sexta-feira, 5 de julho de 2019

BRT vs Monotrilho - A guerra sem vencedor

Fotos: Victor Santos (autor).
O calcanhar de Aquiles da cidade de São Paulo e da região metropolitana, no quesito transporte, sempre estará relacionado aos problemas na escolha do modal correto para atender a determinada região, ainda mais considerando que todo transporte implantado em alguma região afeta diretamente a mobilidade dos cidadãos.
Porém, o problema quando se constrói uma linha de trem, metrô ou de outro modal é justamente quando não são levados em consideração questões como uso e ocupação do solo, demanda de viagens na região e possível aumento na utilização da linha. O resultado pode ser dois cenários diferentes: Linhas de alta capacidade com demanda superestimada, transportando menos do que foi previsto, ou linhas de capacidade muito inferior ao que se foi esperado, transportando muito acima da capacidade. 
O caso mais recente e que está movimentando muito os assuntos relacionados é o caso da linha 18 Bronze do Metrô-SP, que seria construída para receber o monotrilho. Entre muitos problemas desde que foi anunciada no final da década passada, a linha foi sendo postergada até então pela gestão estadual, que agora, anos depois de anunciar a linha em monotrilho, decidiu trocar o modal para, segundo a gestão, agilizar a implantação da linha. 
A troca, de monotrilho para BRT – Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido por Ônibus na tradução livre do inglês, gerou muitas discussões entre especialistas e pessoas ligadas ao governo do Estado de São Paulo. Baseando nas informações até agora passadas e com dados técnicos, iremos relacionar problemas relacionados a essa troca de tecnologia, de um trem do monotrilho para ônibus com capacidade média.

BRT e monotrilho: dois modais de média capacidade
Embora seja considerado como um transporte de alta capacidade, o monotrilho é ainda considerado por especialistas como um transporte de média capacidade, transportando bem menos que um sistema metroviário e um pouco mais que um sistema de corredores exclusivos de ônibus. No Brasil, há apenas uma linha de monotrilho em operação comercial para o transporte de passageiros, a Linha 15 Prata do Metrô-SP, atualmente ligando a estação Vila Prudente à estação Vila União, zona leste de São Paulo. 
Sendo este o único exemplo da funcionalidade do modal, a própria linha 15 teve problemas relacionados a sua implantação devido a inúmeros erros de projeto e planejamento, que ocasionou no aumento do valor total da construção e no tempo de implantação, promessa pela escolha do modal que estimava ser mais barato e rápido na construção. Devido a este e a outros fatores, causou o engavetamento do trecho entre São Mateus e Cidade Tiradentes, além do atraso na entrega do último trecho, entre Vila União e São Mateus. 
Porém, ressaltamos alguns pontos positivos na implantação do monotrilho na linha 15:
  • Segregação total e independente, o que permite velocidades comerciais maiores se comparado ao sistema de corredores de ônibus. 
  • Com sistemas de sinalização avançados, pode proporcionar menores intervalos sem afetar a segurança e a operação.
  • Utiliza energia elétrica para a locomoção, tornando-o um modal ecologicamente correto e mais silencioso.
  • Estando em elevado, seu impacto no viario comum é menor, tendo suas vigas de sustentação no canteiro central das avenidas.
No caso do sistema BRT, que evoluiu do sistema de ônibus convencional para se aproximar das características de um sistema de metrô, sua capacidade muitas vezes pode variar de acordo com o tipo de projeto que será utilizado. Mesmo se o projeto de uma linha de BRT tenha itens que aprimorem sua operação, ainda é um sistema de média capacidade que está sujeito a problemas na implantação assim como qualquer outro modal. 
Embora seja um transporte que pode influenciar no entorno de seu local de construção, e já se mostrou ser um transporte de passageiros com baixo custo de implantação e de impactos positivos na região e a na mobilidade, há muitos quesitos que precisam ser vistos quando se projeta uma linha com este sistema. Alguns quesitos precisam ser analisados antes de projetar um corredor BRT, tais como:
  • Baixo custo de implantação, porém baixa capacidade de transporte se comparado à uma linha de metrô convencional. 
  • Caso não seja previsto linhas expressas, que agilizam as viagens de ponta a ponta, o sistema pode se sobrecarregar com facilidade.
  • Embora possua uma segregação maior que a de linhas de ônibus comum, ainda é possível que pedestres e automóveis acessem as vias destinada aos ônibus através do sistema viário comum, influenciando na velocidade comercial e na segurança dos usuários e pedestres. 
  • Mesmo possuindo ônibus de grande capacidade, como articulados e biarticulados, ainda não consegue ter o mesmo intervalo e capacidadecomo o sistema de trens.
  • Deve-se estudar muito o impacto que o sistema trará a região, além de estudos de demanda para viabilizar o projeto.
Concluindo, mesmo que ambos os sistemas possuam papéis distintos mas importantes no transporte de passageiros, é preciso entender que ambos os modais estão categorizados com um transporte de média capacidade, e que sua implantação em locais com maior densidade populacional ou em polos geradores de tráfego muito alto pode ocasionar na saturação do transporte, gerando desconfortos e danos aos passageiros. 
No caso específico da Linha 18, que atenderia regiões com problemas de mobilidade há anos, a troca do modal ou a escolha errada pode gerar problemas operacionais, tais como superlotação da linha, diminuição na velocidade comercial e evasão dos passageiros para outros meios de transporte.

Dúvidas quanto ao projeto do BRT
Ao anunciar a escolha do BRT no lugar do monotrilho, o atual governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), deixou claro que a troca está relacionada ao tempo e custo que a obra da linha teria caso fosse construída com a tecnologia do monotrilho. Durante a assembléia, o governador anunciou que o prazo para conclusão das obras seriam de 18 meses após o início, que ainda não foi anunciado de quando será iniciada as obras.
Porém, vale ressaltar que não há nenhum projeto de estações, traçado ou locais de maior impacto, apesar de terem anunciado um custo de R$ 680 milhões pra ao BRT contra R$ 6 bilhões do monotrilho. Uma comparação feita por Thiago Silva do Plamurb em sua publicação "Gestão Doria retrocede e confirma troca de monotrilho por BRT na Linha 18-Bronze" compara que a prefeitura de São Paulo no ano de 2014 estipulou que a construção do BRT Radial Leste, atualmente com obras paradas, custaria R$ 665 milhões. 
Embora contrariando técnicos sobre a troca, o governador alegou que a mudança facilitaria na implantação da linha, e que tudo foi baseado e dados técnicos e não em cunho político. Ainda usou para justificar tudo os exemplos do corredor metropolitano do ABD, sob concessão desde 1997 para a Metra, e o BRT de Curitiba, pioneira na tecnologia. 
Contudo, o que não foi falado é que ambos os sistema citados encontram-se saturados e com operações acima da capacidade, mesmo que no caso do corredor ABD tendo níveis de confiança e operação bem avaliados segundo pesquisas feitas pela EMTU-SP. 
No caso do BRT de Curitiba, os corredores em operação na cidade enfrentam problemas de superlotação e baixa capacidade de operação devido estarem operando acima do limite operacional. Mesmo sendo pioneiro, muito já foi discutido entre especialistas que a capital paranaense está atrasada no quesito mobilidade devido aos inúmeros projetos de implantação de um sistema de alta capacidade de transporte. 
Biarticulados estacionados na estação tubo em Curitiba, Paraná.
Foto: Victor Santos (autor).
No caso do corredor ABD, mesmo possuindo níveis de operação muito bons, ainda é considerado por muitos como um corredor de ônibus com baixa capacidade, mesmo transportando cerca de 300 mil passageiros diários. O próprio Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, da sigla inglesa ITDP, não categoriza o corredor do ABD como um BRT legítimo segundo informa o site BRT Data, que é uma plataforma que coleta dados sobre os sistemas de corredores de ônibus ao redor do mundo.
Segundo os dados do BRT Data, o corredor operado pela concessionária Metra se categoriza como um corredor de ônibus exclusivo, categorizado como “BRT Basico”, que é uma categoria que elege corredores de ônibus que podem melhorar itens na estrutura para serem considerados um BRT de maior capacidade.
Trólebus operando no corredor ABD.
Foto: Victor Santos (autor).
Ou seja, mesmo citando exemplos como forma de embasar a decisão da troca, nenhum elemento técnico foi de fato decisivo para a mudança. Mesmo sem um projeto que contribuiria para as discussões sobre o tema, muito ser questiona sobre como será o BRT que substituirá a Linha 18, sobretudo sobre sua capacidade para transportar os passageiros do Abc paulista.

