sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Ferrovia em Parelheiros: Por que não?

Vista aérea do distrito, próximo do terminal de ônibus.
Foto: São Paulo Bairros.
A cidade de São Paulo é facilmente reconhecida por ser uma metrópole gigantesca, em população e área, gerando os grandes problemas que existem na cidade: tráfego congestionado, viagens longas e demoradas, e um imenso problema na distribuição dos transportes na cidade.
Um desses distritos é Parelheiros, um dos maiores da cidade embora um dos menos povoados, que possui uma rede de transportes limitadas e mal dimensionadas, mas que um dia teve uma linha férrea em operação na região. Será que é valido a construção de uma nova linha de trem ou metrô na região?
Com 153 quilômetros quadrados de área geográfica, Parelheiros é fortemente conhecido por ser o distrito mais distante do centro da capital paulista, cerca de 50 quilômetros da Praça da Sé (marco zero da cidade). Curiosamente, o distrito está mais próximo do centro das cidades de Itanhaém e São Vicente, cerca de 15 e 20 quilômetros respectivamente. Também há o distrito de Marsilac, após Parelheiros, sendo último distrito do extremo sul de São Paulo, fazendo divisa com as cidades de São Vicente e Itanhaém.
O distrito começou a se formar no início dos 1800 com a imigração alemã, embora já houvesse uma população de nativos na região. O local era conhecido por Santa Cruz, pois na região havia uma cruz que havia, mudando o nome para Parelheiros um tempo depois. Como acontecia muitas corridas de cavalo, as parelhas, entre brasileiros e alemães, isso foi utilizado para dar o novo nome.
Com a abertura de novas estradas de acesso para Cipó-Guaçu (atual Embu-Guaçu), foi difícil não acontecer o loteamento na região, visto que os acessos agora seriam melhores. A Estrada de Parelheiros permitia o acesso à Embu-Guaçu, Vila São José e a região da Represa do Guarapiranga até Santo Amaro, na época ainda cidade independente.
Com o forte crescimento das regiões mais centrais e do agora distrito de Santo Amaro, muitos habitantes acabaram buscando moradias na região de Parelheiros pelos baixos valores de terrenos ou aluguéis em relação as demais regiões. Isso também foi impulsionado pelo planejamento mal feito entre as décadas de 1960 e 1980, onde muitos habitantes foram morar nos extremos da cidade, deixando o uso e ocupação do solo desordenado.
Localização do distrito de Parelheiros.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Embora esteja dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Capivari-Monos, e da APA Ilha do Bororé-Colônia, as ocupações regulares e irregulares cresceram ao longo dos mananciais e áreas próximas da Represa Billings, causaram danos ao meio ambiente e urbano da região. O resultado foi uma região distante de grandes universidades, escolas, hospitais, polos de serviços e comerciais, além de um crescimento desorganizado e sem prever melhorias ao distrito como ruas asfaltadas, iluminação pública, escolas ou centros de saúde.
Houve uma melhoria significativa em relação ao transporte público e mobilidade urbana, com a chegada do terminal de Parelheiros em 2004, e uma reorganização das linhas de ônibus na região, permitindo uma discreta melhoria no tempo de viagem e espera pelos coletivos.
Ainda hoje o principal acesso a região continua sendo a Estrada Ecoturística de Parelheiros ou avenida Sadamu Inoue. Essa via permite acesso a avenida Senador Teotônio Vilela, chegando na região de Santo Amaro e Interlagos.
Atualmente, segundo Censo de 2010, habitam cerca de 140 mil pessoas na região, muito menos se comparados a outros distritos menores em área geográfica. O distrito responde hoje a subprefeitura ou prefeitura regional de Parelheiros, que engloba também o distrito de Marsilac, representando 23,68% da cidade com seus 353 quilômetros quadrados de área.
O distrito se desenvolveu ao longo dos anos com a chegada de Unidade Básica de Saúde (UBS), um hospital de grande porte, comércios de pequeno e médio porte, além da melhoria no saneamento básico, iluminação pública e nas vias de tráfego.

A primeira e única linha férrea
Em 1937, a então Estrada de Ferro Sorocabana inaugurou sua linha ligando Mairinque a cidade de Santos, baixada santista, a conhecida linha Mairinque-Santos. A linha partia de Mairinque em direção ao Porto passando pelo extremo sul de São Paulo, no distrito de Marsilac, após sair da cidade de Embu-Guaçu. Em Marsilac, havia duas pequenas estações da linha: a própria Marsilac e Evangelista de Sousa. A linha nunca teve o propósito de atender o transporte urbano, tão pouco era usada para essa função pelos habitantes da região, uma vez que o principal foco era o transporte de cargas, embora tenha havido o transporte de passageiros até meados de 1990 pela linha.
Possível local da antiga estação de Colônia.
As estações nos distritos de Parelheiros e Marsilac foram
demolidas ainda nos anos 1970.
Foto: Robson Souza, retirado do Estações Ferroviárias.
Para diminuir a distância entre a capital paulista e o Porto de Santos pelas suas linhas, em 1957 a Sorocabana inaugurou o Ramal de Jurubatuba, partindo da estação de Imperatriz Leopoldina, na linha Tronco (São Paulo – Sorocaba), e encontrando a linha Mairinque-Santos na estação de Evangelista de Sousa. Boa parte do trajeto margeava o Rio Pinheiros, passando também pela região das represas ao sul da capital.
A linha, por consequência, passava por dentro dos distritos de Grajaú, Parelheiros e Marsilac, na época em formação e crescimento dos bairros, além é claro de distritos as margens do Rio Pinheiros. Porém, diferente de outras regiões que após receberem uma ferrovia passaram pelo processo de crescimento e industrialização, estes distritos não foram por esse caminho, continuando com a tipologia de bairros dormitórios.

O transporte urbano começou a ser feito na linha nos anos 1960, permitindo o acesso da população as regiões mais centrais, além de ter também os trens de longo percurso entre São Paulo e Santos passando pela linha. Isso mesmo, era possível ir do extremo sul da cidade para a estação Júlio Prestes ou Santos de maneira direta e com um único trem.
Em Parelheiros, havia três estações ou paradas do ramal Jurubatuba, sendo elas: Colônia, Barragem e Casa Grande. Na verdade eram pontos de parada simples, sem uma estrutura maior para ser uma estação, como bilheterias ou cobertura nas plataformas. Todas as três paradas estavam localizadas em zonas rurais, com chácaras e aldeias indígenas nos arredores. Há relatos que a estação de Casa Grande se chamava Parelheiros por um período, embora sua localização esteja bem distante do centro do distrito.
As três estações que existiram no distrito, assim como
as duas em Marsilac.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Todas as paradas foram inauguradas com o ramal em 1957, sendo usadas para chegar nos bairros mais afastados da cidade, ou como forma de chegar nos sítios e chácaras que ainda hoje existem na região.
Nos anos 1970, a Fepasa, sucessora da Sorocabana, iniciou a reforma do ramal Jurubatuba para melhorar o atendimento do serviço de trens urbanos no trecho, agora para a então Linha Sul da companhia. A reforma alargou o leito ferroviário, o que ocasionou na demolição de todas as estações entre Ceasa e Jurubatuba, com exceção dessa última. Também houve a colocação da bitola de 1.600 mm, deixando o trecho até Jurubatuba com bitola mista (1.000 mm e 1.600 mm), além da duplicação do trecho.
Estação Evangelista de Sousa, ponto final do Ramal de Jurubatuba,
e de passagem da linha Mairinque-Santos.
Estação abandonada desde o fim o transporte de passageiros.
Foto: Thiago H. Teixeira, retirado do Estações Ferroviárias.
Há essa altura, todas as paradas no distrito de Parelheiros estavam abandonadas, sendo posteriormente demolidas, acabando com uma possível chance de os trens urbanos atender a região, se limitando a estação de Jurubatuba, essa reinaugurada apenas em 1987. Durante esse período, apenas trens cargueiros e de passageiros para Santos utilizavam o trecho.
Embora os trens de passageiros para Santos existissem até meados dos anos 1990, o trecho pós Jurubatuba ficou sem uma maior utilização para passageiros até 1992, quando a Fepasa inaugurou a extensão Jurubatuba – Varginha, passando por Interlagos e Grajaú. Isso durou até 2001, quando a CPTM, que assumiu as operações em 1996, encerrou as atividades naquela região por motivos de segurança. Foi o mais próximo de um trem urbano na região do extremo sul da cidade teve, e atualmente nem os trilhos sobraram no trecho pós Grajaú. Veja mais sobre ela aqui: CPTM e as extensões operacionais
Extensão operacional Jurubatuba - Varginha:
Foi o mais próximo que Parelheiros voltou a ter de trens urbanos.
Linha foi desativada em 2001, e aos poucos será retomada.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Atualmente, a CPTM está retomando o transporte urbano na região, com a inauguração do trecho Jurubatuba – Grajaú entre 2007 e 2008, sendo atualmente a Linha 9 Esmeralda (Osasco – Grajaú), e em breve deve retornar até Varginha, passando por Mendes-Vila Natal (esta última já entregue). Porém, Parelheiros ficará de fora do novo trecho, embora ainda tenha parte do leito ferroviário ainda existente na região, mas sem trilhos é claro.

Então por que não retomar o trem para Parelheiros?
Por estar justamente dentro das zonas de proteção ambiental, trazer o transporte de alta capacidade para a região causaria uma mudança muito drástica no cenário urbano dos distritos adjacentes, com o crescimento da especulação imobiliária e ocupação de áreas hoje sem uso. Essa mudança poderia gerar danos irreversíveis ao meio ambiente, sobretudo por ser uma zona frágil e último vestígio da mata nativa.
Ou seja, os projetos voltados ao transporte e mobilidade nessa região pode passar por um longo para conseguir autorizações ambientais para construir uma linha de metrô ou trem, tornando-se algo inviável tanto financeiramente quanto ambientalmente falando. Devido a isso e outros fatores, a CPTM descartou a extensão da linha 9 até o distrito, finalizando a linha em Varginha, que deve ficar pronta em 2022.
Mesmo que haja promessas em épocas eleitorais, tecnicamente falando não haveria possibilidade de nenhuma linha do sistema metroferroviário de São Paulo chegar ao distrito sem impactos negativos ou que seja viável para o sistema. Além disso, imaginem o caos no trânsito, uma vez que a região não possui vias que comportem um possível aumento no tráfego, já que o distrito tem uma característica mais rural ou de pequeno porte.
Passa-Rápido Parelheiros, inaugurado em 2004.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Além do terminal Parelheiros, que recebe duas linhas estruturais em direção à Santo Amaro e ao Metrô Vila Mariana e linhas locais para os bairros, o distrito é atendido indiretamente pelo corredor Passa-Rápido Parelheiros – Rio Bonito – Santo Amaro, implantado em 2004 juntamente com o terminal. Indiretamente pois as vias exclusivas à esquerda da via do corredor seguem a partir do terminal Varginha em diante, enquanto apenas faixas exclusivas à direita atendem Parelheiros pela avenida Sadamu Inoue. Quando acontece algo nessa avenida, seja tráfego intenso ou acidente, o transporte por ônibus é prejudicado diretamente, e não é incomum que os passageiros passem cerca de duas horas nos coletivos.
O terminal Parelheiros por sinal não comporta todas as linhas da região, o que impediu reestruturar melhor as linhas de ônibus, que continuavam a seguir até os terminais Varginha, Grajaú ou Santo Amaro, mesmo com a inauguração do terminal. São 12 linhas em operação, além das 10 linhas de passagem pela região, sendo duas metropolitanas para Embu-Guaçu. 
Terminal Parelheiros: Pequeno para a necessidade do distrito.
Foto: Victor Santos, 2019.
Por fim, uma das regiões mais distantes da cidade ainda permanecerá com o atendimento feito apenas pelo transporte por ônibus, e apenas na lembrança de poucas pessoas que vivenciaram os antigos trens passando pelo ramal de Jurubatuba.

Texto: Victor Santos.
Fontes: