sexta-feira, 26 de abril de 2019

70 anos de trólebus no Brasil - Um potencial perdido

Trólebus de 15 metros, um dos mais comuns da cidade.
Foto: Victor Santos (autor).
No último dia 22 de abril, completou-se 70 anos desde que o primeiro trólebus entrou em operação em São Paulo, e consequentemente no Brasil, em 1949, quase um século desde que o modal foi implantado, atravessando gerações e mudanças significativas no transporte em geral. O trólebus passou por grandes avanços tecnológicos, expandiu-se por diversas cidades brasileiras, fez parte de grandes projetos voltados para o transporte público, e conquistou o seu lugar na história de muitos sistemas de transporte.
Mas em contrapartida, o modal hoje se limita à três sistemas em operação no Brasil, sendo eles na cidade de São Paulo (SP), na região do ABC Paulista, e na cidade de Santos (SP), que somam ao todo 243 quilômetros de rede, 21 linhas, e 302 veículos, entre padron e articulados. Para um modal que esteve presente em quase todas as regiões do país, chegando a 11 cidades no final dos anos 1960, e mesmo após comprovar sua eficiência energética, operacional e ecológica, e um sistema considerado subutilizado no país. Se é tão viável investir em um sistema com o trólebus, por que não ampliar suas operações?

O primeiro fator que impediu a grande expansão dos trólebus nos últimos 20 anos é em relação ao interesse das empresas privadas contratadas pela gestão pública para a utilização dos ônibus elétricos em linhas regulares, alegando alto custo de implantação, manutenção e operação se comparado a um sistema de ônibus convencional (à diesel). 
A série de desestatizações ocorridas nos anos 1990 fez com que os trólebus fossem operados agora por empresas privadas, e não demorou para que o sistema enfrenta-se uma série de desativações e abandono, como aconteceu entre 2001 e 2003 durante a reestruturação do transporte por ônibus de São Paulo. 
Dos 343,4 quilômetros de rede aérea que a capital paulista possuía, apenas 201 quilômetros estão em operação nos dias atuais, sendo estes restritos à zona leste e a região central da cidade.
A falta de interesse do setor privado associados aos interesses políticos acarretaram no abandono de uma tecnologia limpa e eficiente, se provando superior em diversas características em relação aos ônibus à diesel.

O custo maior é com a implantação da rede aérea, postes de sustentação e subestações de alimentação de energia. Os veículos com tecnologia trólebus também possuem um custo de aquisição superior ao de um ônibus comum. Contudo, o tempo de vida útil de um trólebus, associado aos benefícios de uma rede aérea conservada, pode ser muito mais benéfica para os custos de manutenção e operacional de uma empresa.
Embora possua sim um alto custo de implantação, o trólebus dispõe de vantagens que os ônibus movidos à diesel não possuem, independente da tecnologia adotada. As vantagens são:
Maior vida útil dos veículos - 30 anos em média é o tempo de vida útil de um trólebus, enquanto os ônibus comuns não passam dos 10 anos sem apresentar desgastes na carroceria ou no motor.
Menor índice de poluição - Como utiliza energia elétrica para se locomover, os trólebus não emitem Monóxido de Carbono (CO²) na atmosfera, gases tóxicos e nocivos a vida. Além disso, por utilizar motores elétricos e de baixa emissão de ruídos, os trólebus conseguem ser mais silenciosos que os ônibus tradicionais, o que contribui para a melhor convivência de moradores ao longo das rotas.
Maior potência sem incômodos - Diferentemente dos ônibus movidos à combustão, os trólebus tem como principal diferencial a sua grande potência nas arrancadas, que são contínuas e suaves. Em compensação, os ônibus comuns possuem arrancadas lentas e com solavancos devido as transmissões existentes, enquanto os trólebus são desprovidos desse incômodo.
Energia renovável - O trólebus utiliza uma energia renovável para seu deslocamento, uma vez que o diesel, derivado do petróleo, não possui como característica uma fonte renovável.