Capacidade de cada sistema e possíveis problemas futuros
Um dos maiores problemas que São Paulo teve no passado na implantação de sistemas de transporte foi a não previsão do aumento da demanda, sobretudo para o sistema de trens e metrôs. Todas as linhas de metrô da capital opera acima da capacidade projetada para as linhas, gerando a superlotação muito conhecida pelos usuários do sistema. 
Alguns possíveis motivos para o aumento da demanda ao longo dos anos foi a saturação do sistema viário devido ao uso irracional dos automóveis, a baixa qualidade e capacidade do sistema de ônibus, o aumento da confiança no sistema metroferroviário e a falta de um planejamento urbano que impeça a concentração de serviços em determinadas regiões. Como nunca foi projetado que a demanda aumentaria, hoje o sistema opera com problemas justamente por estar no limite da capacidade.
Capacidade de cada modo de transporte.
Fonte: Mobilize.
Embora seja muito mais caro construir uma linha de metrô convencional, sua capacidade para transportar passageiros é muito acima que um sistema de BRT ou uma linha de monotrilho. Com os atuais avanços tecnológicos destinados a sinalização de um sistema ferroviário, é possível reduzir os intervalos entre as composições com segurança, o que aumenta a capacidade de transporte sem afetar a operação de forma negativa.
Considerando que uma linha de metrô ou trem acaba atraindo passageiros de outros modais, a chamada demanda transferida, e também atrai passageiros que não realizavam viagens no eixo da linha mas que foram induzidos a realizar as viagens após a inauguração da linha, a chamada demanda induzida, se a Linha 18 fosse construída para ser uma linha de metrô, a demanda inicial estipulada em 150 mil passageiros por dia aumentaria muito ao longo dos anos. Com esse aumento, o sistema de metrô absorveria melhor a demanda, item que uma linha de BRT não conseguiria facilmente.
No final, para que a região possuísse um atendimento mais eficiente e com possiblidades de desenvolvimento urbano, a escolha mais ideal seria a construção de um metrô convencional que possibilitaria maior número de impactos positivos em relação ao cenário urbano e a mobilidade dos cidadãos que irão utilizar a linha. Vale lembrar que o transporte por ônibus na região do Abc Paulista é precária e ineficiente se comparada a necessidade da região.

Projetos e promessas que não saíram do papel
Nessa mesma semana, a gestão estadual anunciou que a Linha 20 Rosa, linha de metrô que nunca saiu do papel, será estendida de Moema até a região de São Bernardo do Campo, no Abc paulista. 
A linha, há anos prometida pela gestão estadual, inicialmente ligaria Moema, zona sul de São Paulo, até a região da Lapa, zona Oeste. Segundo a equipe da atual gestão estadual, o projeto da linha deverá ser dividido em duas fases, a primeira com o trecho já previsto entre Moema e Lapa, e o segunda entre Moema e São Bernardo do Campo. Porém, considerando que a primeira fase nunca passou de uma ideia, vale ressaltar que para construir a linha ate São Bernardo do Campo precisaria de pelo menos cinco anos para ser concluída, isso não considerando os problemas já conhecidos de planejamento. 
Mapa do traçado da linha 18. Nota-se a existência da linha 20 indo até São Bernardo do Campo.
Mapa: Thiago Silva (Plamurb, 2019).
Outra medida anunciada para tentar amenizar os prejuízos relacionados ao não cumprimento da promessa que fez nas eleições de 2018, o governador anunciou que a Linha 10 Turquesa da CPTM, que liga o Brás à Rio Grande da Serra, deve ser modernizada para se tornar uma “linha de metrô”. Ao anunciar a medida, alegou que o Abc Paulista contará com duas linhas de metrô na região, se referindo as linhas 10 da CPTM e 20 do Metrô-SP.
O que não foi lembrado é que a Linha 10 atende as cidades de São Caetano do Sul, Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, além da cidade de São Paulo, enquanto as cidades de São Bernardo do Campo e Diadema são atendidos atualmente apenas pelo corredor metropolitano do ABD. Mesmo com a modernização da linha turquesa, a mesma possui uma demanda e operação diferente ao que seria comparado ao sistema de metrô, com intervalos mais altos e distância média entre as estações maiores. 
Outra questão que deve ser lembrada é que há inúmeras promessas de modernizar o sistema de trens da capital, inclusive com a promessa de modernizar a Linha 10, que atualmente é uma das linhas com maior defasagem tecnológica em relação a sinalização, frota operacional e estações. O que ficou claro para inúmeros blogueiros e jornalistas, é que a atual gestão quer cumprir diversas promessas feitas ainda nessa gestão, mesmo que para isso seja necessário regredir em questões tecnológicas.
As cidades do Abc Paulista vivenciam todos os anos promessas da chegada de uma linha de metrô a região, além de diversos projetos de ampliar a capacidade do corredor metropolitano do ABD. Enquanto nenhuma promessa é de fato cumprida, os cidadãos do Abc Paulista sofrem com diversos problemas na mobilidade, que além de ficar cara a cada ano, a precariedade aumenta, evidenciando a falta de um transporte mais eficiente.

Conclusão
A troca de modal na linha 18 ainda gera muitas dúvidas que não foram esclarecidas, o que aumenta a desconfiança e diminui as expectativas de que a linha realmente saia da mesa de projetos. Ainda não foi esclarecido como a gestão estadual vai resolver a questão do contrato de concessão da linha, uma vez que o consórcio VemABC não se pronunciou em relação a essa troca. 
O momento atual é aguardar e torcer para que o BRT que está previsto ser implantado no lugar do monotrilho ao menos seja projetado para atender a demanda esperada de uma forma confortável e eficiente.

Fontes consultadas: