quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

BRT em São Paulo - Viável ou impossível?

Ônibus na linha 5105 do Expresso Tiradentes:
Atualmente o único corredor BRT de São Paulo.
Foto: Victor Santos (autor).
Muito se discute em como amenizar o caótico trânsito paulistano que é o grande gerador de problemas aos cidadãos paulistanos, que diariamente perdem horas essenciais de suas vidas em congestionamentos. Se discute qual modal será utilizado para determinados demandas, como será seu traçado e seus impactos nos transportes e na urbanização.
Na contra mão de outras grandes metrópoles ao redor do mundo, que amenizaram ou até mesmo solucionaram seus problemas de tráfego intenso nos grandes centros investindo no transporte coletivo, São Paulo demorou tempo demais para investir no sistema público de transporte de alta capacidade. Embora já existissem trens de subúrbio desde o início dos anos 1900, a primeira linha de metrô da cidade veio a ser inaugurado somente em 1974, embora antes já houvesse diversos projetos para a sua construção.
Muitos acreditam que a solução ideal para a capital paulista seria a construção de mais linhas de metrô para atender mais regiões, porém construir mais linhas de metrô sem estudos que justifiquem sua construção pode custar caro por ser um modal que exige um alto custo de implantação e operação, além do longo tempo de construção.
Mesmo assim, qual seria a lógica de construir mais linhas de metrô se a distância que os passageiros de regiões mais distantes ainda seria muito alta?
Ônibus do sistema Expresso
estacionado em uma estação padrão do BRT de Curitiba.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos).
Cada capital brasileira adotou um tipo de projeto para solucionar seus problemas de tráfego, sociais e de crescimento, utilizando muitas vezes o Plano Diretor como base para tais projetos. Muitas capitais, por não possuir uma renda muito alta ou demanda que justifique a construção de um sistema de metrô convencional, investiram no sistema de ônibus como principal meio de transporte. 
Dentre todas a capitais, a que mais se destaca e sempre é lembrada em trabalhos de faculdade e discussões é a capital Curitiba (PR), que de forma pioneira implantou o sistema de ônibus em canaletas (corredores exclusivos) em meados da década de 1970. Atualmente o sistema é chamado de BRT Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido de Ônibus em português, e foi adotado em diversas outras cidades, muitas fora do país como Bogotá (TransMilenio) na Colômbia, sendo um grande modal de média capacidade e rápida implantação. Mas antes de tudo, o que de fato é um BRT?
Sistema de BRT de Bogotá se inspirou em Curitiba e,
através de um plano reestruturador da cidade, se tornou referência mundial.
Foto: Wikipédia.
O BRT é um tipo de transporte que possui muito de sua infraestrutura aperfeiçoada para garantir mais rapidez, melhor operação e mais conforto aos passageiros do que o sistema de ônibus convencional. O BRT possui características de um sistema metroviário como segregação para os ônibus, pagamento antecipado da tarifa e embarque e desembarque ao nível do ônibus, mas possui também a agilidade de um ônibus e o baixo custo de implantação e operação. Quando associado a um bom projeto de requalificação do entorno das linhas implementadas, pode gerar impactos positivos que o próprio sistema de metrô gera quando inaugurado.

