quinta-feira, 23 de abril de 2020

40 anos do primeiro corredor exclusivo de ônibus em São Paulo

A década de 1980 foi muito importante para o setor de transportes urbanos, com inúmeras inovações tecnológicas e projetos que mudariam a forma com que as entidades públicas e privadas tratavam o transporte coletivo. Na década anterior, o Brasil tornou-se pioneiro em estruturar uma rede de transportes por ônibus a partir de corredores de ônibus exclusivos com a inauguração do primeiro na cidade de Curitiba, capital do Paraná. Com os benefícios encontrados após a implementação da estrutura, estudos foram iniciados para que o mesmo acontecesse em São Paulo, o que resultou na inauguração do primeiro corredor de ônibus da cidade: O Paes de Barros. Conheça mais sobre o corredor e como ele está após 40 anos de operação contínua.
Trólebus Caio Millennium III saindo da parada Inhomerim.
Foto: Victor Santos, 2017 (autor).
Histórico
Nos anos de 1970, muitos acontecimentos no mundo causaram impactos tão grandes e importantes nos transportes que até os dias atuais, mais de 40 anos depois, geram debates, e suas mudanças podem ser vistas até hoje. 
Entre eles, a Crise petrolífera de 1973 impactaram os transportes rodoviários pelo fato da matriz energética dos veículos serem, principalmente, derivados do petróleo (gasolina ou óleo diesel), o que gerou problemas as grandes metrópoles que ainda não haviam estruturado melhor seus sistemas ferroviários.
Com isso, a procura pelos transportes coletivos aumentou consideravelmente na contramão da baixa capacidade do sistema de ônibus oferecia em relação aos sistemas ferroviários, aumentando a necessidade de projetos para a mobilidade urbana e reforçando a necessidade de maior atenção ao transporte.
A capital paranaense, como já citamos, precisava de um sistema de transporte mais eficiente e com maior capacidade, porém não possuía recursos financeiros suficientes para investir em sistemas ferroviários como São Paulo e o Rio de Janeiro, que nessa década inauguravam suas primeiras linhas de metrô.
Após projetos e estudos da implantação de uma rede de bondes, que chegou a ser cogitada na cidade, Curitiba entrou para a história com a inauguração em 1974 da primeira estrutura que seria exclusiva para os ônibus, conhecida como canaletas exclusivas para os ônibus, mais tarde denominada como BRT - Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido por Ônibus. O projeto foi tão influenciador que diversas cidades no Brasil e no mundo seguiram a mesma concepção adotada na capital paranaense, adaptando o conceito as suas determinadas realidades.
Com uma pista dedicada aos ônibus construída de forma separada do tráfego local, o sistema foi reformulado e posteriormente foi melhorado, chegando no atual estado com terminais de integração, estações com pagamento antecipado da tarifa e embarque ao nível dos ônibus.
Biarticulado do sistema "Expresso" de Curitiba: pioneirismo em segregação para os ônibus.
Foto: Victor Santos, 2019 (autor).
Com os resultados positivos encontrados na experiência do sistema implantado em Curitiba, sobretudo pelo baixo custo de construção que a estrutura oferecia em relação a um sistema ferroviário, a CMTC (Companhia Municipal dos Transportes Coletivos), na época gestora e operadora do sistema de ônibus municipais de São Paulo, em conjunto com a Secretaria Municipal dos Transportes, estavam em plena elaboração do que ficou conhecido como um dos projetos mais ambiciosos e comentados até hoje na cidade: O Plano SISTRAN.
Iniciado em meados dos anos de 1970, o plano incluía a participação de entidades públicas municipais, estaduais e federais, além da participação de empresas privadas do setor na época, pois tratava-se de um plano para reestruturar o sistema de ônibus de São Paulo e da Região Metropolitana como um todo. Entre tantos estudos e projetos, estavam a construção de corredores exclusivos para os ônibus em muitas regiões da cidade, como forma de aumentar a eficiência e contribuir para a mobilidade urbana.
Como citamos inicialmente, o "Choque do Petróleo" na década de 1970 havia impactado muito o transporte, e para evitar que a matriz energética dos ônibus fosse afetada com uma crise semelhante, foi estipulado que os corredores de ônibus fossem de operação exclusiva dos trólebus simplesmente pelo fato de serem veículos movidos à energia elétrica, enquanto os ônibus convencionais seriam usados como complemento aos trólebus.
Foram cogitados cerca de 280 quilômetros de corredores de ônibus pela cidade, prevendo um aumento no uso dos trólebus que precisaram de no mínimo 1.200 veículos à mais no sistema, gerando o interesse da indústria do setor, sendo elas as fabricantes de componentes, chassi e carroceria para os ônibus.
Proposta dos 280 quilômetros de corredores.
Fonte: Plamurb, (2019).
O corredor "Vila Prudente - Centro" estava estipulado para ser o primeiro corredor exclusivo da cidade, estando ele na primeira fase do imenso plano de construir corredores exclusivos por toda a cidade.
A avenida Paes de Barros era uma avenida já importante para a região, e as obras geraram incômodos aos moradores e comerciantes da região, que inicialmente eram contras a implantação de um corredor de ônibus na avenida. 
Nos primeiros projetos para o corredor, haviam cogitado interligar este com o corredor Celso Garcia, mas nem o projeto do corredor da Celso Garcia e nem a interligação entre estes dois foram levados à diante. Mesmo não conectado com nenhum corredor na época, a estrutura garantiria maior fluidez aos coletivos e mais conforto e segurança aos passageiros.
As obras duraram cerca de dois anos, e sua inauguração foi em 31 de março de 1980, onde os trólebus começaram as operações experimentais nos 3,9 quilômetros de extensão do novo corredor. Era inaugurado o primeiro corredor exclusivo de São Paulo, com paradas a cada cerca de 500 metros, segregação do tráfego geral e uma sinalização melhor para o trânsito.
Na primeira semana de operação, muitos problemas foram relatados pela edição do dia 1° de abril de 1980 da Folha de São Paulo (disponível aqui), onde apenas cinco trólebus circulavam pela linha "Vila Prudente - Centro", um trânsito muito caótico na região devido as mudanças nas ruas da região, além da espera alta pelos ônibus.
A primeira semana também foi necessária para os ajustes necessários na estrutura, ou seja, a tarifa nos ônibus não era cobrada dos passageiros, sendo uma operação semelhante à quando o Metrô-SP inaugura uma linha ou estação, a "operação assistida". Somente no dia 7 de abril é que foi iniciada a operação comercial do corredor, escrevendo um capítulo importante na história dos transportes da cidade.
Corredor já inaugurado com trólebus parados na parada Juventus.
Autor: Allen Morrison (Tramz).
Embora curto, o corredor foi essencial para os técnicos estudassem possíveis melhorias nos demais corredores projetados, melhorias visíveis no projeto do então segundo corredor de ônibus inaugurado na cidade, o Santo Amaro - Centro, entregue gradualmente a partir de 1985.
Entre os aperfeiçoamentos, está a inclusão de faixas adicionais nas paradas para permitir que os ônibus façam a ultrapassagem e não precisem aguardar enquanto outro veículo realiza o embarque. Como as vias por onde o corredor do Santo Amaro eram expressivamente mais largas, foi possível essa medida para implementar as linhas expressas de trólebus.
Os moradores e comerciantes da região, que foram contra a medida de construir um corredor de ônibus na avenida, começaram a perceber o benefício da estrutura com o aumento ocupacional da região, agora tornando-se um bairro mais comercial, melhoria no trânsito geral e menor tempo de viagem dos coletivos. A valorização do bairro é percebida até nos dias atuais, com a especulação imobiliária em torno da avenida e região.
A mudança de cenário na região foi visível, com a saída de muitas casas de pequeno porte para dar lugar à edifícios residenciais ou estruturas para o comércio de médio porte.
Trólebus partindo da parada Inhomerim.
Autor: Allen Morrison (Tramz).
Infelizmente o Plano SISTRAN e toda a sua concepção foram abandonados nos anos seguintes, e apenas dois corredores de ônibus realmente foram retirados do prancheta de projetos, o Paes de Barros e o Santo Amaro, enquanto os demais foram alterados ou jamais retirados do papel. Mesmo assim, alguns conceitos ainda foram continuados, como a implantação de um terminal de ônibus no final do corredor Paes de Barros, o Vila Prudente, inaugurado em 30 de abril de 1980 para integrar as linhas de trólebus do corredor às linhas alimentadoras que partiam do terminal em direção aos bairros.
Com o corredor, surgiu também a concepção "tronco-alimentador" na cidade, com as linhas alimentadoras, operadas com ônibus comuns, fazendo percursos nos bairros e integrando os passageiros, de forma gratuita, as linhas troncais operadas por trólebus através dos corredores. Para saber mais, acesse a nossa publicação "Sistema de ônibus tronco-alimentador", de 2019.
O corredor possui sete paradas oficiais que estão localizadas no canteiro central da avenida e oferecendo um embarque mais seguro e confortável aos passageiros. Como na época ainda não havia a ideia de ônibus com embarque de ambos os lados, então há apenas paradas com embarque do lado direito dos coletivos.
Atualmente, o corredor está sob administração da SPTrans, sucessora da CMTC em 1995, e as linhas que atendem o corredor são de responsabilidade das empresas contratadas pela autarquia municipal. Atende a oito linhas, com uma demanda média de 80 mil passageiros por dia.
Mapa do corredor.
Autor: Victor Santos, 2020.
Fatos relevantes
  • É atualmente o único corredor de ônibus a possuir a operação dos trólebus, uma vez que entre os anos de 2002 e 2004 muitas linhas que circulavam pelos corredores na época terem sidos erradicadas ou sua frota substituída por ônibus comuns, retirando a rede aérea existente nas estruturas, como do corredor Santo Amaro. Também é o único corredor na cidade a possuir paradas com embarque à direita dos coletivos, uma vez que os corredores construídos a partir de 1990 receberam paradas à esquerda dos ônibus. O corredor da Santo Amaro possui um misto de paradas no padrão original (à direita) e no atual padrão (à esquerda), mesmo após a retificação ocorrida no início dos anos 2000.
Paradas do corredor permitem o embarque pela direita dos ônibus.
Foto: Victor Santos, 2017 (autor).
  • Como as paradas possuem embarque à direita dos ônibus e estão localizadas no canteiro central da avenida, os coletivos precisam fazer curvas fechadas para chegar ou partir das paradas, diferente do padrão atual adotado para os corredores, onde os ônibus acessam uma baia instalada nas paradas ou com paradas alinhadas com a pista dos ônibus.
  • Embora não possua nenhuma barreira física que impeça os automóveis a utilizarem a faixa exclusiva dos ônibus, é quase difícil um automóvel invadir o corredor, mesmo em dias com tráfego mais pesado, o que nos faz perceber o respeito a sinalização e exclusividade que os ônibus possuem na avenida.
  • O corredor conecta, de forma indireta, as estações do metrô Bresser-Mooca, da linha 3 Vermelha, e Vila Prudente, da linha 2 Verde e 15 Prata, sendo uma forma mais direta dos passageiros da região acessarem o sistema metroviário da cidade. É conectado, também no terminal Vila Prudente, ao eixo Vila Prudente do corredor Expresso Tiradentes, este eixo inaugurado em 2009.
  • Por sua extensão, operam oito linhas municipais, sendo elas representadas no mapa abaixo. Observação: Por conta da atual situação da pandemia do Covid-19, a linha 2101-41 Praça Silvio Romero - Vila Prudente está temporariamente fora de operação. 
    Mapa com as linhas que operam pelo corredor e seu alcance.
    Autoria: Victor Santos, 2020.
Problemas e possíveis melhorias
Após 40 anos desde que foi inaugurado, foram feitos poucos ajustes para melhorar a operação no corredor. Uma das questões onde há reclamações de passageiros é o excesso de cruzamentos com semáforos ao longo da avenida, o que diminui a velocidade comercial dos ônibus e gera atraso no fluxo dos coletivos. Uma das possíveis soluções seria realizar um estudo de tráfego para possivelmente eliminar cruzamentos não essenciais ou que podem ser fechados sem gerar transtornos ao tráfego local.
Outra questão é o fato das paradas estarem localizadas muito próximas dos cruzamentos e as vezes geram conflito de tráfego entre os ônibus e o veículos em geral. Se caso dois coletivos cheguem juntos na parada e no mesmo sentido, como está localizada após o cruzamento, isso pode gerar o fechamento da interseção e criar pontos de congestionamentos. Uma solução seria adotar o mesmo método que os novos corredores utilizaram, onde as paradas estão próximas dos cruzamentos, porém com seus pontos de embarque e desembarque antes dos semáforos, assim, mesmo que dois ônibus estacionem juntos na parada, isso não vai gerar o fechamento do cruzamento.
Paradas próximas aos cruzamentos geram alguns problemas a operação e ao tráfego geral.
Parada Juventus.
Foto: Victor Santos, 2017 (autor).
Mas a maior reclamação e questionamento de técnicos e passageiros é a geometria das paradas, diferentes em relação aos corredores de ônibus mais atuais. Os ônibus precisam realizar curvas fechadas para acessar os pontos de paradas, curvas causadas pelo fato das paradas estarem do lado direito dos coletivos, o que obriga eles a diminuir a velocidade bruscamente ao chegar nas paradas.
Uma das soluções seria reprojetar as paradas, que inclusive não conseguem receber mais de dois ônibus do tipo articulado ao mesmo tempo, e aumentar sua área de embarque e diminuir o ângulo de manobra que os ônibus precisem realizar.
Saídas e chegadas dos coletivos são muito estreitas.
Foto: Victor Santos, 2017 (autor).
Até o momento, não há quaisquer projeto de remodelação da estrutura existente, sejam as paradas ou o próprio corredor, embora não possua nenhum vestígio de abandono por parte da prefeitura, que sempre envia equipes de limpeza ou para podar as árvores instaladas ao longo do canteiro central, evitando problemas para os ônibus.
Parada Oratório com o padrão de ponto da gestão de 2001-2004.
Foto: Victor Santos, 2017 (Autor).
Mesmo antigo, o corredor influenciou muito no modo como a cidade enxergava o transporte sobre pneus, sobretudo como a cidade olhava para os trólebus até aquele momento em 1980. A maior exclusividade para os trólebus e sua grande importância na associação da mobilidade urbana com um transporte mais limpo contribuiu para o avanço tecnológico que ainda pode ser visto hoje, 40 anos depois.
Embora curto em extensão e relativamente pequeno nas questões de demanda de passageiros, se comparado com os corredores exclusivos na zona sul da cidade, o corredor da Paes de Barros demonstrou como uma infraestrutura para o transporte coletivo pode influenciar em diversos aspectos urbanos e sociais, onde suas reclamações no início se transformaram em elogios e gerou uma boa convivência entre os moradores e passageiros.
Dados técnicos
Denominação oficial: Corredor Paes de Barros.
Data de inauguração: 31 de março de 1980 (40 anos).
Extensão total: 3.904 metros.
Número de paradas: Sete paradas.
Demanda média: 80 mil passageiros por dia.
Número de linhas: Oito linhas.
Distância entre as paradas: entre 400 e 600 metros.
Distritos atendidos: Vila Prudente e Mooca.
Terminais conectados: Terminal Vila Prudente.
Texto: Victor Santos.