Falando mais sobre o sistema de ônibus, o longo dos anos, o modal evoluiu ao passo em que as grandes cidades se tornavam mais dinâmicas, melhorando conceitos e tecnologias para se adequar a realidade de uma metrópole. Dentre tantos conceitos conhecidos, o sistema "Tronco-alimentador" têm ganhado mais força nos últimos anos, devido a inúmeros fatores como racionalizar as linhas de ônibus, evitando problemas operacionais, e dinamizar o sistema, aumentando a capacidade e versatilidade do modal.
Mas como se originou esse conceito? E quais suas características mais marcantes? É o que vamos abordar hoje no blog.
Origem mais conhecida do sistema
Em meados dos anos 1970, Curitiba, capital do Paraná, precisava solucionar alguns problemas que cresciam na mesma medida em que a capital paranaense crescia em tamanho e população: os congestionamentos, o crescimento desordenado e a falta de um transporte de maior capacidade. Mas, embora estivesse com um problema de cidade grande, Curitiba não contava com recursos financeiros suficientes para construir um sistema de transporte de grande capacidade como São Paulo e o Rio de Janeiro construíram naquela mesma época.
Com uma população estimada em 300 mil habitantes (números da época), a solução seria utilizar o sistema de ônibus que a capital tinha disponível, ainda que o mesmo estivesse saturado e com baixa capacidade. Já tramitava na capital um plano de reestruturar a cidade com um novo Plano Diretor que estava sendo elaborado por um consórcio entre a Sociedade Serete de Estudos e Projetos LTDA e a Jorge Wilhein Arquitetos. Uma equipe foi designada para tratar dos planos preliminares, equipe que tinha o famoso Jaime Lerner fazendo parte, sendo ele um grande pioneiro no que seria um dos mais relembrados e discutidos conceitos para o transporte sobre pneus.
Agora, ao invés de um crescimento desorganizado em diferentes partes da cidade, o desenvolvimento da capital seria a partir de eixos determinados de acordo com o Plano Diretor, onde teriam um zoneamento específico para cada eixo. E em cada eixo pré estabelecido, haveria um sistema de transporte de grande capacidade, conhecido como eixo estrutural.
Embora era estabelecido onde seria o setor de crescimento, não havia nenhuma especificação de qual modal seria utilizado para o transporte, naquela altura, haviam estudos para a implantação da primeira linha de metrô da cidade, ligando o Norte ao Sul com 14 quilômetros de extensão. O projeto foi inicialmente abandonado em favor de uma melhor estruturação do sistema de ônibus, assim, haveria mais tempo para estudar a ideia do metrô. Posteriormente a ideia foi descartada e até hoje gera discussões sobre viabilidade do sistema.
Em 1974, Curitiba entrou para a história dos transportes ao utilizar o sistema de ônibus como estruturador da cidade. Era inaugurado o primeiro corredor exclusivo de ônibus, chamados de canaletas, ou BRT nos dias atuais. Com 20 quilômetros de extensão, paradas pré determinadas e maior velocidade comercial, os ônibus expressos modificaram o transporte de Curitiba com todo o conceito da rede. Substituindo as linhas comuns de ligação bairro ao centro, modificando itinerários e integrando a linha expressa com linhas alimentadoras em terminais de integração, o modelo foi inspiração para muitos sistemas de ônibus no Brasil e no mundo.
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Biarticulado do "Expresso Ligeirão" parado em uma das estações-tubo.
Conceito serviu de inspiração para outros sistemas no mundo.
Foto: Victor Santos (autor). |
O conceito aplicado em Curitiba, denominado RIT - Rede Integrada de Transporte, possibilita que o passageiros utilize linhas alimentadoras até os terminais de integração, e depois embarque em alguma linha do expresso, ligeirinho ou interbairros sem o pagamento de outra tarifa para seguir a viagem. Ao todo, são vinte e dois terminais de integração, onde o usuário pode fazer a livre transferência entre linhas, pagando a tarifa nos acessos aos terminais, estações-tubo ou no interior dos coletivos. Este conceito de rede segue até os dias atuais, e são divididos nas seguintes categorias:
Expresso (cor: vermelho) - Linhas que circulam em eixos estruturais, por canaletas exclusivas e com ônibus de grande capacidade. Possuem paradas em estações com o pagamento antecipado da tarifa, embarque ao nível do ônibus e intervalos menores. Observação: Há o "Expresso Ligeirão" que opera com um misto de biarticulados azuis e vermelhos.
