:
Em todos os corredores da cidade, a operação é feita exclusivamente por veículos com piso interno rebaixado.
Foto: Victor Santos, 2021.

Estação Shopping do BRT de Uberlândia:
Operação atual é feita com veículos com piso comum, mesmo sendo um corredor com plataformas baixas.
Foto: Victor Santos, 2021.

Esse tipo de projeto possivelmente foi inspirado em outros sistemas, como o de Brasília (DF) e São Paulo (SP), onde o piso das estações está ao nível da rua, e a operação é feita com ônibus piso baixo.
No caso de Uberlândia, os veículos que operam nos corredores atualmente não possuem o piso rebaixado para facilitar o embarque e desembarque, e a grande maioria é do tipo convencional ou básico (com motorização dianteira). Ou seja, apesar de ser uma estação do tipo BRT, o embarque não é nivelado com o piso dos ônibus, gerando desconforto e atrasos nas operações. Imaginem quando um cadeirante ou idoso precisa embarcar nos horários de pico?

Ônibus do sistema Vetor, Uberaba:
Estações modernas fazem parte do pequeno sistema de BRT da cidade mineira.
Foto: Victor Santos, 2021.
Há cerca de duas horas da cidade, em Uberaba, foi inaugurado em 2015 o sistema de BRT da cidade, o BRT Vetor, onde as estações foram construídas ao nível dos coletivos, não necessitando de equipamentos auxiliares para os embarques e desembarques. Tudo bem que no Vetor também há operações de veículos básicos nos corredores, mas ao menos o embarque e o pagamento da tarifa antecipado é garantido na maior parte dos 15 quilômetros de corredores.
Na questão técnica, não importa se as estações estão ao nível dos ônibus ou da rua, mas que sigam as questões como embarque e desembarque com pagamento antecipado da tarifa, informação aos usuários sobre as linhas e rotas, e reestruturação das linhas de ônibus. Isso é um dos principais itens que diferencia um corredor BRT de um sistema de BRS.

Terminal Centenário, em Curitiba:
Embarque em nível e com auxílio de rampas permite uma operação mais segura e eficiente. 
Foto: Victor Santos, 2021.

Caso de São Paulo
Além do Rio de Janeiro, que dispõe de 45 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus do tipo BRS (além de 123 quilômetros de corredores BRT), outras cidades no Brasil acabam optando por essas faixas exclusivas para melhor acomodar os ônibus em avenidas ou ruas congestionadas.
É o caso de São Paulo, com 139 quilômetros de corredores exclusivos para os ônibus à esquerda das vias, ainda possui cerca de 500 quilômetros de faixas exclusivas para os ônibus, seja temporária (com operação em horários de pico) ou permanente. Normalmente as faixas exclusivas estão instaladas à direita das vias, mas há casos em que elas estão implantadas à esquerda das vias.

Corredor Itapecerica:
Cerca de 140 quilômetros de corredores fazem parte do sistema paulistano de ônibus.
Foto: Victor Santos, 2021.
Algumas dessas faixas são utilizadas para interligar os corredores entre si, como é o caso das faixas exclusivas implantadas na Rótula Central do centro de São Paulo, onde através delas os ônibus conseguem acessar os principais terminais da região e outros corredores com maior agilidade.
Embora não levem o título de BRS, essas faixas atendem aos mesmos quesitos do BRS, como escalonamento de pontos de parada, alteração nos locais de estacionamento, além da pequena melhoria na circulação das linhas nesse setor. Exemplo: Faixa exclusiva das avenidas Celso Garcia, Gasômetro e Rangel Pestana, interligando a região central até o distrito da Penha, região nordeste da cidade.

Na realidade, os próprios corredores exclusivos de São Paulo podem ser categorizados como BRS, pois apesar de serem, na maioria das vezes, segregado e com pontos de parada mais adequados, não possuem os quesitos mínimos para serem corredores do tipo BRT.
Ou seja, apesar dos cerca de 140 quilômetros de corredores, boa parte está muito abaixo do necessário para ser um serviço mais rápido e de maior capacidade de transporte, com a única exceção ao corredor Expresso Tiradentes, com apenas 9,7 quilômetros de extensão.
O Expresso Tiradentes é o único sistema de BRT da maior cidade do país, sendo também o único do tipo em toda a região metropolitana de São Paulo.

Ônibus parado no terminal Mercado do Expresso Tiradentes:
Cerca de 10 quilômetros compõe o único BRT da região metropolitana de São Paulo. 
Foto: Victor Santos, 2021.

Infelizmente é um potencial perdido que São Paulo tem, pois seria muito vantajoso requalificar alguns dos corredores atuais para BRT, permitindo uma redução nos problemas atualmente encontrados como superlotação, maior tempo de parada nos pontos, oferta abaixo do necessário e problemas estruturais.

Por fim, como em muitos artigos que já publicamos aqui no blog, é necessário um olhar mais técnico quando se observa um sistema de corredores ou faixas exclusivas para ônibus e observar as características de cada um. Não apenas para criticar ou achar que está sendo enganado pelas gestões públicas, mas para sugerir mudanças, se necessárias, para melhorar as operações e aperfeiçoar questões ainda atrasadas.
Afinal, quem mais saberia dizer onde estão os problemas e questões se não os próprios passageiros que vão utilizar ou utilizam aquele sistema de transporte diariamente, praticamente um terço de sua vida no transporte coletivo.

Texto: Victor Santos
Fontes: