segunda-feira, 27 de julho de 2020

TUE 2100 da CPTM: O trem certo para o serviço errado

Série 2100 partindo da estação Rio Grande da Serra, linha 10.
Foto: Victor Santos (autor).
Desde que a CPTM deu inicio a sua renovação de frota, muitos trens vão sendo retirados de operação para dar lugar aos novos trens e assim proporcionar mais conforto e segurança nas viagens. A primeira nova frota a ser adquirida pela CPTM e iniciaram seus serviços regulares em 1997. 
Em 2020, vinte e dois anos após a chegada na companhia, o futuro deste trem parece ser a desativação completa com a chegada dos novos trens na companhia. Mas por que um trem relativamente novo na companhia está em processo de desativação?

A começar pela sua idade. Mesmo que o tempo de serviço na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos seja curto em relação as frotas mais antigas, essa série foi fabricada a partir de 1974 quando a Renfe (Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles) encomendou para a também espanhola CAF (Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles) um total de 255 unidades que seriam fabricadas até 1985. 
Em 1993, a Renfe, que opera os trens de médio e longo percurso além do serviço suburbano na Espanha, reformou muitas unidades para se adequar aos novos padrões de conforto, assim ganhando uma nova máscara, ar condicionado, painéis digitais para os anúncios, novos assentos e passagem entre os carros. 
Algumas unidades ainda permanecem com o visual e padrão das quais foram fabricadas e seguem operando na Espanha. Outras unidades foram reformadas para o serviço de média distancia, ganhando a nomenclatura de UT-470. 
Por fim, um trem que, mesmo após a reforma profunda que passou ainda na Espanha, é considerado antigo com seus mais de 40 anos de uso. Para se ter uma ideia, essa série é mais antiga que as antigas séries 1700 e 5000 da companhia, fabricadas em 1987 e 1979 respectivamente. 
Na esquerda a primeira versão do trem, à direita o modelo reformado
em 1993. Retirado da internet, créditos ao autor.
As limitações do desempenho dessa série também impedem o seu uso em linhas onde estas restrições podem atrapalhar as operações. Por se trata de um trem projetado para cumprir etapas de médio percurso e serviços expressos, essa frota não consegue ter o mesmo desempenho que as frotas mais novas da CPTM. 
Com uma taxa de aceleração baixa, o trem demora para alcançar sua velocidade comercial, pois em linhas com grandes distâncias entre as estações, não necessariamente precisa de uma taxa de aceleração muito grande. Outra questão é que seus motores não foram projetados para operações em linhas com rampas muito ingrimes.
Por causa dessas limitações, os "trens espanhóis" não poderiam operar em linhas com muitas subidas ou com estações muito próximas. Em um dos testes na então Linha A da companhia, hoje Linha 7 Rubi, houveram relatos de superaquecimento nos freios de uma unidade, fato que fez esses trens deixarem de ir até o extremo da linha. Outro problema dessa série era a operação com  trens que possuem uma taxa de aceleração mais forte que eles, o que faziam os trens andassem juntos, prejudicando os intervalos e operações nas linhas. Esse também foi o motivo da sua saída imediata da linha 9 Esmeralda, onde também haviam trens mais potentes e estações próximas uma das outras. 
Série 2100 partindo de Luz para iniciar as operações na Linha 10 Turquesa.
Foto:Yuri Gabriel.
Outro motivo para sua aposentadoria precoce é a dor de cabeça para a manutenção, pois a falta de peças de reposição, sistemas mais complexos e necessidade de maior tempo parado, prejudicava tanto a operação quanto a manutenção dessa série. Mesmo tendo sua manutenção terceirizada desde o início, ainda era caro manter essa série, que não pode operar na grande maioria das linhas da empresa.
Com tantos problemas de manutenção, era comum a falta de disponibilidade dessa frota nas operações, e como não haviam frota reserva, isso complicava as operações diárias e fazia com que os passageiros não olha-se com bons olhos a linha 10. 
Em 2010, o contrato revisão geral foi assinado para que a frota fosse reformada e garantir mais alguns anos de serviço, sem a necessidade de comprar novos trem em um primeiro momento. Além de uma nova identidade visual, nos moldes do novo padrão visual adotado pela CPTM, as 48 unidades receberiam itens mais recentes para garantir mais conforto e segurança.
Porém, recentemente o contrato de revisão de meia idade, previsto em trens que completam 1 milhão de quilômetros rodados, foi suspenso por irregularidades. Apenas uma parte da frota foi reformada e a manutenção, também terceirizada, ficou ainda mais complicada o que gerou custos e problemas à operação dos trens como superaquecimento que resultou no incêndio de algumas unidades. O último grande incêndio foi em 2015 com a unidade que já retornou para operação.
Trem em testes na Zona Leste: a frota iniciaria operações nas linhas da região,
porém atos de vandalismo fizeram a companhia remanejar essa frota 
para outras linhas.
Créditos ao autor, retirado da internet.
A CPTM ao adquirir essa frota, esperava que eles operassem no Expresso Leste, até então um novo serviço que seria oferecido por ela, pois esses trens que possuem as características para tal. Porém, entre os testes na linha, houve atos de vandalismo e depredações nas composições recém chegadas, sendo necessário a paralisação da frota por falta de peças de reposição. Relatos da época afirmam que a população depredou os trens em forma de protesto contra a operação precária que a companhia prestava a população na época (meados de 1997 e 1998).
A única linha que possuía características que contribuíram para a operação dos TUE 2100 foi a Linha D (atual Linha 10 Turquesa), onde permanecem atuando como frota principal dessa linha até meados de 2018 e 2019. Por possuir relativamente baixa para época e grandes distâncias entre as estações, favoreceram a operação dos trens. 
Muitos entusiastas e passageiros também reclamam do ar condicionado e do número de portas existentes no trem, quatro portas por carro conta oito dos trens mais novos. O ar condicionado também é alvo de reclamações por não gelar tão bem quanto os trens mais novos, algo que com o tempo foi resolvido parcialmente.
Três unidades nas proximidades da estação Brás e Mooca.
Foto: Yuri Gabriel.
Em contrapartida é considerado um dos trens mais confortáveis da companhia, seja pelo número de assentos disponíveis, devido ao layout e as poucas portas, ou pela partida suave que garante uma viagem tranquila. Muitos dos passageiros diários da Linha 10 ainda preferem o "trem espanhol", que por anos auxiliou a população do ABC Paulista em suas dificuldades de mobilidade urbana. 
Como as estações da linha são bem afastadas entre elas, os 2100 conseguem ganhar uma boa velocidade operacional, além de possuir freios mais suaves sem os solavancos. 
Foi por muito tempo a única frota do sistema sobre trilhos paulistas a possuir sinal de abertura das portas com aviso sonoro e luminoso. Por fim, é um trem diferenciado e que fez parte do crescimento da linha, além de despertar a paixão pelas ferrovias em muitos dos entusiastas.
TUE 2100 na inauguração da estação Autódromo da Linha 9
Créditos ao autor.
Essa série esteve fortemente presente nas linhas 9 e 10 e em suas mudanças operacionais, seja na inauguração da extensão da linha 9 rumo ao Grajaú em 2008 ou no encurtamento da linha 10 que seguia até a estação da Luz e hoje faz terminal na estação Brás.
A partir de 2016, a série 2100, que era a única até então na linha 10, passou a ter como "ajudante" a frota 3000, fabricados em 1999 pela alemã Siemens no mais novo trem expresso da CPTM: o Expresso Linha 10 que liga a estação Prefeito Celso Daniel - Santo André à estação Tamanduateí atendendo apenas a estação São Caetano. Este serviço atende apenas ao picos dos dias úteis, mas serve bem a população do ABC Paulista. 