Alimentador (cor: laranja) - Linhas que circulam dentro de uma região ou bairro, com ônibus de capacidade média e com intervalos intercalados com os ônibus do sistema estrutural. Eles alimentam as linhas de maior capacidade (troncais) em terminais ou estações de integração.
Convencional (cor: amarelo) - Linhas que fazem a ligação entre uma região a outra sem trafegar por eixos estruturais. São operadas com ônibus de média capacidade. Sua função é criar viagens entre as regiões ou dentro da mesma região de forma direta e sem se sobrepor as linhas estruturais.
Interbairros (cor: verde) - Linhas que não circulam pela região central da cidade, interligando dois ou mais bairros sem cruzar com a região central. São normalmente linhas circulares com duas linhas por sentido, uma sentido horário e outra sentido anti-horário.
Circular Centro (cor: branca) - São linhas que distribuem os passageiros dentro da região central, atendendo pontos de grande concentração de serviços e comércios, conectando os passageiros que utilizam as linhas troncais até a região central e se transferem para as linhas circulares para melhor se distribuírem no centro.
Direto ou Ligeirinho (cor: cinza) - Linhas que tem com o objetivo ligar estações ou terminais de forma direta e sem passar pelos corredores estruturais e com itinerários diretos e poucas paradas.
Madrugueiro - São linhas operadas por ônibus comuns que realizam viagens durante as madrugadas para os passageiros que precisam se deslocar após o fim das operações comerciais das demais linhas.
Existem ainda alguns tipos de serviços ou linhas que fazem parte da RIT - Curitiba, mas são serviços ou linhas com outra tipologia de operação, são elas:
Acesso - É um serviço criado para complementar a rede com um serviço especial para usuário com algum grau de deficiência física ou mental, ou passageiros com necessidades especiais. O serviço é operado por micro-ônibus e faz o percurso "porta à porta", levando o usuário da residência ao serviço de saúde e vice-versa.
Ensino Especial (SITES) - Denominado "Sistema Integrado de Transporte de Ensino Especial, são linhas que fazem o transporte de alunos com necessidades especiais para as instituições de ensino de forma gratuita e com veículos acessíveis.
Turismo - Linha com a função de circular por locais de interesse turísticos da capital paranaense, passando por parques, museus e monumento históricos. Possui veículos diferenciados e tarifa maior.
Interhospitais - Linha que liga os principais hospitais e laboratórios do centro da cidade e na região.
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Composição e categorias da frota de Curitiba (PR).
Fonte: Urbs/Curitiba (internet). |
Conhecida como "A pioneira do BRT", Curitiba segue até os dias atuais com o mesmo tipo de sistema tronco-alimentador, embora ainda precise de pontos a serem modernizados e muito se discute sobre a volta dos estudos para a construção de um sistema de metrô, sobretudo com a saturação do sistema de ônibus desde o início dos anos 2000.
Seguindo o exemplo de Curitiba, cidades como São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro, Bogotá (Colômbia), e Quito (Equador) reestruturaram seus sistemas sobre pneus para melhor capacitá-los para os novos tempos. Atualmente, a rede tronco-alimentador faz parte da maioria dos planos de mobilidade urbana das grandes cidades, sobretudo em cidades que precisam racionalizar frota, linhas e custos com a operação.
Mais sobre uma rede tronco-alimentador
Em uma rede assim, as linhas comuns que partem dos bairros em direção ao centro ou para outras regiões geradoras de viagens são substituídas, muitas vezes, por linhas troncais e linhas alimentadoras, o que diminuiu a quantidade de linhas de ônibus que circulam pelas mesmas vias, reduzindo o conhecido "trânsito de ônibus" em paradas ao longo das vias.
Uma das eficiências de se ter uma rede assim é articular melhor a demanda e frota de ônibus em linhas que, preferencialmente, não deveram se sobrepor mas sim se complementar dentro de uma rede. Contudo, é necessário que o gerenciamento da rede efetue campanhas para justificar aos passageiro o porquê é melhor e mais confiável realizar uma ou duas transferências para completar seu trajeto.
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Modelo de rede com linhas comum (bairro-centro).
Autoria da imagem: Victor Santos. |
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Esquema de rede com linhas alimentadoras, troncais paradoras e expressas.
Autoria da imagem: Victor Santos |
Um dos conceitos de rede com linhas tronco-alimentadoras é descrita por Antônio Clóvis "Coca" Ponto Ferraz e Isaac Guillermo Espinosa Torres no livro
Transporte Público Urbano (2004, 2ª edição p. 140), "São redes constituídas de linhas-tronco ao longo dos corredores de maior demanda, operadas por modos de transporte de maior capacidade [...] e que são conectadas em várias estações (terminais) localizadas ao longo do percurso com linhas operadas por ônibus comum ou micro-ônibus."