Embora erroneamente as pessoas acreditam que este sistema pode substituir uma linha de metrô convencional por ser muito mais barato em custos de implantação, é um sistema que deve complementar uma rede de transportes como um todo, tais como o próprio sistema de ônibus, sistemas de trens e transporte não motorizado (bicicletas, por exemplo).
É claro que o sistema de ônibus em corredores exclusivos jamais substituirão um sistema de alta capacidade como o metrô ou os trens metropolitanos, mas para alguns tipos de demanda ou regiões onde não seja viável economicamente, o BRT pode estimular o crescimento de uma região e agilizar a locomoção dos cidadãos. 
O sistema é utilizado em 42 países, sendo 170 cidades, onde 55 estão localizadas na América Latina, transportando, em média, 33 milhões de passageiros por dia.
Ônibus do sistema BRT Move de Belo Horizonte-MG.
Sistema foi classificado em 2014 como categoria "Gold" pelo ITDP.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos)
Porém, em muitos casos o BRT pode não ser o ideal para regiões altamente adensadas pelo simples fato de ser um sistema de média capacidade, o que pode ocasionar em um sistema que já iniciará as operações sobrecarregado. Além disso, por conta da falta de planejamento mais organizado e controle do crescimento da cidade de São Paulo no passado, avenidas principais e de grande fluxo são estreitas demais para implantar um corredor exclusivo, isso sem contar em alguns casos onde a topografia da região pode prejudicar a implantação e operação.
Ao contrário de Curitiba, onde boa parte da cidade teve um melhor planejamento e maior controle do uso e ocupação do solo, a capital paulista cresceu mais do que o sistema viário foi capaz de absorver, criando regiões altamente populosas com poucas vias de acesso. Um exemplo?
O distrito de Cidade Tiradentes, com cerca de 200 mil pessoas (censo 2010), não conta com nenhum modal de transportes de alta capacidade, deixando o transporte da população precário com os ônibus convencionais que não possuem capacidade de atender a imensa demanda de viagens em direção ao centro da capital ou as estações do Metrô ou CPTM.
Projeto original do Expresso Tiradentes: somente o trecho para o Sacomã e Vila Prudente foram construídos.
Fonte: SPTRANS/Plamurb.
Houve um projeto para implantar o corredor Expresso Tiradentes, que ligaria o terminal Parque Dom Pedro II até o terminal Cidade Tiradentes passando por São Mateus e Sapopemba. Porém, após diversas revisões, o projeto foi cancelado e o percurso, entre Vila Prudente e Cidade Tiradentes, deveria ser feito agora através do monotrilho da linha 15 Prata do Metrô.
Esse projeto gerou muitas dúvidas entre especialistas por não ter sido nunca implantado em larga escala no país, ainda mais em um local tão populoso no qual atenderia. O resultado disso, associados aos atrasos e problemas de planejamento, pode ser visto no engavetamento do trecho entre São Mateus e Cidade Tiradentes, e no atraso da entrega do trecho Vila Prudente - São Mateus. Atualmente, o trecho comercial da linha liga a estação Vila Prudente, onde possui transferência com a linha 2 Verde, até a estação São Mateus.
Outro erro de projeto que está em muita discussão é a mudança de modal para a linha 18 Bronze do Metrô, que inicialmente previa utilizar a tecnologia monotrilho na ligação entre São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano do Sul e São Paulo. O atual governador de São Paulo, João Dória (PSDB-SP), questionou a utilização do monotrilho para o ramal, tendo em vista a demora para o inicio das obras. 
A linha será de responsabilidade do Consórcio Vem ABC, que ficará encarregado de construir e operar o monotrilho por 25 anos segundo a Parceria Público-Privado, e contará com 15 quilômetros de extensão e 13 estações. 
A polêmica fica por conta da troca do monotrilho (modal de média capacidade) por um sistema de BRT (também de média capacidade) como forma de destravar o projeto da linha e, teoricamente, criar uma ligação rápida entre as cidades atendidas e o sistema metroviário.
Diagrama da linha 18 Bronze.
Fonte: Site Consórcio VEMABC.
A questão é que o Governo Estadual pretende com essa decisão, agradar aos empresários tradicionais do setor rodoviário do ABC Paulista que, com a ligação por monotrilho, perderiam uma parcela de participação no transporte da região. Através de interesses privados e de grupos fechados, essa mudança de modal pode acarretar em muitos problemas estruturais na rota, uma vez que o corredor poderia ser facilmente implantado da forma mais barata possível, dificultando ainda mais na mobilidade já prejudicada dos passageiros do ABC. 
Trem do monotrilho da linha 15 Prata: modal e linha ainda são duramente criticados.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos).
Atualmente, o modal que mais carrega passageiros na capital é de longe o sistema de ônibus urbanos, transportando em média 12 milhões de passageiros por dia (dependendo do mês). Além de servir de ligação entre os bairros e o centro da cidade, também é utilizado em larga escala para ir dos bairros às estações de metrô ou trem mais próximas. Porém, a capacidade do sistema sobre pneus é relativamente mais baixa devido à falta de exclusividade em grandes avenidas, mesmo com as diversas faixas exclusivas em muitas vias da cidade. 
Recentemente, a prefeitura de São Paulo comemorou a marca de 6 mil novos ônibus entregues ao sistema desde 2016, mas a comemoração gerou discussões sobre a falta de estrutura para receber tantas linhas e ônibus na cidade. São apenas 130 quilômetros de corredores de ônibus, cerca de 500 quilômetros de faixas exclusivas (à direita da via normalmente), e apenas 29 terminais de ônibus municipais. A falta de exclusividade para os ônibus afetam tanto a velocidade operacional quanto o tempo de percurso da viagem, gerando a péssima reputação ao modal e desestimulando o uso como forma de deslocamento. 
A cidade conta com apenas um sistema de corredores de ônibus que se encaixa nos padrões estipulados do BRT: o Expresso Tiradentes. Foi implantado em 2007 após diversas revisões do projeto, atrasos, superfaturamentos e reduções no projeto original.  Segundo a avaliação do ITDP - Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, o corredor recebeu a categoria "Silver" (prata) do instituto, o colocando como um sistema mediano em termos de projeto.
Considerado por muitos até os dias atuais como um corredor exclusivo de ônibus simples pelo fato de muitos dos quesitos adotados em projetos serem contra a proposta do BRT, itens como:
  • O corredor foi adaptado para receber ônibus piso baixo ao invés de possuir ônibus com piso convencional e ter todas as portas ao nível da plataforma. Por conta disso, nos articulados comuns, a última porta do lado esquerdo do ônibus possui degraus para os embarques e desembarques, além do espaço entre o piso do ônibus e a plataforma. Apenas os biarticulados conseguem possuir todas as portas ao nível da plataforma já que são ônibus com piso baixo total em toda a sua extensão.
  • Trouxe impactos negativos as vias e bairros por onde se estende, com na avenida do Estado e na rua Juntas Provisórias. O efeito "minhocão" provocou degradação abaixo do elevado por onde percorre os ônibus, e sem um projeto de requalificação urbanística associado ao corredor, a região por onde o elevado atravessa é degradada e com aspectos de abandono. 
  • Originalmente previa-se a utilização de trólebus articulados e biarticulados guiados por canaletas ao longo da via do corredor, o que ocasionaria em maiores velocidades comerciais, maior segurança na direção dos veículos, e zero emissões de poluentes oriundos da queima de combustíveis fósseis. O projeto foi alterado e hoje os ônibus utilizam o diesel como matriz energética, além de não contarem com a guiagem magnética, mantendo a velocidade comercial em 50 km/h.
  • As vias do corredor foram construídas, em boa parte do percurso, em vias elevadas, o que impossibilitou a criação de faixas de ultrapassagem para criar linhas expressas ou diminuir o tempo de espera dos ônibus antes das paradas. A estrutura não pode receber melhorias e também não pode receber incrementos na estrutura, caso a demanda aumente.
  • Também é considerado como "isolado" e pouco influenciador no sistema de ônibus como um todo, uma vez que possui apenas três linhas, sendo apenas uma que opera com toda a sua extensão em corredor exclusivo: a 5105-10, entre o terminal Sacomã ao terminal Mercado. Conta com apenas 12 quilômetros de extensão de vias segregadas.
Uma solução para o problema dos corredores de ônibus em São Paulo seria a requalificação da estrutura, reformando e adequando o corredor simples para um corredor  padrão BRT com a reforma de paradas, estrutura da via e traçado. Com essa melhoria, associada a diminuição de linhas sobrepostas nos corredores para conseguir mais fluidez nas viagens, a própria região ao longo do corredor poderá ser requalificada com essas melhorias.
Um exemplo de corredor que pode receber tal requalificação é o corredor Santo Amaro - Nove de Julho - Centro, que liga o terminal Santo Amaro, zona sul, ao terminal Bandeira, região central. Com a readequação das paradas, tornando-as estações com cobrança antecipada, redução das linhas sobrepostas e melhoria do viário, o corredor ganharia novas possibilidades de aumentar a capacidade e melhorar o entorno. 
Atualmente é considerado um corredor com péssima velocidade comercial e contribuiu para a degradação da região que atende após o abandono do projeto original na utilização de linhas paradoras e expressas troncais com trólebus.
Parada Alfonso Braz do Corredor Santo Amaro.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos)
É importante destacar que um sistema de BRT deve possuir, segundo as diretrizes que o ITDP exige, os seguintes itens:
  • Estações com cobrança antecipada, retirando a necessidade de dupla função do motorista e melhorando o embarque e desembarque. 
  • Plataforma de embarque em nível com o piso interno dos ônibus, facilitando a acessibilidade e excluindo a utilização de escadas para acessar os ônibus.
  • Exclusividade para os coletivos, gerando melhor tempo de viagem, e faixas de ultrapassagem que possibilitam que os ônibus de linhas expressas possam passar direto pelas estações sem ter que aguardar o ônibus à frente.
  • Segregação do tráfego comum, impedindo os problemas de conflito entre os ônibus e os automóveis e outros veículos no sistema viário comum. 
  • Melhoria do entorno das estações e vias para que a região não seja afetada negativamente, assim melhorando também o sistema viário para o tráfego comum.
  • Sistema de gerenciamento de frota para que não tenha ônibus à mais que possam diminuir a fluidez do corredor e onerar os custos da operação, e não ter ônibus à menos que possam aumentar os intervalos entre os ônibus e gerar lotação nas estações.
Itens básicos para categorizar um BRT.
Foto: ITDP.
O conceito de BRT foi determinado pelo ITDP, com parcerias com entidades públicas e privadas do setor de transporte para melhorar e capacitar sistemas de transportes no mundo todo. O instituto também categoriza os sistemas de ônibus em corredores exclusivos e orienta melhorias para aumento de capacidade e tecnologia. As categorias são: 
Gold (ouro): Este é destinado aos corredores que foram avaliados por técnicos do ITDP que seguiram as exigências em projeto para o aperfeiçoamento do sistema implantado, ou seja, o corredor categorizado como "ouro" foi muito bem avaliado, seguiu a maioria dos aspectos necessários para um corredor BRT de alta qualidade e padrão internacional e possui uma grande chance de impactar o transporte na cidade ou região beneficiada.
Silver (prata): Essa categoria é destinada aos corredores que possuem um bom desempenho operacional e com um bom custo-benefício ao sistema, podendo inclusive ser aprimorado para aumentar seus impactos positivos no sistema de transportes da região.
Bronze: Categoria destinada aos corredores que correspondem à algumas das exigências do Instituto, tais como um projeto relativamente bom e seguindo conceitos internacionais e com bons índices operacionais. 
BRT Básico: Essa categoria foi criada para os corredores que possuem critérios mínimos para se categorizarem como BRT, mas que não atendem à muitas das exigências de projeto e operação mínimas. Ou seja, é uma categoria muito abaixo dos níveis de qualidade de um BRT, mas podendo serem aprimorados para a melhor operação do sistema.
As três principais categorias do BRT.
Fonte: ITDP.org
O BRT em São Paulo também pode ser utilizado como estruturador em grandes avenidas em que não são economicamente viáveis de se construir uma linha de metrô pesado, como é o caso de avenidas perimetrais, tais como a avenida Salim Farah Maluf, onde foi previsto um corredor denominado Perimetral Bandeirantes - Salim Maluf. Por ser de rápida implantação, baixo custo de obras, e melhor operação em alguns casos, o BRT possibilita a ligações de bairros de baixa e média densidade aos grandes centros geradores de demanda ou as estações de metrô ou trem. Talvez o primeiro passo para implantar mais sistemas de BRT na capital paulista seria readequar os corredores de ônibus existentes para que consigam aumentar a capacidade, o que poderia ser também o projeto piloto para que existam mais sistemas. 
Há espaço e regiões onde pode-se implantar um sistema de BRT, assim como também há regiões onde um VLT pode ser implantado para melhorar o transporte das pessoas, é necessário sempre haver estudos e projetos que organizem melhor os modais que serão implantados para que não ocorram mais casos como a Linha 18 Bronze. 
O corredor Perimetral Bandeirantes - Salim Farah Maluf:
Corredor pode receber requisitos do BRT para melhor operação.
Fonte: SPUrbanuss 
Texto e Revisão: Victor Santos.
Referências (clique nos nomes para acessar os respectivos sites): SPTrans, site VEMABCBRT DataITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento)Plamurb.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Conheça a Estrada de Ferro Vitória à Minas

Foto retirada da internet,
 créditos ao autor.
Muitos de nossos parentes que viveram nos áureos tempos das ferrovias contam histórias de viagens que nos encantam ao mesmo tempo que nos entristece pelo resultado de anos de negligência da gestão pública com o modal. Os paulistas mais jovens sabem, através de histórias e pesquisas, que era possível ir à Santos ou Sorocaba através das ferrovias com companhias que nem existem mais, aliás as próprias ferrovias quase não existem mais em grande parte dos casos. Mas muitos paulistas não imaginam que ainda é possível viajar de trem regional regularmente e cruzar boa parte de dois grandes estados.
Estamos falando do trem de passageiros da Estrada de Ferro Vitória à Minas, que opera regularmente o trecho entre Cariacica, região metropolitana de Vitória, à Belo Horizonte, cruzando boa parte do leste mineiro. Nós do Metrópoles e Transportes visitamos a ferrovia durante nossa viagem para Belo Horizonte em novembro de 2017, e hoje vamos contar nossas impressões dessa ferrovia tão importante para os passageiros, estudiosos do setor e para a economia das cidades. 

Curta história: A ferrovia que ligaria o Porto de Vitória à região do Vale do Rio Doce foi inaugurada em 1904 para transportar a produção de café desde a região até o porto. Durante os anos de 1940, a ferrovia passou a ser administrada pela Companhia Vale do Rio Doce, que fez uma modificação para melhorar seu percurso na região de Vitória. Em 2002, a companhia adquiriu o Ramal de Nova Era e finalmente conseguiu chegar em Belo Horizonte, e começou a oferecer o serviço de passageiros mais direto.
É uma ferrovia com um movimento frenético de trens cargueiros que cruzam os estados mineiro e capixaba, operando com locomotivas de bitola estreita (1.000 mm) uma vez que a ferrovia foi concebida para o transporte de cargas. 
É atualmente uma das poucas ferrovias em operação que opera os trens de passageiros de longo percurso, oferecendo uma viagem confortável e livre dos congestionamentos e acidentes nas rodovias. 
Estação de Belo Horizonte.
Foto: Victor Santos (autor).
A viagem do dia 6 de novembro de 2017.
Eram quase 7 horas da manhã quando chegamos a Estação de Belo Horizonte, que na verdade é um galpão que foi adaptado para receber o trem de longo percurso uma vez que a estação original de fato hoje abriga o Museu de Artes e Ofícios (parada obrigatória para quem gosta de museus bem ricos em cultura). 
A real estação de Belo Horizonte foi inaugurada em 1895, reconstruída em 1922 para o prédio atual. A estação que abriga o trem é relativamente boa, porém descoberta em boa parte, até porque o trem não é pequeno.
Nosso destino naquela fria e brilhante manhã era a Estação de Pedro Nolasco, na cidade de Cariacica, Grande Vitória - ES. Compramos as passagens através do site da Vale do Rio Doce, empresa que administra os trens de passageiros dessa ferrovia desde 1942 e possui partidas diárias às 7h00 de Vitória (Cariacica) para Belo Horizonte, Minas Gerais, e no sentido Vitória, a partida da capital mineira às 7h30. No site também é possível escolher poltrona e classe que deseja viajar, Econômica ou Executiva, lembre-se disso pois será importante mais para frente da história. Caso prefira, também é possível comprar na bilheteria das estações, mas vá com antecedência porque é muito concorrido. 
Visão geral da estação.
Foto: Victor Santos (autor).
Havia muitos passageiros para embarcar no trem, mas o embarque foi bem organizado com funcionários nos portões de embarque preferencial e comum para informar o número do carro de cada passageiro. 
Existia uma organização planejada, mas como sempre, havia passageiros que não se deram o trabalho de ler atentamente qual seu assento e carro, o que gerava um pouco de demora no embarque. 
Nesse dia, a composição estaria com seus 17 carros de passageiros, sendo 11 na classe Econômica, 5 da classe Executiva, um carro especial, carros lanchonete e restaurante, além da locomotiva que tracionaria a composição com uma unidade de baterias. Por fim, uma composição imensa, mas não era a maior, pois era uma época de baixo movimento (início de novembro). Segundo os passageiros e funcionários, em altas temporadas aumentava o número de carros para o transporte para conseguir absorver a demanda.
Pelo grande número de passageiros que ainda iriam embarcar, imaginamos que nossa partida, agendada para às 7h30, seria atrasada. Por isso nos acomodamos em nossas poltronas do carro 08 da Econômica. 
Logo veio a surpresa: pontualmente às 7 horas e 30 minutos o trem puxou os 21 carros carregados da forma mais suave que já testemunhamos. Enfim estávamos em movimento rumo a capital capixaba em uma viagem de 13 horas de duração e 29 paradas até a capital do Espirito Santo. 
Carro Econômico: simples, mas confortável.
Foto: Gustavo Bonfate.
Por ainda estarmos em um trecho de tráfego intenso de trens cargueiros da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica, concessionária do trecho e empresa do Grupo Vale), precisamos permanecer em baixa velocidade até deixarmos a região metropolitana de Belo Horizonte, onde chegamos a velocidade comercial máxima da viagem: 70 km/h. Os carros de passageiros possuem um isolamento acústico impecável, e é quase impossível sentir os solavancos dos carros e sons dos trilhos no interior da composição, comprados em 2014 pela Vale para substituir os antigos carros de passageiros. 
Painel informativo disponível em todos os carros.
Foto: Victor Santos (autor).
Esses novos carros, oriundos da Romênia, possuem todos os itens mais modernos disponíveis nas ferrovias brasileiras: Ar condicionado, carros com janelas lacradas, isolamento muito bem feito, painéis com informações para os passageiros, locais para armazenar as bagagens de mão ou malas, portas de passagem entre os carros com sensor de presença e botões para acionamento, banheiros femininos e masculinos bem localizados, além de televisões para entretenimento e avisos. 
Para uma viagem longa à qual teríamos, tudo isso veio para proporcionar melhor conforto aos diversos passageiros diários, aliás é muito difícil haver um dia que o trem esteja vazio dependendo da temporada. 
Porta de acesso dos carros.
Foto: Victor Santos (autor).
Como foi avisado logo na saída de "BH", o almoço começaria a ser vendido a partir das 11h00, e quem preferia reservar e comprar o almoço com antecedência já poderia faze-lo com com um comissário que passava com um carrinho cheio de doces, salgados e bebidas para venda. Reservamos a nossa refeição e preferimos almoçar em nossos próprios assentos, que possuem mesas bem espaçosas como a dos aviões para quem preferia evitar o tumulto do carro restaurante. 
O pagamento do almoço e demais refeições é feita exclusivamente em dinheiro em espécie, uma vez que dependendo do trecho não há sinal para maquinas de cartões. (Sugerimos levar o dinheiro trocado para evitar desconfortos).
O prato do almoço é padrão: frango assado acompanhado de arroz, feijão e macarrão, além de uma pequena porção de legumes. A viagem passou rápida até o almoço, mesmo com as paradas de dois ou quatro minutos nas estações. 
Sim, esse é o tempo de parada nas pequenas estações para embarque e desembarque, o que nos impede de descer para ver a estação. A orientação para os passageiros é que para quem fosse desembarcar se dirigissem as portas de desembarque determinadas. Uma pena que os próprios passageiros não colaborem com essa organização, mas essa medida visa otimizar o tempo de percurso, evitando demora nos embarques e desembarques.
Não é algo muito sofisticado, mas muito saboroso pelo preço.
Foto: Victor Santos (autor).
Por volta das 11h30, almoçamos em nossa marmita mesmo, feita de isopor e talheres de plástico que mais quebravam do que cortavam a comida. Mas lembramos que para cortar custos com utensílios mais "sofisticados", a empresa opta por pratos e talheres de plásticos, mesmo se o passageiro preferir por almoçar no carro restaurante. Outro fator que deve reforçar a escolha da companhia em disponibilizar utensílios de plástico é para evitar furtos e quebras dos objetos, além da segurança dos próprios passageiros.
Por fim terminamos nosso almoço, e nos acomodamos para mais oito horas de viagem. A Vale disponibiliza um sistema de entretenimento bem diversificado a bordo dos carros, inclusive via wi-fi com uma programação de filmes e shows direto no celular ou notebook, um grande diferencial. 
Muitos passageiros optaram por livros ou revistas trazidas por eles mesmos, mas a maioria também se acomodou para repousar durante a longa viagem. Aproveitamos o pós tumulto do almoço para caminhar pela composição e conhecer os carros especiais, executiva, restaurante e lanchonete, todos interligados e bem isolados através de portas automáticas.
Portas entre os carros para acesso com sensor de presença.
Foto: Gustavo Bonfate. 
Como estávamos no carro oito, atravessamos outros sete carros para alcançar o carro especial, reservado apenas para cadeirantes e acompanhantes. Esse carro possui itens especiais para acomodar o cadeirante da melhor forma possível: elevador para o acesso do cadeirante, pontos de fixação da cadeira, poltronas para o acompanhante e monitores de vídeo. O toalete desse carro também é projetado para garantir o conforto total do passageiro, ou seja, acessibilidade total. Com isso, possibilita que todas as pessoas viagem pela ferrovia. 

Poltronas do carro especial que possui também um elevador de acesso.
Foto: Victor Santos (autor).
Elevador de acesso ao carro especial.
Foto: Victor Santos (autor).
O carro Executivo possui uma boa diferença do carro Econômico, a começar pelas poltronas que podem reclinar, e com descanso para pernas. No caso dos econômicos, é apenas a poltrona ergonômica com acionamento mecânico. 
Também possui som, iluminação e tomadas individuais em cada fileira, diferente da classe econômica que é preciso compartilhar as tomadas e monitores. Mas em si os carros possuem as mesmas características, apesar do corredor ser mais amplo nos carros executivos devido a uma fileira individual do lado direito (semelhante ao dos ônibus Leito).
Carro Executivo: Poucas diferenças entre ele e o econômico.
Foto: Victor Santos (autor).
O diferencial está nos carros lanchonete e restaurante, com mesas bem amplas, música ambiente, serviço de mesa, balcão de lanches e um atendimento diferencial. Em alguns momentos não parecia que estávamos em um trem regional tamanho era o conforto e isolamento acústico do trem. 
O cardápio contém salgados, doces, bebidas não alcoólicas por motivos óbvios, além da refeição servida para os passageiros. Nesses carros está localizado também o local de descanso para a tripulação, estoque e cozinha. O serviço de bordo nos carros de passageiros e restaurante é quase interrupto, com exceção de 40 minutos de intervalo, sendo 20 minutos antes de chegar em Governador Valadares, e 20 após a saída de lá para troca de equipamentos. Também se encerra cerca de 20 minutos antes de chegar na estação final para garantir segurança e rapidez no desembarque. 
Carro restaurante.
Foto: Victor Santos (autor).
Voltamos para nossos assentos para seguir a viagem sem atrapalhar o movimento frenético nos corredores. A paisagem que a viagem proporciona também é outro grande diferencial dessa ferrovia: você vê o contraste da natureza brasileira na transição da fauna e flora da mata atlântica para o cerrado em câmera lenta. A cada quilômetro que andávamos era uma sensação nova, cidades e vilarejos que dependem dessa ferrovia para ter acesso as grandes cidades fazem jus a importância de uma ferrovia atendendo um estado. 
Essa ferrovia foi concebida para transportar a produção de café dos arredores do Rio Doce no início dos anos 1900, mas depois acabou também focando no transporte de minério e outros produtos do Vale do Rio Doce. Cruzamos diversas vezes o Rio Doce, atravessamos serras e a cada curta parada que fazíamos era possível ver o quanto essa ferrovia é importante para os moradores dessa região que usam os trens como forma mais barata e viável de se locomover entre as cidades. 
Chegamos em Governador Valadares por volta das 14h00, a parada aqui foi mais longa: cerca de 8 minutos que se tornaram 10 pela falta de organização dos próprios passageiros. Uma dupla de amigas que embarcaram no mesmo carro que o nosso foram direto para os nossos assentos, uma dizia que aqueles era o assento que teriam reservado. A outra disse que era para ficarmos tranquilos que elas iriam procurar outro lugar. 
Resultado: aquele nem era o carro delas...por fim partimos de Valadares, onde cruzamos com o trem de passageiros que estava subindo para Belo Horizonte nesta região. 
O restante da viagem seria tranquilo se não fosse pelo excesso de animação das crianças no carro. Pulavam de um banco para outro, sujavam os bancos com doces, abriam e fechavam as portas de passagem entre os carros, enfim, crianças...

O Rio Doce, nosso "acompanhante" nessa viagem.
Foto: Victor Santos (autor).


O cerrado já aparecendo próximo da divisa.
Foto: Victor Santos (autor).

Quase 10 horas de viagem depois da partida da capital mineira e estávamos cruzando a divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo, faltava pouco agora para a viagem gigantesca acabar. No estado capixaba, haviam apenas oito estações que nos separavam do terminal, e como a viagem foi muito tranquila em questão de tráfego de trens, o horário de chegada seria comprido. 
Houve muita chuva já na chegada do estado, embora também chovesse bastante em Minas Gerais, o que não atrapalhou em nada a viagem, apenas acrescentou mais beleza as paisagens. O tráfego de trens cargueiros nesse trecho acabou aumentando, as vezes nos obrigando a diminuir de velocidade ou até parar por alguns instantes, mas em outros trechos a prioridade era nossa. 
Mapa adesivado nos carros.
Foto: Victor Santos (autor).
Já anoitecia quando estávamos chegando na região de Colatina e Cariacica, aos poucos era sentido o cansaço dessa viagem longa, mas ainda sim podemos dizer que valeu a pena cada segundo. Faltava ainda cerca de 40 minutos para o término e alguns passageiros já faziam filas próximos das portas, coisa que se repete muito em vôos e viagens de ônibus rodoviários. 
Talvez o brasileiro sinta medo de não conseguir sair a tempo para correr para um compromisso que não existe. Muitos já estavam com suas malas em punho, como se precisassem sair correndo do trem que ainda estava à quilômetros do terminal. 

A famosa pressa do brasileiro.
Foto: Gustavo Bonfate.
Por fim, após 12h15 e 664 km de viagem, chegamos a Estação de Pedro Nolasco, cidade de Cariacica, região metropolitana de Vitória. Ao contrário do embarque em Belo Horizonte que foi muito organizado, o desembarque na estação final foi demorado, lento e desorganizado. Haviam poucos funcionários para o auxílio, os passageiros se amontoavam nas portas, a plataforma estava congestionada e parecia mais uma estação de trens urbanos do que uma estação de trens regionais. 
Depois de 20 minutos parados no corredor do carro, enfim saímos do trem e seguimos para fora da estação, que do mais absoluto nada ficou vazia. O trem já estava sendo preparado para a viagem de volta para Minas Gerais no dia seguinte: era abastecido com produtos e começava a ser limpo. A estação não fica tão bem localizada, sendo necessário um bom planejamento do passageiro para seguir o seu destino, seja de carro ou com o transporte coletivo. Mas em si a estação é bem confortável com bilheterias, toaletes e iluminação (bem fraca aliás). 

