segunda-feira, 31 de maio de 2021

O terminal fantasma de São Miguel

Terminal São Miguel em operação.
Foto: Gustavo Bonfate.
Na capital paulista, é quase impossível imaginar que existam terminais ou corredores de ônibus na cidade que não estejam lotados ou com um tráfego carregado em determinados horários. Isso se deve ao fato de grande parte dos projetos para transportes já nascem com uma demanda muito acima da capacidade, seja por atraso no projeto ou não pensar em outras soluções.
Existem estruturas que foram construídas para uma demanda maior de passageiros, mas hoje existe com a falta deles, como é o caso do Terminal São Miguel, na região leste de São Paulo. Hoje vamos entender como um terminal de ônibus consegue ser ao mesmo tempo mal dimensionado e funcionar sem outras estruturas para auxiliar ele.

Em 2004 o plano São Paulo Interligado havia sido implantado parcialmente na cidade, com partes a serem implantadas nos anos seguintes para as gestões municipais sucessoras a gestão de Marta Suplicy. Em uma dessas fases de implantação, estava a construção de corredores no estilo Passa-Rápido na região nordeste de São Paulo, sendo eles:
  • Passa-Rápido São Miguel – Marechal Tito, com 15,5 quilômetros de extensão
  • Passa-Rápido Assis Ribeiro, com 13,2 quilômetros de extensão
  • Passa-Rápido Imperador, com 6,6 quilômetros de extensão
Todos esses corredores estariam articulados com os sistemas de Via Livre (faixas exclusivas à direita da via), permitindo uma rede de transporte realmente estruturada até o centro de São Paulo e outras regiões.
Projeto de corredores na região viabilizaria
a operação do terminal.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Para auxiliar nessa operação, a SPTrans projetou três novos terminais para viabilizar essa nova rede de transportes: os terminais Itaim Paulista, São Miguel e Vila Mara. Todos deveriam estar prontos entre 2004 e 2008, além dos corredores conectados a eles.
Destes, apenas o terminal São Miguel ficou pronto, iniciando suas operações em 10 de setembro de 2006 sem todo o contexto do projeto da nova rede concluída, que incluiria uma nova ligação deste terminal com as avenidas Marechal Tito e Assis Ribeiro. 
O problema dessa localização é que além de estar longe da principal avenida da região, ainda ficou distante da estação São Miguel Paulista da Linha 12 Safira da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Essa falta de integração entre os sistemas, acabou por se tornar uma piada sobre o terminal, cuja localização atual está ao lado das vias da CPTM, distante cerca de 800 metros da estação.
Por fim, os terminais Itaim Paulista e Vila Mara, ambos conectados as respectivas estações da CPTM, foram cancelados junto com os 35 quilômetros de corredores previstos na região e toda a revitalização que estava proposta. O terminal de São Miguel acabou por ficar isolado e sem grandes impactos no transporte da região, que continuou sobrecarregado e sem maiores estruturas para o apoio.
Estes terminais seriam um apoio ao próprio terminal do São Miguel, dividindo a troncalização do sistema e não sobrecarregando a estrutura. O terminal do Vila Mara ainda seria construído com a nova estação da CPTM, sendo que apenas a estação da companhia ficou pronta em 2008 como Vila Mara - Jardim Helena.
Terminais propostos pelo Plano Interligado.
Autor: Victor Santos, 2021.
Essa rede de transportes poderia ter sido o início da mudança tão esperada na mobilidade urbana do extremo leste de São Paulo, que na época vivia um caos com a então pior linha de trens metropolitanos da CPTM, e o transporte sobre pneus completamente desorganizado.
Hoje, a linha 12 da CPTM ainda precisa de mudanças para ser tornar algo mais ideal para a população, mas em comparação à 2006, o cenário melhorou muito na linha Safira, com trens novos e maiores, reconstrução das estações (inclusive a de São Miguel Paulista), e melhoria dos intervalos. Isso atraiu uma demanda adicional de passageiros, associado ao baixo desempenho do sistema de ônibus na região.
Voltando ao terminal, hoje ele atende a uma pequena parcela de sua região, com apenas quatro linhas municipais comuns, e sete municipais noturnas. A baixa demanda que o terminal gerou críticas e piadas em relação a estrutura, que custou 14 milhões de reais e previsão de atender 16 linhas.
Moradores próximos ao terminal alegaram na época que o terminal se tornou um elefante branco para a região, que mesmo com linhas para o centro de São Paulo e para o terminal São Mateus, zona leste também, ainda sim não atende com plenitude as necessidades deles.
Parte interna do terminal.
Foto: Gustavo Bonfate.
Aqui estão alguns dos motivos pelos quais o terminal continua com essa baixa demanda:
Sem corredores integrados a ele
A proposta original do terminal era ser ponto de apoio as linhas estruturais que atenderiam os corredores em projeto para a região, criando o conceito Tronco-alimentador no distrito, onde os passageiros desceriam das linhas locais no terminal e seguiram por linhas estruturais até as demais regiões da cidade. Os corredores serviriam para viabilizar esse novo sistema, garantindo rapidez e conforto nas viagens.
Mas sem esses corredores, a proposta acabou saindo incompleta, já que não seria viável criar esse sistema sem o fundamental item para ele: a exclusividade dos ônibus nas vias.
Com isso, linhas que partem da região do Camargo Velho, Jardim Nazaré, Cidade Kemel e Itaim Paulista continuaram com seu percurso normal até o centro de São Paulo, sobrecarregando as avenidas já saturadas.
Com o terminal isolado sem esses corredores, sua função de estruturar o sistema ficou apenas no papel e sua estrutura sem função mais importante.

Lógica das linhas na região
Quando inaugurado em 2006, novas linhas foram criadas para atender o terminal, entre elas a 3301-10 (Terminal Parque Dom Pedro II) e a 354M-10 (Terminal São Mateus), além da criação e seccionamento de algumas linhas que chegavam dos bairros nas redondezas. Era previsto um maior número de linhas para destinos como Guaianases, Artur Alvim, Penha e Tatuapé.
Porém, além de não possibilitar conexão com regiões na própria zona leste de São Paulo, as duas linhas estruturais do terminal ainda concorrem diretamente com as outras linhas do setor. Por exemplo, a 3301-10 segue pelas avenidas Marechal Tito, São Miguel, passando pela região do Cangaíba e Penha, seguindo pela avenida Celso Garcia até o centro.
Nesse mesmo eixo, existem linhas como 2678-10 (Oliveirinha – Terminal Parque Dom Pedro II), 2666-10 (Jardim Camargo Velho – Terminal Parque Dom Pedro II), 2552-10 (Vila Mara – Terminal Parque Dom Pedro II) e 2080-10 (Cidade Kemel – Terminal Aricanduva), além de outras linhas no mesmo eixo.
Isso contribui para que os passageiros prefiram opções com intervalos menores ou mais diretas, esvaziando tanto as duas únicas linhas locais e quanto as duas únicas estruturais do São Miguel. A sobreposição das linhas além de causar um aumento no tempo de viagem, excesso de ônibus em um mesmo sentido, e atraso nas linhas.
Existem linhas que atendem a região do São Miguel Paulista que não passam próximos do terminal, como as 1178-10 (São Miguel - Praça do Correio), 2005-10 (Jardim Romano - São Miguel), 2016-10 (Jardim das Oliveiras - São Miguel), 2017-10 (Jardim Robru - São Miguel), 2018-10 (Jardim Campos - São Miguel), 2059-10 (São Miguel - CPTM Guaianases) e 312N-10 (Terminal Cidade Tiradentes - São Miguel Paulista). Seria inviável direcionar todas essas linhas para o atual terminal, seja por itinerário ou demanda de passageiros que elas atendem.
Com exceção da 1178-10 que faz ponto inicial próximo da Avenida Deputado Doutor José Aristodemos Pinotti, as demais fazem ponto final ou inicial nos arredores da estação de trem.
Embora muitos acreditem que seccionar as linhas da região do Vila Mara, Camargo Velho, Jardim Nazaré e Cidade Kemel no terminal São Miguel, isso poderia causar mais problemas do que soluções para o transporte na região. Isso porque as vias e estrutura do terminal não comportariam o fluxo, o que nos leva ao próximo tópico.
Sobreposição das linhas na região.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Terminal mal dimensionado
Mesmo que o projeto original previa a operação de 16 linhas de ônibus com uma frequência entre 4 e 20 ônibus por hora, no final das contas o terminal acabou por ser superdimensionado para uma demanda muito abaixo do esperado. Com as obras concluídas, o terminal foi modificado e uma nova saída foi aberta na nova rua projetada (Rua Tarde de Maio), pois o único acesso seria ruim para a saída de ônibus maiores (articulados).
O terminal conta com salas operacionais, sanitários públicos, bilheteria e painéis digitais e fixos para as informações aos passageiros, tudo prevendo um alto fluxo de passageiros, o que não aconteceu.
Mesmo que a SPTrans tome a decisão de troncalizar todas as linhas que passam pela avenida Marechal Tito em direção ao centro da cidade, ou trazer para o terminal linhas que param em outras partes do distrito, o terminal não comportaria pela sua localização.
Seu acesso desde a Marechal Tito é feito através das ruas locais que são estreitas e totalmente residenciais, gerando incomodo aos moradores da vizinhança do terminal. Além disso, haveria a necessidade de rever a circulação nos arredores do terminal, mudança na sinalização e regras de trânsito para evitar mais transtornos.
Terminal e a linha da CPTM ao lado.
Foto: Folha de São Paulo.
Conexão com a CPTM
Como falamos no início dessa matéria, a escolha da localização deste terminal foi feita para que ele fosse um sistema independente da rede sobre trilhos, com os corredores e faixas exclusivas conectadas ao terminal. A integração com a CPTM seria um complemento a rede, ou seja, sem a necessidade inicialmente da construção de um terminal anexo a estação. A SPTrans em conjunto com a subprefeitura de São Miguel Paulista escolheram essa localização como forma de se distanciar do sobrecarregado centro de São Miguel.
Por isso, a CPTM não mostrou interesse de reconstruir a estação de São Miguel Paulista próximo ao terminal em meados de 2006, uma vez que a concentração de passageiros está justamente na Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, conhecido popularmente como Praça do Forró, onde está a estação da CPTM e foi reconstruída em 2013 alguns metros à oeste da estação original de 1970.
Maior parte das linhas que seguem para a estação param nas ruas vizinhas como na rua Salvador Medeiros, acesso da antiga estação. Outras linhas servem a estação de passagem, vindo dos bairros e seguindo para destinos como o centro ou estações de metrô na região leste também.
Localização da estação São Miguel Paulista e do
Terminal São Miguel.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Possíveis alternativas
Melhorar o sistema viário da região, com a extensão da Avenida Deputado Doutor José Aristodemo Pinotti pelo Córrego Itaquera, assim chegando ao terminal e permitindo um acesso melhor a ele. Além disso, melhorar a circulação da Avenida Marechal Tito e revendo alguns cruzamentos para melhorar a fluidez do tráfego.
Construir os corredores anteriormente planejados para atender a região e permitindo rever as linhas, diminuindo a sobreposição e permitindo viagens melhores.
Rever a estrutura do terminal para receber algumas linhas que hoje param nas ruas espalhadas pelo distrito, permitindo um maior número de rotas saindo do terminal, como para o terminal Cidade Tiradentes, Praça do Correio ou estações de metrô.
Linhas municipais diurnas do terminal São Miguel.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Linhas municipais noturnas.
Mapa: Victor Santos, 2021.
Ficha técnica do Terminal São Miguel
Endereço: Rua Tarde de Maio, s/n – Cidade Nitro Operária, São Paulo-SP.
Data de inauguração: 10 de setembro de 2006.
Área de operação: 3 – Nordeste (amarela)
Demanda de passageiros: 2.300 passageiros por dia (média).
Número de plataformas: 3
Linhas: 10 linhas
Áreas atendidas: 3 – Nordeste (amarela), 4 – Leste (vermelha), 9 – Centro (cinza).
Fontes:
SPTrans