Como todo o modal de transportes, os trólebus possuem suas desvantagens que, para muitas empresas, é o que impede sua ampliação nas operações. Com os avanços tecnológicos, muitas destas desvantagens foram resolvidas ou desclassificadas como impedimentos para não utilizar o sistema. Tais como:
Depende da rede aérea para se locomover - Os trólebus mais atuais possuem baterias que são utilizadas em caso de queda de energia, problemas externos ou em rotas expandidas que são desprovidas de uma rede aérea. Há também a possibilidade de um trólebus híbrido, que funciona como trólebus em rotas com a rede aérea, como também funcionam em locais sem a rede aérea utilizando um motor elétrico movido à baterias.
Fiação exposta - Outro problema relativo aos trólebus é o fato da sua fiação ficar ao ar livre, problema esse também resolvido com métodos urbanísticos adotados como postes arquitetônicos e aterramento da fiação elétrica dos postes.
Alto custo de implantação - Como já citado, o custo de implementar um sistema de trólebus é elevado em comparação as linhas de ônibus comuns. 
Trólebus operando no corredor Paes de Barros:
Em corredores, o modal é capaz de atingir melhor a sua eficiência.
Foto: Victor Santos (Autor).
Claro, considerando todo o contexto, não seria viável adotar os trólebus em todas as linhas de uma cidade com as proporções que São Paulo possuem, ainda mais devido aos custos de implantação, altos para o modal. Segundo a publicação "E se...O sistema trólebus de São Paulo fosse ampliado em todos os corredores da cidade?" de Thiago Silva (Plamurb, 2019), "É viável ampliar o sistema trólebus nos corredores, já que nesses locais, tais veículos possuem um desempenho excepcional." Com uma alta taxa de aceleração alta, potência superior aos dos ônibus comuns, e, sobretudo, menor índice de poluição sonora e ambiental, os trólebus poderiam ter uma maior utilização em um sistema tronco-alimetador, onde as linhas de ônibus comuns alimentariam as linhas de trólebus que trafegariam em corredores exclusivos.
No passado, a extinta CMTC - Companhia Municipal de Transporte Coletivo elaborou junto ao seu corpo técnico o Plano SISTRAN, que previa a utilização dos trólebus em corredores segregados com linhas expressas e comuns, sendo estas integradas em terminais com linhas locais operadas com ônibus comuns. 
Desse ambicioso projeto, apenas os corredores Paes de Barros (1980) e Santo Amaro (completado em 1987) realmente saíram do papel, sendo hoje o corredor da Paes de Barros o único a possuir a ligação troncal entre a Vila Prudente e o terminal Parque Dom Pedro II com os trólebus.
Caso a SPTrans e a prefeitura de São Paulo resolvessem retificar os 12 corredores de ônibus existentes na cidade para se adequarem aos padrões técnicos do BRT - Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido de Ônibus, uma das possibilidades para melhorar o desempenho energético e operacional é utilizar os trólebus para as ligações trocais. Com isso, associado a projetos urbanísticos para melhorias, os corredores poderiam apresentar melhores índices de conforto, segurança e operação, além de poderem contribuir para melhorar as regiões por onde passam, impactando menos na urbanização.

As possibilidades que o Brasil perdeu ao implantar novos sistemas de BRT sem utilizar os trólebus
Entre 2010 e 2017, muitas cidades brasileiras implantaram novos sistemas de corredores exclusivos de ônibus para adequarem o seu transporte por ônibus as novas demandas por um transporte mais eficiente. A maioria dos sistemas implantados foram impulsionados pelos grandes eventos que ocorreriam entre 2014 e 2016, como a Copa FIFA 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Dentro todas as cidades, o Rio de Janeiro (RJ) foi o que mais implantou corredores BRT para atender as demandas dos eventos e, evidentemente, a população carioca que, mesmo contando com ligações ferroviárias, é desprovida de um sistema de transporte eficiente. 