Enfim, chegamos à Vitória, eu (Victor Santos) à direita, 
e Gustavo Bonfate à esquerda.
A experiência dessa viagem ficará gravada para sempre em nossas memórias, cada cena que vimos pela janela dos carros, cada momento parece se eternizar para quem jamais havia cruzado um estado de trem. Para quem quiser ter boas experiências em ferrovias brasileiras, recomendamos essa viagem sensacional. Se para a maioria dos passageiros dessa ferrovia as viagens sejam longas e tediosas, para mim que nasceu na década de 1990 e não pôde ver as ferrovias paulistas de perto, é uma viagem no tempo e na cultura ferrovialista. Há pontos para melhorar? Sim, sempre podemos melhorar. Mas essa ferrovia serve bem aos seus frequentes usuários. Viva as ferrovias! 

Foto: Gustavo Bonfate.
Informações sobre a viagem
Reserva: feita no próprio site da EFVM - Vale.
Preço: Classe Econômica/Cadeirante - R$73,00*. Classe Executiva - R$105,00*
Duração: 12h00 (previsão).
Extensão: 664 km (capital à capital).
Composição: 11 carros econômicos, 5 carros executivos, um carro especial, um carro restaurante, um carro lanchonete, um carro baterias, um carro administração, além da locomotiva tracionando.
Estações: 30 estações de embarque e desembarque.
Refeiçoes: Vendidas à parte, cardápio com preços e opções no site da Vale.
Serviços: Toalete feminino, masculino e acessível, restaurante, lanchonete, tomadas 110v e 220v, monitores de vídeo, ar condicionado, isolamento acústico, painéis com informações e bagageiro para malas pequenas, médias e grandes.
Entretenimento: Wi-fi (depende do trecho) e mídia digital com filmes e shows.
Fundação da ferrovia: 1904, transporte de passageiros regular começou em 1994.
Horários: Partidas diárias às 7h00 de Cariacica/Vitória para Belo Horizonte, e às 7h30 de Belo Horizonte para Cariacica/Vitória
Texto e revisão: Victor Santos e Gustavo Bonfate.
Visita realizada em Novembro de 2017.
*Preço de viagem completa (Belo Horizonte - Cariacica/Vitória e vice-versa), para conferir preços de outros trecho, consulte o site da EFVM - Vale. Para gratuidades ou descontos, consultem o site da Vale.
Fontes: 
site Estações Ferroviárias do Brasil: http://www.estacoesferroviarias.com.br/index.html, acessado em 7 de fevereiro de 2020 às 16h20.


Ônibus piso baixo: Mais acessibilidade no transporte

Articulado piso baixo total exposto na 12° da BusBrasil Fest em 2018.
Foto: Victor Santos (autor).
Quem utiliza diariamente as linhas municipais de São Paulo pode não ter notado que nos últimos anos os ônibus que atendem aos milhões de passageiros todos os dias estão diferentes se comparados aos veículos que circulavam por aqui décadas atrás. Estamos falando em específico dos ônibus piso baixo, ônibus que possuem seu piso interno parcialmente ou totalmente rebaixado e nivelado com a calçada ou plataforma. 
Essa característica foi implementada nos ônibus em muitos países como Estados Unidos e Alemanha em meados dos anos 1970, mas só chegou ao Brasil no final dos anos 1990, tornando-se comum nas cidades brasileiras somente no meio da década seguinte. 
Foi oferecido como uma opção aos ônibus com piso convencional que não oferecem conforto e segurança aos passageiros com mobilidade reduzida, embora houvesse a opção da plataforma elevatória, ou mais conhecida como elevador. Vamos entender mais esse conceito de piso baixo nos ônibus e compreender suas vantagens e desvantagens.
Marcopolo Torino GV foi um dos primeiros piso baixo no Brasil.
Foto: Retirado da internet, créditos aos autores.
Especificamente em 1998, a fabricante sueca Scania começou a testar sua mais nova linha de  chassi para ônibus urbano no Brasil: o modelo L-94UB, uma variante piso baixo do modelo L-94IB. Esse chassi, fabricado logo em 1998, deu início a uma nova era no transporte sobre pneus, uma vez que com o piso rebaixado e motor na parte traseira do ônibus, o transporte seria acessível a todos sem causar maiores desconfortos aos passageiros. O primeiro modelo de ônibus fabricado com esse chassi foi um Marcopolo Torino GV (Geração 5).
Não demorou muito para que as demais montadoras de chassi oferecessem esse tipo de modelo, sendo a Volvo a segunda a fabricar o chassi piso baixo com seus B-7L logo no ano de 2000, e seguido da tradicional Mercedes Benz em 2001 com o O-500U.
A opção dos ônibus piso baixo no início parecia ser uma solução para as cidades que precisavam atender às exigências de acessibilidade no transporte, e ainda garantindo mais independência aos cadeirantes, idosos, gestantes e pessoas com carrinho de bebê ou com mobilidade reduzida. 
Mas os problemas como o viário das cidades e falta de interesse das empresas em adquirir esse tipo de ônibus, estagnaram o maior aproveitamento desse conceito no país. Como esse tipo de chassi é mais caro que os ônibus convencionais com motor dianteiro e piso convencional, muitas empresas não queriam gastar mais com ônibus que, em alguns aspectos, aumentariam o custo com manutenção e aquisição de peças.
Padrão dos ônibus piso baixo dianteiro em São Paulo: duas portas na direita
e duas na esquerda.
Foto: Victor Santos (autor).
Atualmente, a capital paulista segue como a maior frota de ônibus piso baixo do país, uma vez que a gerenciadora do sistema, a SPTrans, exigiu que as empresas contratadas do sistema estrutural adquirissem ônibus piso baixo para as modalidades Padron, Articulado e Biarticulado.
Embora tenha demorado alguns anos, a partir de 2007, as empresas compraram boa parte de suas novas frotas em piso baixo, fazendo com que os ônibus com piso convencional fossem aos poucos se restringindo as linhas mais locais ou até mesmo retirados do sistema. Após mais de 10 anos, a maioria das empresas do sistema estrutural possui ao menos um tipo de ônibus com baixo, sendo em sua maioria articulado com 23 metros, os chamados “super articulados” fabricados com chassi O-500UDA da Mercedes-Benz.
Articulado 23 metros:
Maior capacidade e acessibilidade, a maioria das empresas de São Paulo possuem o tipo.
Foto: Victor Santos (autor).
Embora no Brasil a ideia de ter ônibus com piso baixo como maioria seja utópica, muitos países tem adotado esse tipo de ônibus para garantir mais conforto, segurança e maior acessibilidade aos passageiros. Dos Estados Unidos a Suíça, de Amsterdã a Santiago, grandes capitais tem investido pesado na renovação da frota com esses tipo de ônibus. Claro que dentro dos limites lógicos, o Brasil mesmo se quisesse não poderia erradicar os ônibus com piso convencional, pois há casos em que os ônibus com piso rebaixado podem não conseguir operar devidamente por conta de problemas no sistema viário ou ruas estreitas.
Trólebus biarticulado operando na Suiça: piso rebaixado em toda a extensão.
Foto: Retirado da internet, créditos ao autores.
Existem dois tipos de nomenclaturas que diferem os ônibus piso baixo parcial e piso baixo total:
Low Entry (sigla LE), em português Entrada Baixa, nomeia os ônibus que possuem sua porta dianteira para embarque em nível com a calçada, tendo ou não seu desembarque em nível também, dependendo da configuração de portas do ônibus.
Low Floor (sigla LF), em português Piso Baixo, refere-se aos ônibus que possuem toda a extensão do seu piso interno em nível com o passeio público (calçada ou plataforma), tendo todas as suas portas de embarque ou desembarque em nível.
Além disso, existem atualmente no país quatro tipos de ônibus com piso baixo:
Piso Baixo Dianteiro – Normalmente chamados apenas de Piso Baixo, possuem o piso rebaixado entre a parte dianteira até pouco antes do segundo eixo. Pela existência do motor na parte traseira, não é possível ter o piso baixo total, se restringindo as duas primeiras portas do ônibus (dependendo  do layout).
Modelo Padron piso baixo em Brasilia-DF.
Foto: Victor Santos (Autor).
Um dos interiores possíveis do ônibus Padron piso baixo.
Foto: Victor Santos (autor).
Piso Baixo Total – Dificilmente encontrado no Brasil em geral, sendo esta modalidade restrita à alguns modelos de trólebus, e nos ônibus articulado e biarticulado fabricados pela Volvo (chassi B360S ou B9 Salf) onde o motor se encontra na parte dianteira do ônibus e na posição lateral, não influenciando na altura do piso.
Interior de um trólebus piso baixo total.
Foto: Victor Santos (autor).
Piso Baixo Central – O "famoso PBC", são  ônibus que possuem piso baixo somente na parte central do chassi, entre os dois eixos. Foi uma tentativa fracassada de adotar o piso baixo em um chassi mais barato, no caso o O-500M de fabricação da Mercedes-Benz, uma vez que o chassi que recebe o piso baixo é o O-500U.
Somente a Mercedes fabricou esse tipo de ônibus, e somente empresas de São Paulo e algumas de outras cidades adquiriram esse tipo de chassi, sendo aos poucos erradicado após dez anos do inicio da fabricação, que foi encerrado logo depois do lançamento. O principal problema desse modelo era o fato do excesso de degraus no interior do ônibus, pois o acesso pela porta dianteira é por meio de degraus e posteriormente o passageiro precisa descer novamente os degraus para efetuar o pagamento da passagem, e depois subir novamente para conseguir algum assento.
Modelo foi muito utilizado pela Via Sul em São Paulo.
Autor: Victor Santos. 
Interior de um ônibus piso baixo central.
Foto: Gustavo Bonfate (autor).

Piso Baixo Traseiro – Sim, isso existiu no Brasil. Foi outra tentativa de atrair os empresários a adquirir ônibus com maior acessibilidade sem gerar grandes custos, assim como o Piso Baixo Central. Consistia em um ônibus com motor dianteiro e piso convencional até o segundo eixo do chassi, sendo a última porta com piso baixo e um box para o cadeirante. O principal problema desse tipo de ônibus é o desconforto ao cadeirante, já por estar no fundo do ônibus, o passageiro sente todos os impactos da via irregular e as trepidações. Somente a Mercedes Benz e a Volkswagen ofereciam essa modalidade, sendo adquirida por pouquíssimas empresas e posteriormente retirado de fabricação. 
Tentativa frustrada de vender ônibus piso baixo mais barato.
Créditos ao autor na foto.
Existem também quatro tipos de ônibus com piso baixo, todos com suas próprias características, são eles:
Padron – Ônibus de 12 até 15 metros de comprimento que podem variar de dois à três eixos. Normalmente possuem duas ou até três portas. Em São Paulo, os Padron toco possuem quatro portas, sendo duas de cada lado, e os Padron 15 metros (três eixos) possuem cinco portas, três do lado direito e duas do lado esquerdo.
Modelo Padron trucado no padrão exigido pela SPTrans.
Foto: Victor Santos (autor)
Articulado – Possuindo de 18 até 23 metros de comprimento, sendo este último com dois eixos traseiros. Pode ser encontrado com diversos tipos de layouts de portas, de três até seis portas, sendo este último no padrão Sptrans, onde todas as três portas da direita estão em piso baixo, enquanto das três do lado esquerdo, a última possui degraus devido a localização próxima do motor.
Somente o chassi modelo B9Salf ou B360S Articulado da Volvo possuem todas as suas portas em nível baixo.
Modelo articulado piso baixo de São Paulo.
Foto: Victor Santos (autor).
Biarticulado – Maior modelo de ônibus piso baixo disponível, sendo este de fabricação exclusiva no Brasil pela Volvo, com o chassi B9 Salf (substituído na linha de fabricação pelo B360S). Diferente dos articulados com motor traseiro, a Volvo produz esse modelo com motor instalado na vertical da carroceria, na lateral esquerda do primeiro carro e entre o primeiro e segundo eixo. O radiador fica localizado acima do teto do salão de passageiros, ou seja, o piso do biarticulado desse modelo é totalmente rente à calçada, com todas as suas portas em piso baixo. Tem seus 27 metros de comprimento e possui um total de sete portas, sendo três do lado direito e quatro do lado esquerdo, para os ônibus no padrão Sptrans.
Biarticulado no padrão exigido pela SPTrans.
Foto: Victor Santos (autor).
Interior de um articulado de fabricação da Volvo:
Na direita da foto, o motor do ônibus instalado na lateral esquerda.
Foto: Victor Santos (autor).
Micro – Lançado em 2015, esse é o mais novo tipo de ônibus com piso baixo comercializado no Brasil. Foi lançado pela Volare, subsidiária da Marcopolo, com o nome de Volare Access – de acessível em inglês, e possui duas portas em piso baixo com rampa de acesso e sistema de rebaixamento que facilita o acesso dos passageiros com necessidades especiais. O motor, podendo ser fabricado pela Cummins ou pela BYD na versão elétrica, fica localizado na parte de trás da carroceria, onde o piso fica alto com acesso pelos degraus, semelhante aos ônibus padrons. A Volkswagen também oferece uma versão Low Entry em micro, modelo 8.160 OD.
Micro low entry é a grande novidade para a acessibilidade em linhas especiais.
Foto: Gustavo Bonfate (autor).
Vantagens e desvantagens
Além da facilidade para os passageiros com ou não necessidades especiais, o piso baixo dispensa manutenções com a plataforma elevatória, ou elevador, e garantindo mais independência para os cadeirantes e idosos nos embarques e desembarques. Com acesso pela rampa localizada no piso próximo das portas, o acesso ao veículo pode ser mais rápido e seguro do que pelas escadas em veículos convencionais. Com o sistema de rebaixamento, que faz o ônibus ficar mais baixo e nivelado à calçada ou plataforma, pode-se garantir maior rapidez em embarques e desembarques.
Outra vantagem de se ter ônibus piso baixo é o atendimento das normas de acessibilidade no transporte de acordo com a Norma Brasileira vigente, que garante acessibilidade à todos no transporte público, também estimulando o uso do sistema de ônibus como locomoção por mais passageiros. Também é mais cômodo para o motorista que não vai precisar, em alguns casos, sair de seu assento para manusear um elevador, uma vez que a rampa pode ser manuseada pelos próprios passageiros, sendo puxada do piso através de uma pequena alça.
Porta com rampa:
Além de conforto, trás agilidade e segurança nos embarques e desembarques.
Foto: Victor Santos (autor).
Porém, as desvantagens que encontramos podem ser resolvidas com soluções simples, como a questão da perda de capacidade de passageiros sentados, um dos diversos motivos do descontentamento de alguns passageiros em relação ao ônibus piso baixo. Como o piso fica mais rente ao nível da rua, as caixas de rodas e o motor impedem a maior utilização do espaço interno, ocasionando em perda de assentos.
Se compararmos um ônibus com piso convencional e motor traseiro e um com piso baixo, o número de passageiros transportados sentados não é tão diferente. O modelo com piso alto transporta, em média, 35 passageiros sentados, enquanto a versão piso baixo transporta 33 passageiros sentados. O que pode variar é a questão do número de passageiros que viajam em pé, uma vez que isso vai depender do layout que a empresa vai adotar ao adquirir o ônibus.
Em ônibus piso baixo total, como é o caso dos biarticulados e alguns trólebus, essa questão teve menos interferência nos assentos para os passageiros. Porém, enquanto um biarticulado com piso convencional pode transportar até 270 passageiros no total (sentados e em pé), um piso baixo biarticulado transporta até 221 passageiros no total, sendo 47 sentados e 174 em pé. 
No caso dos trólebus, com chassi fabricados pela HVR e operados pela Ambiental Transportes de São Paulo e pela Metra do ABC Paulista, pelo fato do motor elétrico ter sido instalado no fundo da carroceria e de lado, teve pouquíssima interferência no layout, sendo somente as caixas de rodas que interferem no maior aproveitamento de espaços para assentos.
Na cidade de São Paulo, e em algumas outras cidades, pelo fato de haver a padronização das frotas, os ônibus piso baixo possuem quatro portas, sendo duas a direita com apenas a porta dianteira acessível, e duas a esquerda para atender aos corredores de ônibus da cidade. Isso acaba influenciando no layout dos ônibus, diminuindo o número de assentos e dificultando a locomoção no interior dos ônibus. 
Trólebus Busscar Urbanuss Pluss LF:
Um dos 21 piso baixo total da concessionária Metra.
Foto: Victor Santos (autor).
Um exemplo disso são os ônibus que trafegam pela zona leste de São Paulo, onde não há corredores a esquerda que necessitam de porta deste lado da carroceria. Como as portas de embarque e desembarque a direita ficam distantes e em níveis diferentes de altura, dificulta na hora do desembarque dos passageiros, sobretudo em linhas mais carregadas. Sem contar o fato de quando a linha trafega em corredores com paradas a esquerda e pontos também à direita, faz com que os passageiros tenham que subir e descer os degraus constantemente, uma vez que a maioria dos assentos estão disponíveis na parte mais alta do ônibus, no fundo.
Uma solução seria a adoção de ônibus Padron com três portas, sendo as duas primeiras em piso baixo, e a última com degrau devido a proximidade com o motor. Esse tipo de layout já é comum em muitas cidades como Brasília, que adotaram em linhas circulares no Plano Piloto.
Embora a padronização das frotas seja essencial para os custos da empresa, por que não considerar a ideia de adotar um layout melhor para atender melhor aos passageiros?
Ônibus piso baixo em São José dos Campos:
padrão de três portas podem ser utilizados em linhas que não passam em corredores à esquerda.
Foto: Victor Santos (autor).
Outro ponto sempre discutido é a questão do viário adequado para a operação desse tipo de ônibus, pois não é em qualquer viário que esses ônibus conseguem operar plenamente, embora haja casos em São Paulo que essa teoria foi derrubada com a operação em bairros com viário ruim ou péssimo.
O problema maior muitas vezes é a péssima qualidade do asfalto ou da calçada (quando há) que mesmo para um ônibus piso baixo, fica alto demais para os passageiros. É como comprar um carro ultra moderno para andar em estradas de péssima qualidade.
Mesmo que o ônibus com entrada baixa tenha sua maior utilização em diversos países, no Brasil, a utilização em massa desse tipo de ônibus pode demorar mais algum tempo, prolongando a comercialização dos ônibus com motor dianteiro e piso alto. Como o viário da maioria das cidades no país é péssimo ou ruim, torna-se complicado a operação dos Low Entry, fazendo com que as empresas deem preferência aos ônibus com motor dianteiro, chamados de "cabritos" pelos entusiastas e motoristas.
Ônibus tipo básico:
Motor dianteiro, piso alto e elevador ainda são a preferência de muitas empresas.
Foto: Victor Santos (autor).
Com a larga escala na utilização do sistema BRT – Bus Rapid Transit, o mercado de ônibus com piso alto pode continuar em grande comercialização dependendo do padrão de projeto que será adotado, o que impede a restrição da venda desses modelos. Embora possa demorar, a acessibilidade melhorada no transporte público pode avançar cada vez mais com esse tipo de ônibus, bastando vontade do poder público em exigir mais das empresas e melhorar as condições para as operações.
Ônibus do sistema MOVE-BH:
Novos sistemas de BRT utilizam ônibus com piso alto para que a plataforma fique à altura do piso do ônibus.
Foto: Victor Santos (autor).
Texto: Victor Santos.
Fontes bibliográficas (clique nos nomes para abrir o link): Via CircularSPTrans (Manual técnico), ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos - Caderno Técnico "Acessibilidade nos Transportes".)