quarta-feira, 18 de abril de 2018

Trem série 2100: O trem certo para o serviço errado

Unidade próximo da estação Brás.
Por Victor Santos.
Desde que a CPTM deu inicio a sua renovação de frota, muitos trens vão sendo retirados de operação para dar lugar aos novos trens e assim proporcionar mais conforto e segurança nas viagens. A primeira nova frota a ser adquirida pela CPTM foi o trem da série 2100, antigos UT440 oriundos da espanhola Renfe e que iniciaram seus serviços regulares em 1998. Em 2018, vinte anos após a chegada na companhia, o futuro deste trem parece incerto com as novas frotas compradas pela empresa nos últimos anos. Mas por que ele está próximo da aposentadoria?


A começar pela sua idade. Mesmo que o tempo de serviço na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos seja curto em relação as frotas mais antigas, essa série foi fabricada a partir de 1974 quando a Renfe encomendou para a também espanhola CAF um total de 255 unidades que foram fabricadas até 1985. Em 1993, a Renfe, que opera os trens de médio e longo percurso além do serviço suburbano na Espanha, reformou muitas unidades para se adequar aos novos padrões de conforto, assim ganhando uma nova máscara, ar condicionado, painéis digitais para anúncios, novos assentos e passagem entre os carros. Algumas unidades ainda permanecem com o visual e padrão das quais foram fabricadas e seguem operando na Espanha. Outras unidades foram reformadas para o serviço de média distancia, ganhando a nomenclatura de UT470. Por fim, um trem que, mesmo após a reforma profunda que passou ainda na Espanha, é considerado antigo com seus mais de 40 anos de uso. 
Na esquerda a primeira versão do trem, à direita o modelo reformado
em 1993. Retirado da internet, créditos ao autor.
As limitações do desempenho dessa série também impedem o seu uso pleno. Por se trata de um trem projetado para cumprir etapas de médio percurso e serviços expressos, essa frota não consegue ter o mesmo desempenho que as frotas mais novas da CPTM. Com uma taxa de aceleração baixa, o trem demora um pouco para alcançar uma boa velocidade e seus motores não foram projetados para subir grandes rampas. Por causa dessas limitações, os "trens espanhóis" não poderiam operar em linhas com rampas muito íngremes ou com estações muito próximas. Em um dos testes na então Linha A da companhia, hoje Linha 7 Rubi, houve relatos de superaquecimento nos freios de uma unidade, fato que fez esses trens deixarem de ir até o extremo da linha. Outro problema dessa série era a operação com  trens que possuem uma taxa de aceleração mais forte que eles, o que faziam os trens andassem juntos, prejudicando os intervalos e operações nas linhas. 
Foto por Yuri Gabriel.
Outro motivo para sua aposentadoria precoce é a dor de cabeça para o pessoal da manutenção, que acarreta mais tempo parado e mais custos para a companhia. Em 2010, o contrato revisão geral foi assinado para que a frota fosse reformada e garantir mais alguns anos de serviço, sem a necessidade de comprar novos trem em um primeiro momento. Além de uma nova pintura nos moldes do novo padrão visual da CPTM, receberia itens mais recentes para garantir mais conforto e segurança. Porém, recentemente o contrato de revisão de meia idade, previsto em trens que completam 1 milhão de quilômetros rodados, foi suspenso por irregularidades. Apenas uma parte da frota foi reformada e a manutenção, também terceirizada, ficou ainda mais complicada o que gerou custos e problemas à operação dos trens como superaquecimento que resultou no incêndio de algumas unidades. O último grande incêndio foi em 2015 com a unidade que já retornou para operação.

Trem em testes na Zona Leste
Créditos ao autor, retirado da internet.
A CPTM ao adquirir essa frota, esperava que eles operassem no Expresso Leste, até então um novo serviço que seria oferecido por ela, pois esses trens que possuem as características para tal. Porém, entre os testes na linha, houve atos de vandalismo e depredações nas composições recém chegadas, sendo necessário a paralisação da frota por falta de peças de reposição. Relatos da época afirmam que a população depredou os trens em forma de protesto contra a operação precária que a companhia prestava a população na época (meados de 1997 e 1998).
A única linha que possuía características que contribuíram para a operação dos TUE's 2100 foi a Linha D (atual Linha 10 Turquesa), onde permanecem atuando como frota principal dessa linha até os dias atuais. Por possuir relativamente baixa para época e grandes distâncias entre as estações, favoreceram a operação dos trens.
Muitos entusiastas e passageiros também reclamam do ar condicionado e do número de portas existentes no trem, duas portas por lado conta quatro dos trens mais novos. O ar condicionado também é alvo de reclamações por não gelar tão bem quanto os trens mais novos, algo que com o tempo foi resolvido parcialmente.
Proximidades da estação Mooca.
Por Yuri Gabriel.
Em contrapartida é considerado um dos trens mais confortáveis da companhia, seja pelo número de assentos disponíveis devido ao layout e as poucas portas ou pela partida suave que garante uma viagem tranquila. Muitos dos passageiros diários da Linha 10 ainda preferem o trem que por anos auxiliou a população do ABC Paulista em suas dificuldades de mobilidade urbana. Como as estações da linha são bem afastadas entre elas, os 2100 conseguem ganhar uma boa velocidade operacional, além de possuir freios mais suaves sem os solavancos. É também a única frota do sistema sobre trilhos paulistas a possuir sinal de abertura das portas com aviso sonoro e luminoso. Por fim, é um trem diferenciado e que fez parte do crescimento da linha, além de despertar a paixão pelas ferrovias em muitos dos entusiastas.
TUE 2100 na inauguração da estação Autódromo da Linha 9
Créditos ao autor.
Essa série esteve fortemente presente nas linhas 9 e 10 e em suas mudanças operacionais, seja na inauguração da extensão da linha 9 rumo ao Grajaú em 2008 ou no encurtamento da linha 10 que seguia até a estação da Luz e hoje faz terminal na estação Brás. A partir de 2016, a série 2100 que era a única até então na linha 10 passou a ter como "ajudante" a frota 3000, fabricados em 1999 pela alemã Siemens no mais novo trem expresso da CPTM: o Expresso Linha 10 que liga a estação Prefeito Celso Daniel - Santo André à estação Tamanduateí atendendo apenas a estação São Caetano. Este serviço atende apenas ao picos dos dias úteis, mas serve bem a população do ABC Paulista. 

Agora em 2018, a linha turquesa passa a ter mais uma frota ao lado dos 2100: a série 7500 oriundos da Linha 9 Esmeralda. Com o remanejamento de frotas entre as linha da CPTM com a chegada de mais trens novos, a série 7500 passou para a linha turquesa ao lado dos 2100 para auxiliar a necessidade devido a falta de trens na linha. 
Nessa semana, do dia 09 de abril, o Diário do Transporte noticiou que o atual Secretário dos Transportes Metropolitanos, Clodoaldo Pelissioni, disse em uma entrevista que a CPTM estuda abrir uma licitação para substituir essa frota que opera na linha turquesa. Ainda não há prazos para tal abertura do edital que deve contemplar 20 novos trens para a linha.
Trens 2100 e 3000 na linha 10.
Foto: Yuri Gabriel.
É nítido para muitos que o fim da frota 2100 esteja relativamente próximo, uma vez que já não há mais espaço para as operações de um trem que não foi fabricado para o serviço metropolitano. Sua partida suave, ar condicionado relativamente bom, assentos confortáveis, portas largas e frenagens tranquilas farão falta aos serviços metropolitanos.
Será um trem que deixará saudades para muitos passageiros comuns, entusiastas e funcionários, embora para o pessoal da manutenção a saída de cena dessa frota será um alívio. Tão cedo teremos um trem com características tão marcantes como a desse trem, se houvesse ferrovias intercidades como na Espanha, a sobrevida desse trem já era garantida. Porém, estamos no Brasil e isso já explica tudo...

Algumas curiosidades
Na Espanha, o modelo segue operando no serviço suburbano e de média distância da empresa Renfe com a nomenclatura de UT 440R (subúrbio) e UT 470 (média distância) e possuem até bagageiros. Há planos para que essa frota em breve seja retirado de serviço.
No Brasil, a série foi batizada de TUE 2100, enquanto no Chile permaneceu com o número de série original: UT 440, mudando apenas para as unidades reformadas no Chile para UT 440MC.
Conhecido por alguns passageiros e entusiastas como "trem espanhol". 
No início das operações da CPTM, os trens possuíam músicas clássicas como som ambiente no interior do salão de passageiros. Era possível viajar ao som de música clássica, algo jamais imaginado por passageiros da época. Posteriormente retiraram esse diferencial. 
No Chile e na Espanha, os trens possuem o piso rebaixado nas portas e escadas para o acesso, algo que foi retificado para operar na CPTM.

Texto: Victor Santos.
Revisão:Yuri Gabriel