Ao todo, foram implementados 125 quilômetros de corredores, sendo três diferentes eixos: Transcarioca, com 39 quilômetros e 45 estações, Transolímpico, com 26 quilômetros e 18 estações, e o Transoeste, o maior da cidade com 60 quilômetros e 62 estações.
BRT do RIO: Sistema é inovador em muitos aspectos, porém errou
em não incluir tecnologias não poluentes em seus veículos.
Foto: site BRT RIO.
Embora possua um projeto inovador, o corredor opera hoje com toda a sua frota de articulados movidos à diesel, o que descaracteriza o modal como transporte menos poluente, mesmo utilizando tecnologias menos poluidoras em seu motor.
Haveria a possibilidade de utilizar os trólebus na frota para que os impactos ambientais fossem amenizados, além de poder gerar mais economia com óleo diesel, menor custo de operação, e conquistar novos horizontes como utilizar os trólebus em um sistema de BRT.
Hoje, os problemas relativos à manutenção de motores a combustão poderiam ter sidos evitados na utilização de modernos trólebus, evitando problemas relativos aos ônibus comuns já citados. Com os ônibus menos tempo parados para realizar manutenções, as operações não seriam prejudicadas, e a rentabilidade do sistema estaria estabilizada. 
Além de tudo, um sistema de BRT com a tecnologia trólebus poderia dispor de novas tecnologias para melhorar o rendimento e a operação do sistema, como, por exemplo:
Guiagem lateral ou central - Em Nancy, França, os trólebus mais modernos utilizam guiagem por meio de um trilho central, o que assegura uma melhor dirigibilidade e proporciona uma maior velocidade com segurança. Com esse item instalado em corredores, pode melhorar a operação com maior precisão de parada nas estações e velocidades comerciais maiores. 
Maiores ônibus por um menor custo - Pode-se adotar trólebus biarticulados nas operações , semelhantes aos movidos à diesel, porém com menor custo de operação devido a utilização de energia elétrica para locomoção. Os biarticulados com tecnologia trólebus podem gerar menores custos nas operações um maior número de passageiros transportados por viagem.

Por fim, mesmo com o reconhecimento da eficiência que o trólebus pode proporcionar, não há projetos para novos corredores BRT utilizando a tecnologia. Para que os novos corredores de ônibus que estão sendo construídos no país possam contribuir não somente para a mobilidade urbana da cidade, mas como para o meio ambiente, é preciso levar em consideração a possibilidade de utilizar os trólebus em novos corredores, caracterizando o corredor como um sistema de transporte limpo.
Corredor "TroleBús" em Quito, Equador: Sistema foi um dos primeiro
a utilizar trólebus em vias segregadas e estações com pagamento
antecipado da tarifa em 1995.
Foto: Allen Morrison (fonte)
Potencial perdido no corredor Expresso Tiradentes
Por muito pouco, e pela má gestão pública, São Paulo quase teve um sistema de VLP - Veículo Leve sobre Pneus em massa na cidade, quando em 1995 o então prefeito Paulo Maluf (na época filiado ao PPB) lançou o projeto do Fura-Fila, que seria uma rede de corredores de ônibus operados com trólebus articulados de biarticulados de última geração.
Em 1998 foi apresentado na ExpoBus um protótipo de um biarticulado de fabricação nacional que seria utilizado no projeto, este sendo o primeiro biarticulado de 25 metros com a tecnologia trólebus no país. Ele possuía toda a sua estrutura inspirada em um trem de metrô: Portas dos dois lados elevadas para estarem niveladas as plataformas, ar condicionado, sistema de monitoramento das portas e anúncio das estações.
Embora revolucionário, o projeto original não seguiu em frente, sendo abandonado de vez pela gestão municipal de Marta Suplicy (na época afiliada ao PT-SP), onde adaptou todo o projeto que, somente seria concluído em pequena escala pela gestão de José Serra (PSDB-SP) em 2007 com o nome de "Corredor Expresso Tiradentes".

Utilizando o pouco que se foi construído do Fura-Fila, o Expresso Tiradentes nada remete ao projeto original que o corredor previa utilizar, com sistemas avançados para a época e guiagem lateral para aumentar a velocidade comercial do eixo. Mesmo caracterizado como BRT pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, ou com a sigla em inglês ITDP, o corredor pouco influenciou nas regiões em que foi construído, o que gerou problemas urbanísticos devido à não ter sido concebido com um projeto de melhoria do entorno do eixo implantado, ao longo das avenidas do Estado e Juntas Provisórias. 
Biarticulado trólebus do Fura-Fila em testes: projeto original foi logo abandonado.
Foto: Sergio Martire (fonte: Tramz)
Originalmente, o Expresso Tiradentes deveria chegar aos seus 32 quilômetros de extensão, ligando o terminal Parque Dom Pedro II, no centro de São Paulo, até o terminal Cidade Tiradentes, zona leste paulistana. Porém, atualmente o corredor possui 9,7 quilômetros de extensão e utiliza ônibus comuns nas operações, entre articulados e biarticulados. Todo o projeto de estações com plataforma alta (alinhada ao piso dos ônibus), utilização de trólebus e um sistema de guiagem para aumentar a segurança e a velocidade comercial, foi abandonado em favorecimento das empresas privadas que não estavam dispostas a ter ônibus exclusivos para este corredor.
Há muitas discussões sobre eletrificar toda a extensão do corredor para melhorar o desempenho das linhas, mas isso não está em nenhum projeto futuro da prefeitura de São Paulo. Mesmo que estudos feitos na época em que foi retomada as obras do corredor comprovem que o trólebus era a melhor opção em comparação à ônibus movidos a diesel, híbridos ou a gás natural, a estrutura foi entregue sem a tecnologia ideal para as operações.
A possibilidade de melhorar o rendimento deste corredor pode abrir horizontes para que os demais corredores da cidade possam ser eletrificados e receber os trólebus em linhas troncais, interligando regiões sem poluir a cidade.

Com os novos tempos chegando rapidamente, e a necessidade de adequar os transportes para serem eficientes em termos ambientais, os trólebus ainda estão no topo da lista de um modal de transporte com tecnologia limpa e renovável. Mesmo sendo um modal antigo, ainda possui características superiores a de ônibus movidos a diesel, elétricos autônomos (à bateria), ou híbridos.
Embora haja muitas discussões sobre um possível substituto do trólebus em um sistema de transporte, ainda não há um horizonte certo se esse possível substituto trará a mesma sorte que o trólebus teve ao longo dos seus 70 anos de existência no Brasil, enfrentando o descaso e o abandono por parte das gestões públicas.

Texto: Victor Santos
Referências bibliográficas: Plamurb (link do site clique aqui), Movimento Respira São Paulo (link do site clique aqui), ITDP (Link do site clique aqui), Tramz.com (link do site clique aqui) e BRT Data (link do site).

segunda-feira, 15 de abril de 2019

BRT em São Paulo: possível ou inviável?

Ônibus na linha 5105 do Expresso Tiradentes:
Atualmente o único corredor BRT de São Paulo.
Foto: Victor Santos (autor).
Muito se discute em como amenizar o caótico trânsito paulistano que é o grande gerador de problemas aos cidadãos paulistanos, que diariamente perdem horas essenciais de suas vidas em congestionamentos. Se discute qual modal será utilizado para determinados demandas, como será seu traçado e seus impactos nos transportes e na urbanização.
Na contra mão de outras grandes metrópoles ao redor do mundo, que amenizaram ou até mesmo solucionaram seus problemas de tráfego intenso nos grandes centros investindo no transporte coletivo, São Paulo demorou tempo demais para investir no sistema público de transporte de alta capacidade. Embora já existissem trens de subúrbio desde o início dos anos 1900, a primeira linha de metrô da cidade veio a ser inaugurado somente em 1974, embora antes já houvesse diversos projetos para a sua construção.
Muitos acreditam que a solução ideal para a capital paulista seria a construção de mais linhas de metrô para atender mais regiões, porém construir mais linhas de metrô sem estudos que justifiquem sua construção pode custar caro por ser um modal que exige um alto custo de implantação e operação, além do longo tempo de construção.
Mesmo assim, qual seria a lógica de construir mais linhas de metrô se a distância que os passageiros de regiões mais distantes ainda seria muito alta?
Ônibus do sistema Expresso
estacionado em uma estação padrão do BRT de Curitiba.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos).
Cada capital brasileira adotou um tipo de projeto para solucionar seus problemas de tráfego, sociais e de crescimento, utilizando muitas vezes o Plano Diretor como base para tais projetos. Muitas capitais, por não possuir uma renda muito alta ou demanda que justifique a construção de um sistema de metrô convencional, investiram no sistema de ônibus como principal meio de transporte. 
Dentre todas a capitais, a que mais se destaca e sempre é lembrada em trabalhos de faculdade e discussões é a capital Curitiba (PR), que de forma pioneira implantou o sistema de ônibus em canaletas (corredores exclusivos) em meados da década de 1970. Atualmente o sistema é chamado de BRT Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido de Ônibus em português, e foi adotado em diversas outras cidades, muitas fora do país como Bogotá (TransMilenio) na Colômbia, sendo um grande modal de média capacidade e rápida implantação. Mas antes de tudo, o que de fato é um BRT?
Sistema de BRT de Bogotá se inspirou em Curitiba e,
através de um plano reestruturador da cidade, se tornou referência mundial.
Foto: Wikipédia.
O BRT é um tipo de modal dos transportes que possui muito de sua infraestrutura aperfeiçoada para garantir mais rapidez, melhor operação e mais conforto aos passageiros do que o sistema de ônibus convencional. O BRT possui características de um sistema metroviário como segregação para os ônibus, pagamento antecipado da tarifa e embarque e desembarque ao nível do ônibus, mas possui também a agilidade de um ônibus e o baixo custo de implantação e operação. Quando associado a um bom projeto de requalificação do entorno das linhas implementadas, pode gerar impactos positivos que o próprio sistema de metrô gera quando inaugurado.

Embora erroneamente as pessoas acreditam que este sistema pode substituir uma linha de metrô convencional por ser muito mais barato em custos de implantação, é um sistema que deve complementar uma rede de transportes como um todo, tais como o próprio sistema de ônibus, sistemas de trens e transporte não motorizado (bicicletas, por exemplo).
É claro que o sistema de ônibus em corredores exclusivos jamais substituirão um sistema de alta capacidade como o metrô ou os trens metropolitanos, mas para alguns tipos de demanda ou regiões onde não seja viável economicamente, o BRT pode estimular o crescimento de uma região e agilizar a locomoção dos cidadãos. 
O sistema é utilizado em 42 países, sendo 170 cidades, onde 55 estão localizadas na América Latina, transportando, em média, 33 milhões de passageiros por dia.
Ônibus do sistema BRT Move de Belo Horizonte-MG.
Sistema foi classificado em 2014 como categoria "Gold" pelo ITDP.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos)
Porém, em muitos casos o BRT pode não ser o ideal para regiões altamente adensadas pelo simples fato de ser um sistema de média capacidade, o que pode ocasionar em um sistema que já iniciará as operações sobrecarregado. Além disso, por conta da falta de planejamento mais organizado e controle do crescimento da cidade de São Paulo no passado, avenidas principais e de grande fluxo são estreitas demais para implantar um corredor exclusivo, isso sem contar em alguns casos onde a topografia da região pode prejudicar a implantação e operação.
Ao contrário de Curitiba, onde boa parte da cidade teve um melhor planejamento e maior controle do uso e ocupação do solo, a capital paulista cresceu mais do que o sistema viário foi capaz de absorver, criando regiões altamente populosas com poucas vias de acesso. Um exemplo?
O distrito de Cidade Tiradentes, com cerca de 200 mil pessoas (censo 2010), não conta com nenhum modal de transportes de alta capacidade, deixando o transporte da população precário com os ônibus convencionais que não possuem capacidade de atender a imensa demanda de viagens em direção ao centro da capital ou as estações do Metrô ou CPTM.
Projeto original do Expresso Tiradentes: somente o trecho para o Sacomã e Vila Prudente foram construídos.
Fonte: SPTRANS/Plamurb.
Houve um projeto para implantar o corredor Expresso Tiradentes, que ligaria o terminal Parque Dom Pedro II até o terminal Cidade Tiradentes passando por São Mateus e Sapopemba. Porém, após diversas revisões, o projeto foi cancelado e o percurso, entre Vila Prudente e Cidade Tiradentes, deveria ser feito agora através do monotrilho da linha 15 Prata do Metrô.
Esse projeto gerou muitas dúvidas entre especialistas por não ter sido nunca implantado em larga escala no país, ainda mais em um local tão populoso no qual atenderia. O resultado disso, associados aos atrasos e problemas de planejamento, pode ser visto no engavetamento do trecho entre São Mateus e Cidade Tiradentes, e no atraso da entrega do trecho Vila Prudente - São Mateus. Atualmente, o trecho comercial da linha liga a estação Vila Prudente, onde possui transferência com a linha 2 Verde, até a estação Jardim Planalto, entregue recentemente em 2019.
Outro erro de projeto que está em muita discussão é a mudança de modal para a linha 18 Bronze do Metrô, que inicialmente previa utilizar a tecnologia monotrilho na ligação entre São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano do Sul e São Paulo. O atual governador de São Paulo, João Dória (PSDB-SP), questionou a utilização do monotrilho para o ramal, tendo em vista a demora para o inicio das obras. 
A linha será de responsabilidade do Consórcio Vem ABC, que ficará encarregado de construir e operar o monotrilho por 25 anos segundo a Parceria Público-Privado, e contará com 15 quilômetros de extensão e 13 estações. 
A polêmica fica por conta da troca do monotrilho (modal de média capacidade) por um sistema de BRT (também de média capacidade) como forma de destravar o projeto da linha e, teoricamente, criar uma ligação rápida entre as cidades atendidas e o sistema metroviário.
Diagrama da linha 18 Bronze.
Fonte: Site Consórcio VEMABC.
A questão é que o Governo Estadual pretende com essa decisão, agradar aos empresários tradicionais do setor rodoviário do ABC Paulista que, com a ligação por monotrilho, perderiam uma parcela de participação no transporte da região. Através de interesses privados e de grupos fechados, essa mudança de modal pode acarretar em muitos problemas estruturais na rota, uma vez que o corredor poderia ser facilmente implantado da forma mais barata possível, dificultando ainda mais na mobilidade já prejudicada dos passageiros do ABC. 
Trem do monotrilho da linha 15 Prata: modal e linha ainda são duramente criticados.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos).
Atualmente, o modal que mais carrega passageiros na capital é de longe o sistema de ônibus urbanos, transportando em média 12 milhões de passageiros por dia (dependendo do mês). Além de servir de ligação entre os bairros e o centro da cidade, também é utilizado em larga escala para ir dos bairros às estações de metrô ou trem mais próximas. Porém, a capacidade do sistema sobre pneus é relativamente mais baixa devido à falta de exclusividade em grandes avenidas, mesmo com as diversas faixas exclusivas em diversas vias da cidade. 
Recentemente, a prefeitura de São Paulo comemorou a marca de 2 mil novos ônibus entregues ao sistema desde 2016, mas a comemoração gerou discussões sobre a falta de estrutura para receber tantas linhas e ônibus na cidade. São apenas 130 quilômetros de corredores de ônibus, cerca de 500 quilômetros de faixas exclusivas (à direita da via normalmente), e apenas 29 terminais de ônibus municipais. A falta de exclusividade para os ônibus afetam tanto a velocidade operacional quanto o tempo de percurso da viagem, gerando a péssima reputação ao modal e desestimulando o uso como forma de deslocamento. 
A cidade conta com apenas um sistema de corredores de ônibus que se encaixa nos padrões estipulados do BRT: o Expresso Tiradentes. Foi implantado em 2007 após diversas revisões do projeto, atrasos, superfaturamentos e reduções no projeto original.  Segundo a avaliação do ITDP - Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, o corredor recebeu a categoria "Silver" (prata) do instituto, o colocando como um sistema mediano em termos de projeto.
Considerado por muitos até os dias atuais como um corredor exclusivo de ônibus simples pelo fato de muitos dos quesitos adotados em projetos serem contra a proposta do BRT, itens como:
  • O corredor foi adaptado para receber ônibus piso baixo ao invés de possuir ônibus com piso convencional e ter todas as portas ao nível da plataforma. Por conta disso, nos articulados comuns, a última porta do lado esquerdo do ônibus possui degraus para os embarques e desembarques, além do espaço entre o piso do ônibus e a plataforma. Apenas os biarticulados conseguem possuir todas as portas ao nível da plataforma já que são ônibus com piso baixo total em toda a sua extensão.
  • Trouxe impactos negativos as vias e bairros por onde se estende, com na avenida do Estado e na rua Juntas Provisórias. O efeito "minhocão" provocou degradação abaixo do elevado por onde percorre os ônibus, e sem um projeto de requalificação urbanística associado ao corredor, a região por onde o elevado atravessa é degradada e com aspectos de abandono. 
  • Originalmente previa-se a utilização de trólebus articulados e biarticulados guiados por canaletas ao longo da via do corredor, o que ocasionaria em maiores velocidades comerciais, maior segurança na direção dos veículos, e zero emissões de poluentes oriundos da queima de combustíveis fósseis. O projeto foi alterado e hoje os ônibus utilizam o diesel como matriz energética, além de não contarem com a guiagem magnética, mantendo a velocidade comercial em 50 km/h.
  • As vias do corredor foram construídas, em boa parte do percurso, em vias elevadas, o que impossibilitou a criação de faixas de ultrapassagem para criar linhas expressas ou diminuir o tempo de espera dos ônibus antes das paradas. A estrutura não pode receber melhorias e também não pode receber incrementos na estrutura, caso a demanda aumente.
  • Também é considerado como "isolado" e pouco influenciador no sistema de ônibus como um todo, uma vez que possui apenas três linhas, sendo apenas uma que opera com toda a sua extensão em corredor exclusivo: a 5105-10, entre o terminal Sacomã ao terminal Mercado. Conta com apenas 12 quilômetros de extensão de vias segregadas.
Uma solução para o problema dos corredores de ônibus em São Paulo seria a requalificação da estrutura, reformando e adequando o corredor simples para um corredor  padrão BRT com a reforma de paradas, estrutura da via e traçado. Com essa melhoria, associada a diminuição de linhas sobrepostas nos corredores para conseguir mais fluidez as viagens, a própria região ao longo do corredor poderá ser requalificada com essas melhorias.
Um exemplo de corredor que pode receber tal requalificação é o corredor Santo Amaro - Nove de Julho - Centro, que liga o terminal Santo Amaro, zona sul, ao terminal Bandeira, região central. Com a readequação das paradas, tornando-as estações com cobrança antecipada, redução das linhas sobrepostas e melhoria do viário, o corredor ganharia novas possibilidades de aumentar a capacidade e melhorar o entorno. 
Atualmente é considerado um corredor com péssima velocidade comercial e contribuiu para a degradação da região que atende após o abandono do projeto original na utilização de linhas paradoras e expressas troncais com trólebus.
Parada Alfonso Braz do Corredor Santo Amaro.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos)
É importante destacar que um sistema de BRT deve possuir, segundo as diretrizes que o ITDP exige, os seguintes itens:
  • Estações com cobrança antecipada, retirando a necessidade de dupla função do motorista e melhorando o embarque e desembarque. 
  • Plataforma de embarque em nível com o piso interno dos ônibus, facilitando a acessibilidade e excluindo a utilização de escadas para acessar os ônibus.
  • Exclusividade para os coletivos, gerando melhor tempo de viagem, e faixas de ultrapassagem que possibilitam que os ônibus de linhas expressas possam passar direto pelas estações sem ter que aguardar o ônibus à frente.
  • Segregação do tráfego comum, impedindo os problemas de conflito entre os ônibus e os automóveis e outros veículos no sistema viário comum. 
  • Melhoria do entorno das estações e vias para que a região não seja afetada negativamente, assim melhorando também o sistema viário para o tráfego comum.
  • Sistema de gerenciamento de frota para que não tenha ônibus à mais que possam diminuir a fluidez do corredor e onerar os custos da operação, e não ter ônibus à menos que possam aumentar os intervalos entre os ônibus e gerar lotação nas estações.
Itens básicos para categorizar um BRT.
Foto: ITDP.
O conceito de BRT foi determinado pelo ITDP, com parcerias com entidades públicas e privadas do setor de transporte para melhorar e capacitar sistemas de transportes no mundo todo. O instituto também categoriza os sistemas de ônibus em corredores exclusivos e orienta melhorias para aumento de capacidade e tecnologia. As categorias são: 
Gold (ouro): Este é destinado aos corredores que foram avaliados por técnicos do ITDP que seguiram as exigências em projeto para o aperfeiçoamento do sistema implantado, ou seja, o corredor categorizado como "ouro" foi muito bem avaliado, seguiu a maioria dos aspectos necessários para um corredor BRT de alta qualidade e padrão internacional e possui uma grande chance de impactar o transporte na cidade ou região beneficiada.
Silver (prata): Essa categoria é destinada aos corredores que possuem um bom desempenho operacional e com um bom custo-benefício ao sistema, podendo inclusive ser aprimorado para aumentar seus impactos positivos no sistema de transportes da região.
Bronze: Categoria destinada aos corredores que correspondem à algumas das exigências do Instituto, tais como um projeto relativamente bom e seguindo conceitos internacionais e com bons índices operacionais. 
BRT Básico: Essa categoria foi criada para os corredores que possuem critérios mínimos para se categorizarem como BRT, mas que não atendem à muitas das exigências de projeto e operação mínimas. Ou seja, é uma categoria muito abaixo dos níveis de qualidade de um BRT, mas podendo serem aprimorados para a melhor operação do sistema.
As três principais categorias do BRT.
Fonte: ITDP.org
O BRT em São Paulo também pode ser utilizado como estruturador em grandes avenidas em que não são economicamente viáveis de se construir uma linha de metrô pesado, como é o caso de avenidas perimetrais, tais como a avenida Salim Farah Maluf, onde foi previsto um corredor denominado Perimetral Bandeirantes - Salim Maluf. Por ser de rápida implantação, baixo custo de obras, e melhor operação em alguns casos, o BRT possibilita a ligações de bairros de baixa e média densidade aos grandes centros geradores de demanda ou as estações de metrô ou trem. Talvez o primeiro passo para implantar mais sistemas de BRT na capital paulista seria readequar os corredores de ônibus existentes para que consigam aumentar a capacidade, o que poderia ser também o projeto piloto para que existam mais sistemas. 
Há espaço e regiões onde pode-se implantar um sistema de BRT, assim como também há regiões onde um VLT pode ser implantado para melhorar o transporte das pessoas, é necessário sempre haver estudos e projetos que organizem melhor os modais que serão implantados para que não ocorram mais casos como a Linha 15 Prata do Metrô. 
O corredor Perimetral Bandeirantes - Salim Farah Maluf:
Corredor pode receber requisitos do BRT para melhor operação.
Fonte: SPUrbanuss 
Texto e Revisão: Victor Santos.
Referências (clique nos nomes para acessar os respectivos sites): SPTrans, site VEMABC, BRT Data, ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), Plamurb.