Em 2018, a linha turquesa passa a ter mais uma frota ao lado dos 2100: a série 7500 oriundos da Linha 9 Esmeralda. Com o remanejamento de frotas entre as linha da CPTM pela chegada dos novos trens, a série 7500 passou para a linha turquesa ao lado dos 2100 para auxiliar a necessidade devido a falta de trens na linha. 
Por ironia do destino, a série 2100 foi substituída na linha 9 justamente pela série 7000 e 7500, que agora são as frotas titulares da linha 10. A série 7000 também foi remanejada parcialmente para a linha 10, continuando uma parte em operação nas linhas 9 e 12 da companhia. A série 3000 também tornou-se frota operante na linha, embora em menor número em relação aos demais.
Com isso, a série 2100 começou a ser retirada das operações diárias, ficando inicialmente como frota reserva, depois como trem auxiliar nos serviços expressos da linha 10 (Expresso Linha 10, Expresso Linha 10+, e Expresso Estudantes), dividindo as operações com a série 3000 e 7000/7500. 
Porém, devido a atual situação da Covid-19, os serviços expressos foram suspensos e retornou apenas em 2021 somente o Expresso entre Tamanduateí e SantoAndré, o que fez a companhia encostar a série 2100 por tempo indeterminado. 
Série 3000 estacionado na estação Prefeito Celso Daniel - Santo André.
Série foi remanejada para linha 10 em 2016, mas não opera com totalidade.
Foto: Victor Santos (autor).
Ainda em 2018, o então Secretário dos Transportes Metropolitanos, Clodoaldo Pelissioni, disse em uma entrevista que a CPTM estuda abrir uma licitação para substituir essa frota que opera na linha turquesa. Porém, em 2020, o atual secretário, Alexandre Baldy, anunciou que o edital que previa a aquisição de novos trens foi cancelado devido a atual crise do Covid-19. Veja a notícia no site Noticiando clicando aqui. Com isso, a série 7000 e 7500 seguirá operando na linha 10, que na época do remanejamento, foi anunciado como "trens novos".
Trens 2100 e 3000 na linha 10.
Foto: Yuri Gabriel.
Embora não tenha sido anunciado oficialmente, é nítido que a CPTM deve realmente retirar de circulação definitiva essa série, que pode ser vista em pátios e oficinas da companhia em Presidente Altino, Luz, e Tatuapé. Sua partida suave, ar condicionado relativamente bom, assentos confortáveis, portas largas e frenagens tranquilas farão falta aos serviços metropolitanos. Como é um trem com características muito peculiares, a série não pode ser reaproveitada em outras linhas ou companhias férreas. 
Será um trem que deixará saudades para muitos passageiros comuns, entusiastas e funcionários, embora para o pessoal da manutenção a saída de cena dessa frota será um alívio. Talvez nenhum trem tenha mudado tanto a maneira como as pessoas enxergavam a antiga CPTM dos trens antigos, estações depredadas, trens com portas abertas durantes as viagens, e insegurança. A série 2100 chegou em um momento de mudança da companhia, fazendo parte desta, e com certeza ainda será lembrado por entusiastas e passageiros por muitos anos ainda, mesmo fora de operação. 
Série 7500 estacionado na estação Rio Grande da Serra.
Série também foi remanejada para a linha.
Foto: Victor Santos (autor).
Algumas curiosidades
Na Espanha, o modelo segue operando no serviço suburbano e de média distância da empresa Renfe com a nomenclatura de UT 440R (subúrbio) e UT 470 (média distância) e possuem até bagageiros. Há planos para que essa frota em breve seja retirado de serviço.
No Brasil, a série foi batizada de TUE 2100, enquanto no Chile, onde foram vendidas 20 unidades, permaneceu com o número de série original: UT 440, mudando apenas para as unidades reformadas no Chile para UT 440MC.
No início das operações da CPTM, os trens possuíam músicas clássicas como som ambiente no interior do salão de passageiros. Era possível viajar ao som de música clássica, algo jamais imaginado por passageiros da época. Posteriormente retiraram esse diferencial. 
No Chile e na Espanha, os trens possuem o piso rebaixado nas portas e escadas para o acesso, algo que foi retificado para operar na CPTM.
Foram 48 unidades dessa série vendidos à CPTM (24 unidades na formação de seis carros), totalizando 144 carros. A formação inicial era de três carros por composição na linha 9, e seis carros (formação de duas unidades acopladas) na linha 10. Posteriormente somente a formação de seis carros foi adotada pela companhia.
Na CPTM, devido ao perfil da via e das operações, a série pode chegar a uma velocidade máxima de 90 km/h, embora seu projeto original contemple a operação de até 140 km/h.
A compra dessa série foi feita de forma emergencial (sem licitação) devido aos problemas que a CPTM enfrentou entre 1996 e 1997, com a população cobrando melhorias na operação dos trens. A compra custou cerca de 85 milhões de reais na época para adaptar as unidades nos padrões da CPTM. 
Embora possuía seis carros, em contrapartida das outras unidades com oito carros, a série 2100 tinha cerca de 160 metros de comprimento, uma dimensão aproximada das séries com oito carros. 
A frota foi fabricada em aço carbono, o mesmo material usado nas antigas séries 4400, 4800, e na então nova série 2000. Esse tipo de material é muito mais pesado e complicado para manter em relação ao aço inox, usados nas novas compras da companhia desde a série 3000. 
Série 2100 próximo da estação Tamanduateí.
Desde o início da pandemia, série encontra-se paralisada.
Foto: Victor Santos (autor).
Texto: Victor Santos.
Revisão:Yuri Gabriel

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Trólebus: Ultrapassado ou subutilizado?

Trólebus Busscar Low Floor em operação no ABC, SP.
Foto: Victor Santos (autor)
Não é de agora que a sociedade percebeu que o uso massivo do petróleo para o abastecimento dos veículos vêm causando diversos problemas ao meio ambiente e a própria vida terrestre. Talvez essa preocupação tenha se agravado antes mesmo da virada do século, em meados das décadas de 1960 e 1970 quando diversas metrópoles começaram a se preocupar com as consequências geradas pelo uso do petróleo, situação agravada pela Crise do Petróleo na década de 1970 . Uma das grandes preocupações era o tipo de combustível que os veículos utilizavam para a tração, até então o petróleo era o principal componente usado para fabricar combustíveis fósseis, tão nocivos para o ambiente terrestre quanto imaginam. Por mais irônico que pareça, a solução, ou parte dela, estava tão próximo e pronto para ser utilizado em grande escala: os trólebus. Mas...O que seria Trólebus?
Trólebus inglês da CMTC em 1949.
Fonte: Respira São Paulo
Trólebus nada mais é do que um ônibus movido por energia elétrica provinda de fios suspensos ao longo da rota. Para captar a energia desses fios, são utilizadas duas alavancas localizadas acima do ônibus e quando conectadas com esses fios, proporcionam a tração para motor elétrico do veículo. Por não possuir embreagem como os ônibus convencionais, a aceleração dos trólebus é mais suave e contínua, gerando mais rendimento que um motores à diesel. Em poucas palavras, o trólebus, diferente dos ônibus movidos a diesel, possui a capacidade de operar ininterruptamente durante o dia enquanto houver energia elétrica. Além, é claro, do fato dos trólebus não emitirem dióxido de carbono (CO²), um gás muito nocivo a vida humana. Esses gases são emitidos por veículos movidos a combustíveis fósseis, um gás incolor e altamente venenoso.
A primeira linha regular dos ônibus elétricos que se tem notícia surgiu em Paris, França, em meados de 1901, e surgiu como um complemento as rotas de bondes existentes, visto que o custo de implantação e operação era relativamente mais baixo. A partir da experiência adquirida na França, diversos países europeus tão logo implantaram os trólebus em várias linhas e tornando o trólebus popular no continente europeu.
Trólebus do tipo "Double Deck" na Grã-Bretanha, retirados de serviço em 1976.
Foto: Transport Illustrated by Rob McCaffery
O novo modal "atravessou" o Atlântico Norte, em direção aos Estados Unidos em 1925, onde foi empregado em diversas linhas, utilizando até a rede elétrica dos bondes, barateando e facilitando a implantação.
A maior utilização dos trólebus foi desde meados de 1920 até quase 1960, quando boa parte das cidades desativaram seus sistemas de ônibus elétricos em favor do automóvel e dos ônibus convencionais (movidos a diesel). Mesmo com as desativações precoces em massa, diversas cidades mantiveram seus sistemas e até ampliaram o uso desse modal pensando na qualidade dos serviços, nos custos e no tempo de vida útil dos trólebus.
Uma prova de que os trólebus possuem sim o seu devido espaço no transporte urbano de uma cidade moderna é em São Francisco, EUA, onde os ônibus elétricos são mais do que um modal de transportes na cidade, se tornaram um modal muito necessário, sendo implementado na cidade em 1935.
Por ser uma cidade litorânea e com um terreno acidentado e repleto de ladeiras, os trólebus são usados em larga escala, pois com um motor elétrico e grande potência, conseguem vencer sem dificuldades e sem causa desconforto aos passageiros. 
Trólebus da "MUNI" de São Francisco, EUA.
Fonte: Retirada da internet, créditos ao autor.
O maior sistema de trólebus do mundo está localizado em um dos maiores países do mundo: a Rússia, onde estão presentes em 85 cidades, totalizando pouco mais de 12 mil ônibus divididos em diversas rotas. Somente em Moscou, capital do país, existe cerca de 1700 trólebus, 104 rotas e oito depósitos, se tornando a maior rede do mundo e uma das mais antigas, implantada em 1933.
Trólebus do sistema de Moscou, Rússia.
Retirado da internet, créditos aos autores.
Década após década, o trólebus se aprimorou, modernizou-se e hoje é usado principalmente em cidades que pensaram na qualidade de vida dos cidadãos e no meio ambiente. Hoje os trólebus podem, por exemplo, se locomover sem estar conectados a rede aérea, continuando a viagem em caso de falhas, manutenções ou flexibilidade da rota, usando baterias próprias recarregáveis. Outra modernização ocorreu com sua rede aérea, que passou a ser mais flexível, diminuindo e muito as quedas das alavancas, e garantindo mais rapidez nas viagens.
Trólebus biarticulado operando na Suiça. Veículo possui 25 metros.
Retirado da internet, créditos aos autores.
Desvantagens e vantagens do uso do trólebus
Com a modernização dos trólebus, muitos dos argumentos contra o uso do modal foram esquecidos como o fato dos trólebus não conseguirem operar sem estar conectados a rede aérea. Com as baterias instaladas nos ônibus, a possibilidade da viagem ser interrompida se tornou nula, além da viabilidade de se criar rotas mais flexíveis.
Trólebus de Ancona, Itália.
Fonte: http://www.tbus.org.uk/news2013.html
Outro argumento contra é o custo de implantação inicial de linhas com trólebus, bem maior que o custo de linhas com ônibus convencionais. Ao avaliar os custos com combustíveis, manutenção e durabilidade dos veículos convencionais, os trólebus ainda sim conseguem ser mais vantajosos para determinadas demandas como em corredores exclusivos ou BRT - Bus Rapid Transit.
No Brasil, especialmente em São Paulo, os trólebus foram extintos por diversos "fatores técnicos". Um deles era de que as fiações dos trólebus deixavam a cidade mais feia e que a retirada foi em favor do embelezamento da cidade, algo completamente sem lógica uma vez que hoje a cidade sofre com diversas fiações telefônicas e de energia expostas e jogadas em calçadas ou muros. Muitas cidades no continente europeu resolveram essa questão com postes arquitetônicos, mais arrojados ao ambiente urbano.
Trólebus do tipo VLP em Nancy, França.
Fonte: Retirado da internet, créditos ao autor.
O trólebus em solo brasileiro
Na década de 1940, a cidade de São Paulo estava começando a enfrentar graves problemas na mobilidade urbana com o uso intensivo dos carros, agravando-se com o crescimento industrial e comercial da cidade. Os bondes elétricos já não conseguiam suportar o crescimento da demanda de passageiros, visto que diversos problemas operacionais começaram a surgir. São Paulo até então contava com os trens suburbanos, criados em 1920, e o metrô ainda era um sonho no papel que somente chegou 20 anos depois. A situação só começou a melhorar com a criação da CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) em 1° de julho de 1947, e começou a organizar a “bagunça” que se arrastava durante anos.
A Light, até então operadora dos bondes, transferiu suas operações de ônibus e bondes para a companhia, que logo aumentou a tarifa, gerando tumultos, depredações e reclamações dos passageiros que alegavam que os serviços prestados eram irregulares.
Trólebus norte-americano em operação na CMTC.
Fonte: Movimento Respira São Paulo (Autor desconhecido)
Indo na contramão do restante do mundo, a CMTC começou seus projetos para a implantação dos trólebus na capital em meados de 1947 para melhorar e ampliar a malha de atendimento. Ainda em 1947, a companha adquiriu um total de 30 trólebus de origem norte-americanos e ingleses. Como até então o Brasil não possuía nenhuma fabricante com tecnologia para fabricar esse tipo de veículo, então era necessário importar não só os veículos, mas toda a tecnologia e itens para a operação, agora imaginem os custos iniciais para tal implantação.
Pois bem, dois anos após a criação da CMTC, no dia 22 de abril de 1949, o então governador do Estado de São Paulo Ademar de Barros inaugurou a primeira linha ligando a Praça João Mendes à Aclimação, começando suas viagens comerciais e colocando o Brasil na lista de países com os trólebus, sendo a capital paulista a pioneira do sistema a nível nacional. A linha substituiu os bondes da Linha 19, e foi o primeiro de muitos passos para trás que a capital deu em relação aos transportes coletivos.
Trólebus e bondes operando juntos em Genebra, Suiça.
Retirado da internet, créditos ao autor.
Embora os trólebus possuam características para tal desempenho, diversas cidades europeias não desativaram os bondes em favor dos trólebus, mas ampliaram a rede dos mesmos e garantiram que a operação seria conjunta e não uma substituição.
No inicio eram 30 veículos, sendo 26 dos Estados Unidos com carrocerias da Pulman Standard (06 unidades) e Wayne (20), e quatro unidades inglesas, com carroceria English Associated Equipament Company.
Com 7,2 km de extensão, a rede passou por um leve crescimento entre 1949 e 1959, com a adição de mais quatro linhas e 31,9 km, e todos os 30 ônibus eram utilizados, logo eram necessárias mais linhas e ônibus. Pouco tempo após a cidade implantar o sistema, outras capitais e cidades brasileiras como Araraquara (SP), Belo Horizonte (MG), Recife (PE) entre outras também implantaram os trólebus em suas ruas e avenidas, mas pouco a pouco foram desativando os seus respectivos sistemas alegando altos custos de implantação e operação.
A CMTC começou a adquirir mais trólebus e expandir mais a rede, embora alguns dos trólebus fossem oriundos de redes desativadas ao redor do mundo. Somente em 1958 é que foi implantada uma linha de produção nacional de trólebus, quando a CMTC comprou 10 unidades do tipo Grassi/Villares.
Trólebus MAFERSA/VILLARES em 1987 no recém inaugurado
Terminal Santo Amaro.
Foto: Jorge Françozo de Moraes (Respira São Paulo)
Após enfrentar um pequeno sucateamento na década de 1970, os trólebus tiveram sua primeira sobrevida durante a década de 1980, quando o então Prefeito Olavo Setúbal iniciou uma série de melhorias e investimentos no modal. 
Saia do papel o Projeto SISTRAN (Sistema Integrado de Transporte) que estava sob comando do engenheiro Adriano Murgel Branco, responsável pela recém formada Diretoria dos Transportes. Setúbal sempre foi conhecido como um entusiasta dos trólebus e seu audacioso projeto de requalificação chamaram a atenção da indústria nacional, até então desmotivada com a tecnologia. Esse plano também colocou em cheque se o Brasil iria alavancar sua tecnologia para os transportes ou iriam continuar pensando que os trólebus eram ultrapassados. 
Embora não tenha conseguido implantar o projeto por completo, a partir dele surgiram sete novas linhas, chegando à 274 quilômetros de rede e cerca de 200 novos trólebus nacionais. São Paulo caminhava rumo à inovação e tração elétrica com a inauguração dos primeiros corredores de ônibus, Paes de Barros e Santo Amaro, que deveriam estruturar as linhas e melhorar a operação com linhas expressas e paradoras exclusivas de trólebus. Outro grande avanço surgiu no ABC Paulista no final da década de 1980, quando foi inaugurado o primeiro trecho do Corredor Metropolitano São Mateus - Ferrazópolis, tendo em projeto inicial a operação segregada e exclusiva dos trólebus. Uma curiosidade sobre o Corredor ABD é que toda a fase de projeto e implantação foi feita pela Companhia do Metropolitano de São Paulo, ou simplesmente o Metrô-SP.
Trólebus Cobrasma em operação no Corredor Metropolitano ABD em 1988.
Fonte: Retirado da internet, créditos ao autor.
O inicio do fim: o abandono público
Até meados da década de 1990 tudo parecia transcorrer bem, a cidade crescia cada vez mais em tamanho e população, embora ainda possuía uma rede de transportes relativamente pequena. A CMTC, até então ainda operava linhas principais, começou a simplesmente “quebrar”, mesmo que boa parte das linhas era operada por empresas privadas contratadas por ela. Começa então a fase de privatização da CMTC, algo que afetaria diretamente a operação, manutenção e ampliação dos trólebus na capital.
A privatização incluía repassar as garagens, frota e manutenção, algo que durou alguns anos até finalmente estar selado o destino da companhia: o fim.
Embora tenha conseguido outra sobrevida, os trólebus pouco a pouco eram desestimulados na capital, principalmente por falta de incentivo da prefeitura, agora apenas gestora do sistema através da SPTrans, criada em 1995. A falta de interesse das empresas contratadas afetou também o destino do transporte limpo em favor dos lucros. Surgiu até um grande projeto do VLP – Veiculo Leve sobre Pneus, que utilizaria os trólebus biarticulados em corredores segregados, algo que somente tomou forma no papel e custou milhões aos cofres públicos, embora fosse um projeto inovador.
Veículos precocemente abandonados, a maioria ainda
em condições de plena operação. Sucateamento da rede.
Fonte: Internet, créditos ao autor.
Ironicamente, os trólebus tiveram alguns investimentos como à troca da frota por ônibus mais novos e mais tecnológicos, e a ampliação do uso da tecnologia. Mas, em 2001, os trólebus sofreriam mais um duro golpe, e dessa fez fatal: a influencia política.
Durante a gestão da prefeita Marta Suplicy, ela alegou publicamente não gostar do modal, e usou de sua influência para tentar findar os trólebus da capital. Em 2003 houve a licitação dos transportes na capital que seria dividida em consórcios que operariam na capital por um prazo de dez anos. Ao invés de fazer uma licitação específica para os trólebus, eles foram incluídos com as demais linhas e sofreram por conta dos interesses privados.
A prefeitura gastou o dinheiro público para retirar mais de 50% de linhas e rede aérea da cidade, alegando que a fiação degradava a região. Isso, unida a falta de interesse das empresas e desestímulo da prefeitura, findou cerca de 10 linhas, e a rede aérea passou de 343 km para pouco mais de 200 km, além da baixa precoce de metade da frota com pouco mais de cinco anos de uso. Foi exatamente nessa época que se instaurou a má fama dos trólebus.
Como a rede havia se definhado por si só, acontecia muitos problemas operacionais e atrasos, o que gerou descontentamento entre os passageiros. Os problemas não aconteciam por conta dos trólebus, mas sim pela falta de manutenção do asfalto, da rede aérea e dos veículos, uma vez que todo sistema de transporte necessita de uma boa manutenção para funcionar com eficiência. Outro argumento usado na época era de que a rede aérea poluía visualmente a cidade...Irônico é que atualmente a cidade está completamente poluída por fios telefônicos que estão pendurados por boa parte dos postes espalhados pela capital.
Projeto "Fura-Fila" era inovador para a época,
mas apenas desperdiçou mais dinheiro público.
Foto: Sergio Martire
Os anos se passaram e algumas linhas ainda resistem ao tempo, à rede aérea foi trocada por uma mais nova e confiável, embora ainda haja trechos com problemas, e os veículos antigos desativados e substituídos por novos e modernos veículos com tecnologia nacional. Para a alegria de quem preza pelo meio ambiente e pela modernidade, e tristeza de quem ainda acha os trólebus ultrapassados. Atualmente, São Paulo possui 201 km de rede aérea e nove linhas em operação com 200 trólebus em operação, sendo 100 do tipo trucado   (três eixos) e o restante convencional. 
Trólebus trucado de 15 metros de São Paulo.
Foto: Gustavo Bonfate
Quem deve investir o Poder Público ou o Setor Privado?
Nas grandes cidades, os trólebus ainda possuem o seu devido espaço, o Poder Público tem como dever incentivar as empresas que ela contrata para o transporte a utilizar tecnologias limpas como propulsão. No caso de São Paulo, com a licitação em andamento e já assinado os contratos com as empresas, a prefeitura tem como dever exigir que empresas privadas invistam em novas tecnologias, seja o trólebus ou os ônibus elétricos. Se a empresa não concorda com as exigências da cidade, outras empresas se interessaram. 
O setor privado não pode ter o poder de escolher se ira usar o trólebus ou qualquer outra tecnologia na cidade, e cabe a prefeitura exigir qual modal a empresa participante deve utilizar. Essa história de que a empresa deve escolher qual tipo de ônibus ira usar nas operações e totalmente absurda, em vista do que aconteceu na última licitação, em que a prefeita Marta Suplicy afirmou que as empresas iriam utilizar os ônibus híbridos por serem mais baratos e não precisaram da rede aérea como os trólebus. No final das contas mais dinheiro público foi para o ralo, uma vez que até hoje nenhum ônibus híbrido vingou de fato.
Ônibus elétrico da chinesa BYD devem complementar os trólebus.
Foto: Gustavo Bonfate.
Contudo, os trólebus devem ser expandidos em suas devidas proporções como em grandes corredores exclusivos e viários compatíveis com suas condições, assim podem exibir sua real capacidade de transporte de passageiros sem poluir as cidades. O trólebus tem sim seu espaço em um sistema de transportes, assim como os ônibus elétricos que, embora sejam também um tipo de transporte limpo, não são substitutos dos trólebus, mas sim um complemento à eles. Nenhum sistema de transporte fica ultrapassado se for modernizado, basta olhar o quanto os bondes evoluíram e se transformaram em outro grande modal de transportes.
Texto: Victor Santos

segunda-feira, 20 de julho de 2020

BRT: O que de fato ele é

Biarticulado da Metrobus, operadora do BRT de Goiânia, GO. 
Foto: Victor Santos, 2018 (autor).
Ao longo dos anos, o transporte coletivo sobre pneus evoluiu em diversos fatores para acompanhar o crescimento e desenvolvimento de cidades por todo o mundo, o que rendeu a ele um avanço tecnológico muito importante. Seja os veículos ou infraestrutura, os ônibus tornaram-se importantes para regiões onde o transporte sobre trilhos, com maior capacidade, não chega ou não são viáveis economicamente. Mas o avanço mais notável para os ônibus foi a sua infraestrutura para as operações, especificamente os corredores exclusivos de ônibus, que permitiu aos coletivos uma eficiência semelhante ao do transporte ferroviário. 
Após muitos estudos técnicos, os corredores também evoluíram em muitos conceitos, tornando-se o que chamamos de BRT, sigla em inglês para Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido por Ônibus na tradução. Hoje, vamos conhecer mais sobre esse sistema e entender sua importância nos transportes coletivos.

Primórdios
Como todos sabem, os primeiros indícios para a implantação de um corredor exclusivo de ônibus surgiram na metade da década de 1960 na capital do Paraná, Curitiba, quando a cidade havia iniciado o processo do novo Plano Diretor municipal, que naquela época contava com uma população de cerca de 360 mil habitantes. Embora antes já havia projetos para urbanizar a cidade, somente uma parte foi realmente feita, excluindo o transporte coletivo.
Dentre tantos estudos e projetos que contemplava esse novo Plano Diretor, havia o plano de reestruturar o transporte coletivo da cidade através de eixos estruturais, onde haveria um crescimento vertical maior. Dentre uma grande equipe de técnicos e especialistas, estava o arquiteto Jaime Lerner, que ficou reconhecido pelo seu papel na concepção do BRT. Esse plano contemplava a criação dos eixos Norte-Sul e Leste-Oeste, onde percorreria o transporte em massa de passageiros, além de modificar as avenidas para o tráfego comum em muitas regiões da cidade. 

A partir de 1971, a cidade começou a receber vias estruturais, onde o crescimento populacional e comercial seria impulsionado, uma vez que seriam vias de maior capacidade. Porém não havia sido estabelecido qual modal de transporte percorreriam esses eixos. Os primeiros estudos concebidos estabeleciam que o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) seria o mais ideal para a demanda a ser transportada. Porém, após muitos debates e relutâncias quanto ao modal, cujo também foi proposto uma linha de metrô, decidiram que o ideal para resolver a questão da mobilidade a curto prazo seriam os próprios ônibus, que deveriam percorrer por vias exclusivas os principais eixos da cidade. 
Biarticulados do sistema de corredores expressos de Curitiba, PR.
Sistema foi pioneiro na capacitação dos transportes sobre pneus através de corredores exclusivos.
Foto: Victor Santos, 2018 (autor).
Logo em 1974, o primeiro ônibus da categoria Expresso começou a circular nos 20 quilômetros de canaletas exclusivas para eles, ligando o bairro de Santa Cândida, região Norte, ao bairro de Capão Raso, região Sul, assim utilizando o eixo Norte-Sul da cidade. Com maior rapidez nas viagens, segregado do tráfego comum, paradas pré-estabelecidas e prioridade nos cruzamentos, os novos ônibus Expressos realizavam viagens mais rápidas e seguras que os ônibus comuns, que foram transformados em linhas alimentadoras do sistema de ônibus nas canaletas. Ou seja, além de se tornar a cidade pioneira dos corredores exclusivos, Curitiba também tornou-se referência quando se fala em reestruturar as linhas de ônibus, criando o sistema “Tronco-alimentador”, onde linhas comuns conectam os bairros à terminais de transferência, onde o passageiro continua a viagem em um sistema de maior capacidade. Você pode ver mais sobre o sistema Tronco-alimentador clicando aqui.
 Seguindo o exemplo de Curitiba, muitas cidades no Brasil e no mundo também construíram seus sistemas de corredores exclusivos para os ônibus, tais como São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Brasília, cada uma com seu projeto, conceito ou operação distintas. 

Origem e características do BRT 
Em 2010 o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (da sigla em inglês ITDPInstitute for Transportation and Development Policy) se associou ao BRT Center of Excellent e a WRI Ross Cidades Sustentáveis para criar uma organização que compartilharia dados para impulsionar a mobilidade urbana nas cidades, sobretudo usando os conceitos do BRT para reestruturar a cidade, criando o BRT Data. 
O ITDP em específico tem como objetivo desenvolver mais o transporte, seja por ônibus, trem, bicicleta ou até mesmo a pé. No caso dos ônibus, o instituto auxilia em projetos e estudos para novos corredores de ônibus no mundo ou para o incremento dos já construídos. Com isso, os projetos visam aumentar a capacidade, segurança, conforto, operação e incentivo aos passageiros, o que pode ser um fato decisivo para muitos projetos futuros. 
As três principais categorias fornecidos pelo ITDP.
Fonte: https://cargocollective.com/sylviapark/The-BRT-Standard
O instituto fornece categorias, conceitos e recomendações aos corredores no mundo todo, e assim listando os corredores com as seguintes categorias: Ouro, Prata, Bronze e Básico
Cada categoria é listada com características e pontuações mínimas ao serem avaliadas, sendo sempre recomendado um aperfeiçoamento em casos de corredores que não atinjam as exigências mínimas de operação ou estrutura. 
Todas são separadas da seguinte forma: 
Ouro – Para os sistemas que atingiram um patamar alto de operação, estrutura e impactos à cidade, sendo a mais alta categoria. Corredores dessa categoria normalmente possuem uma capacidade muito alta de transporte, e itens que melhoram suas operações (faixas de ultrapassagem, linhas expressas, entre outros). 
Prata – Para os sistemas que possuem as principais características do BRT, mas que possui itens que precisam ser aperfeiçoados. Estruturas mais simples, operações mais razoáveis, menos impacto nos arredores, ou características que precisam ser aprimoradas fazem parte dessa categoria. 
Bronze – Os sistemas categorizados com o Bronze precisam de intervenções maiores que as demais categorias, mas que possui ao menos os itens mais necessários do BRT. 
Básico – Normalmente são para os corredores exclusivos que possuem pouco dos itens de um sistema de BRT, muitas vezes somente com as vias dedicadas aos ônibus e pontos de paradas simples. Não confundir com as faixas exclusivas ou preferenciais, pois são estruturas temporárias. 

Já as características mais relevantes do sistema são:
As vias – Precisam estar alinhadas no canteiro central das vias por onde é implantado, ou onde o tráfego comum não interfira na operação, e com eixos dedicados totalmente ao transporte coletivo. As vias precisam estar também em condições boas para a operação segura dos veículos, e em sistemas de maior capacidade, é previsto faixas de rolamento adicionais em pontos de parada ou em toda a extensão do sistema para a operação viável de linhas expressas ou semi-expressas. 
Articulado do BRT de Brasília (Expresso DF Sul).
Sistema possui faixas de ultrapassagem em seu trecho principal, permitindo linhas expressas.
Foto: Victor Santos, 2018 (autor).
O embarque e desembarque
– Para melhorar as operações e garantir uma maior acessibilidade dos passageiros, o embarque e desembarque dos veículos precisam estar totalmente nivelados, ou seja, o piso interno do ônibus precisa estar na mesma altura que o piso das estações. Com isso, exclui a necessidade do uso de escadas para acessar ou sair dos ônibus, garantindo maior eficiência na acessibilidade dos passageiros e menor tempo para os embarques e desembarques. 
Nos corredores expressos de Curitiba, estações-tubo possuem embarque em nível
e o auxílio de uma rampa instalada nos coletivos.
Foto: Victor Santos, 2018 (autor).
Acessibilidade universal – Nas estações do BRT, se faz necessário que os projetos garantam que todos os cidadãos que irão utilizar o sistema possam acessar as estações e terminais com comodidade e segurança. Para isso, os arredores destes locais precisam de um tratamento urbano que possa contribuir com isso, seja através de faixas de pedestres, passarelas, rampas ou passagens subterrâneas. Isso garante que todos os passageiros possam viajar com mais conforto no sistema, independente de sua situação física, além garantir mais segurança aos "não-passageiros." 
Estação Rio de Janeiro do sistema Move-BH (Belo Horizonte, MG).
Estações permitem acesso de forma ágil e também trouxe mais conforto aos "não-usuários" do sistema.
Foto: Victor Santos, 2017 (autor).
Veículos – Para alcançar uma eficiência de transporte semelhante à de um sistema ferroviário, os veículos precisam ter uma grande capacidade de transporte, seja um ônibus articulado ou biarticulado. É necessário também que os ônibus possuam itens que aumentam a segurança e comodidade dos passageiros, como painéis de informação ao usuário, locais dedicados à carrinhos de bebês, cadeirantes ou bicicletas. Um item que está incluso na característica dos veículos é a tecnologia para a tração, que precisa ser menos agressiva ao meio ambiente, contribuindo para as diminuições da poluição sonora e ambiental. 
Biarticulado, modelo Mega BRT da Neobus, em operação em Curitiba, PR.
Foto: Victor Santos, 2018 (autor).
Integração – É necessário que o sistema de BRT seja conectado à outras redes de transporte da cidade implementada, aumentando o raio de alcance do sistema para regiões mais distantes ou servidas por outros meios de transporte. Há a integração entre modais (BRT para os ônibus comuns), e a multimodal (do BRT para outros modais como automóvel, bicicleta, metrô ou trem). A recomendação dessa característica é que as integrações sejam feitas de forma prática e ágil para os passageiros. 
Terminal Sacomã (Expresso Tiradentes, São Paulo-SP). 
Terminal permite transferência entre o corredor, as linhas municipais comuns,
intermunicipais, linha 2 Verde do sistema de Metrô, e ainda possui um bicicletário.
Foto: Victor Santos, 2018 (autor).
Rotas – Como forma de melhorar a eficiência do sistema, é preciso que o BRT ofereça aos passageiros uma ampla disponibilidade de rotas sem o pagamento adicional da tarifa, reforçando as conexões à todas as regiões da cidade. Também é necessário que o sistema preveja o uso de linhas expressas para diminuir o tempo de percurso dos passageiros e evitando uma superlotação em estações e terminais. 
Mapa do sistema de corredores de Curitiba, PR.
Há terminais de integração com outros tipos de linhas da cidade,
além de estações-tubo com conexão com os demais corredores. 
Mapa: Victor Santos, 2020 (autor).
Pagamento antecipado da tarifa – Em estações e terminais, o sistema precisa oferecer mais rapidez aos passageiros, e para isso, o pagamento da tarifa é feito fora dos coletivos, em estações com bilheterias e catracas. Isso diminui o tempo de parada dos coletivos e evita problemas com a espera do pagamento da tarifa no interior dos veículos. 
Estação Magarça do BRT Rio (Rio de Janeiro, RJ).
Estações permitem o pagamento antecipado no sistema, agilizando a operação.
Foto: Gustavo Bonfate, 2018.
Centro de Controle Operacional (CCO) – Essa estrutura pode garantir um gerenciamento mais eficiente do sistema, dimensionando a frota em rotas ou pontos mais urgentes por questões de demanda ou operacionais. Também pode garantir um controle operacional mais ágil em casos de problemas na operação por fatores internos ou externos, solucionando de forma mais rápida esse problema. Através do CCO, o sistema também pode fornecer informações em tempo real aos passageiros em terminais ou estações, gerando uma confiança maior no sistema.
CCO do BRT do Rio.
Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=4745126
Prioridades em cruzamentos – Na medida do possível, é necessário que o BRT possua prioridade em cruzamentos com o tráfego geral ou com outros obstáculos em seu percurso, sendo necessário um tratamento nesses cruzamentos. No caso dos cruzamentos com o trânsito de carros ou outros veículos, pode ser utilizado obras como viadutos, pontes, trincheiras ou “mergulhões”, ou até túneis. Caso o projeto não consiga eliminar esses conflitos com essas obras, pode-se prevê semáforos modernos que priorizam o BRT em cruzamentos sem gerar problemas ao trânsito normal. 
Transjakarta, na Indonésia. 
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/BRT_Standard
Os prós e contras do sistema 
É um sistema ideal para regiões já consolidadas ou em fase de crescimento da cidade, sobretudo para cidades onde a implantação de um transporte ferroviário de alta capacidade é inviável economicamente ou operacionalmente falando. Por ser um sistema com capacidade entre um transporte por ônibus comum e um sistema de metrô, pode ser facilmente projetado para locais onde a demanda a ser transportada é maior para um ônibus convencional, mas inferior para um transporte férreo. Por isso, não é um transporte que substitui um projeto para uma linha de metrô, pois mesmo com grande capacidade e características muito essenciais para a operação, o BRT é considerado um transporte de média capacidade. 
Sistema de Goiânia ainda não avançou em termos de estrutura.
Foto: Gustavo Bonfate, 2018.
Pode ser um transporte que complemente as linhas de metrô e trem metropolitano de uma cidade, assim conectando os passageiros de regiões mais afastadas do transporte sobre trilhos de uma forma mais ágil e confiável. Além disso, o sistema pode ser inserido em regiões onde as obras de uma linha de metrô são inviáveis como em regiões consolidadas e com uma taxa de ocupação do solo muito elevada. O BRT pode ser inserido facilmente em avenidas amplas e se enquadrar no contexto urbano da região. 
Estação Granja do Ipê do sistema de Brasília. 
Estações possuem itens de acessibilidade e projeto mais moderno.
Foto: Gustavo Bonfate, 2018.
Os conceitos do BRT são extremamente flexíveis, ou seja, cada cidade ou sistema pode alterar algumas das características conforme sua região ou projeto exija. Isso pode gerar alguns discussões sobre , pois no Brasil, por exemplo, muitos dos sistemas de BRT construídos a partir dos anos 1990 implantaram suas estações com plataforma ao nível do ônibus. Na Ásia, América do Norte e Europa, muitos dos sistemas colocaram as estações com o piso rebaixado, nivelado aos ônibus com piso baixo, que já eram usados em grande escala em linhas comuns. 
O problema da flexibilização dos conceitos usados pelo BRT é a retirada de itens que aprimoram as operações do sistema, como faixas adicionais nas estações, embarque em nível, veículos de maior capacidade, reestruturação das linhas no mesmo eixo, e maior integração com outras rotas ou modais. Isso acaba gerando problemas e uma reputação ruim para os corredores implantados sem esses itens ou outros itens, ou então para corredores que não se aperfeiçoaram ao longo dos anos. 
Corredor Metropolitano do ABD, no ABC Paulista. 
Embora possua linhas de trólebus e segregação na maior parte da extensão,
corredor não possui itens como pré embarque nas paradas.
Foto: Victor Santos, 2019 (autor).
O BRT pode influenciar as regiões atendidas, transformando o que era uma região sem grandes influências na cidade em locais de grande concentração de polos de serviços, comerciais, residenciais ou institucionais. As vias no entorno também podem sofrer intervenções significantes, influenciando também o fluxo de veículos na região. Associado a um bom projeto urbanístico também pode auxiliar na mudança dos arredores, proporcionando um transporte eficiente e uma transformação positiva do entorno. 

Voltando a flexibilização dos conceitos, muitos corredores implantados também podem influenciar negativamente ou de forma menor impactante na região, o que gera problemas urbanos conhecidos quando as estruturas construídas não possuem um estudo urbanístico para seus impactos. Exemplo é o próprio corredor Expresso Tiradentes da cidade de São Paulo, onde suas vias elevadas geraram problemas nas avenidas logo abaixo do elevado, além das regiões ao redor das estações e vias terem sido impactadas em pequena escala ou de forma negativa. 
Outro ponto negativo é a em relação aos veículos, onde em grande parte dos sistemas construídos no mundo utilizam ônibus movidos à diesel, o que impacta diretamente nas questões ambientais que o próprio conceito do BRT defende. Em alguns casos como em Quito no Equador, e Nancy na França, os trólebus são usados nas extensões de cada sistema, porém uma parcela muito pequena da imensa rede ao redor do mundo de BRT. Essa questão é a principal crítica em relação ao sistema, já que em um sistema ferroviário, a maioria dos projetos são construídos utilizando trens elétricos, ou seja, sem emissão de poluentes na atmosfera. 
Trólebus do sistema Metrobus de Quito, Equador.
Poucos sistemas possuem ônibus elétricos ou híbridos em operação no mundo.
Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Troleb%C3%BAs_de_Quito
Segundo o site BRT Data, que reúne informações de todos os corredores exclusivos do mundo, existem 390 corredores, que atendem à 173 cidades, transportando uma média de 34 milhões de passageiros por dia pelos seus quase seis mil quilômetros de extensão. A maior parcela do sistema está instalada na América Latina, onde representa 35,19% de toda a extensão de corredores, com 1.829 quilômetros, presente em 55 cidades e levando cerca de 21 milhões de passageiros por dia. 
No Brasil, existem 20 sistemas em operação, totalizando 778 quilômetros de corredores e uma demanda de 10 milhões de passageiros por dia. Dentre eles está o sistema do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, e Goiânia, sendo os dois primeiros os mais movimentados em questão de demanda e extensão. No caso de São Paulo, dos 135 quilômetros de corredores, apenas 9,6 quilômetros possuem mais características do BRT, o Expresso Tiradentes, e no caso do Rio de Janeiro, existem apenas 125 quilômetros de corredores com maiores características do BRT. 
Estação Metrô Pedro II do Expresso Tiradentes, São Paulo, SP.
Apenas os seus 9,6 quilômetros dos 135 quilômetros de corredores de São Paulo são BRT.
Foto: Victor Santos, 2019 (autor).
Autor e revisão: Victor Santos e Gustavo Bonfate.
Fontes:

BRT Data: <https://brtdata.org/>, acessado em 20h01 dia 20 de julho de 2020.

WRI Cidades: <https://wricidades.org/BRT>, acessado em 19h20 do dia 20  de julho de 2020.

ITDP: <https://www.itdp.org/library/standards-and-guides/the-bus-rapid-transit-standard/the-scorecard/>, acessado em 18h43 do dia 20 de julho de 2020.

ITDP Library: <https://www.itdp.org/library/standards-and-guides/the-bus-rapid-transit-standard/what-is-brt/