Ainda no mesmo livro, as linhas de transporte público podem ser classificadas como:
Troncal - Linhas que circulam em eixos estruturais com grande concentração de demanda de passageiros, sendo a sua função a de transportar os passageiros de uma região à outra utilizando as vias estruturais. Normalmente são utilizadas em grande escala na ligação de terminais em bairros aos terminais centrais ou de outras regiões. Também são classificadas como linhas estruturais em algumas cidades.
Expressa - Linhas com poucas ou nenhuma parada entre o ponto inicial e o ponto final, dispostas na rede para diminuir o tempo de percurso dos passageiros em relação as linhas paradoras, e também distribuir melhor os passageiros em pontos de maior demanda ao longo do trajeto. Também são classificadas como "semi expressas" as linhas com poucas paradas no percurso, normalmente em pontos de maior demanda. Há locais que classificam linhas expressas como linhas diretas.
Alimentador - Como o próprio nome diz, são linhas que alimentam as linhas troncais em terminais ou estações de transferência, sendo elas localizadas nos extremos ou no meio das linhas troncais. Circulam por bairros da mesma região, trazendo os passageiros dos bairros para as linhas estruturais de uma forma mais eficiente, assim, distribuindo os passageiros dentro da mesma região. Também são classificadas como linhas locais em alguns sistemas.
Convencional - Esse tipo de linha tem duas funções dentro do sistema, sendo a de de captar passageiros de uma região e transportar para outra, distribuir a demanda em uma região distinta a origem da linha e transportar passageiros de um ponto a outro na mesma região.
Seletiva - Com tarifa diferenciada e ligando dois pontos de maior interesse, as linhas seletivas fazem o serviço complementar de uma rede de transportes, possuindo um serviço diferenciado com ônibus denominados executivos e transportando apenas passageiros sentados. Normalmente, interligam a região central ou os terminais rodoviários à pólos de interesse como aeroportos, regiões hoteleiras, estações centrais de trens ou aeroportos.
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Esquema de rede tronco-alimentador com linhas interbairros, circulares e convencionais.
Autoria da imagem: Victor Santos. |
E dentro do mesmo conceito de rede, ainda existem os tipos de traçados de acordo com suas características, sendo classificadas como:
Radial - Linha que liga a área central da cidade com outra região, normalmente denominadas de "linhas bairro-centro".
Diametral - Linha que interliga duas regiões diferentes atravessando a área central da cidade. Há casos de linhas diametrais que não passam pela área central.
Circular - Tipo de linha que une diversas regiões da cidade com um trajeto formando um círculo fechado em volta da área central ou de uma região, atendendo diversos bairros em um único trajeto. Em geral, são linhas que possuem dois pares de trajeto: um circular "horário", e um circular "anti-horário", para atender as regiões com maior eficiência.
Interbairros - Assim como as linhas diametrais, este tipo de linha interliga duas ou mais regiões distintas, porém neste caso sem passar pela área central da cidade. Seu principal objetivo é atender diversos pólos de atração importante sem atravessar regiões centrais.
Local - Interliga bairros dentro de uma mesma região/zona, sendo sua função a de distribuir os passageiros dentro da área de influência da linha.
Embora inicialmente pode causar descontentamentos aos passageiros por terem que fazer uma transferência no meio do percurso, ao invés de ir do bairro à região de destino, uma rede tronco-alimentadora pode tornar a viagem mais cômoda e menos torturante aos passageiros com a flexibilidade e melhor operação das linhas troncais (expressas ou paradoras). Se bem implementada, uma rede como esta pode trazer benefícios aos passageiros, com menos perda de tempo e mais conforto, e as próprias gestoras e empresas do sistema, que podem racionalizar as linhas e frota sem o prejuízo aos passageiros e operadores, tornando os ônibus mais atrativos como forma de locomoção dentro de uma grande cidade.
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Diagrama com os tipos de traçado de linhas.
Autoria da imagem: Victor Santos |
São Paulo e sua rede tronco-alimentador: Há anos tentando implementar seu sistema
Os primeiros vestígios que São Paulo precisava criar seu sistema tronco-alimentador surgiram em meados de 1970, com o aumento da procura por ônibus na capital, gerando muitos problemas operacionais e excesso de linhas de ônibus partindo dos extremos até a região central da cidade. Do problema a ser solucionado, veio um dos mais famosos planos de reestruturação das linhas municipais de São Paulo, o Plano SISTRAN.
Resumidamente, o SISTRAN - Sistema Integrado de Transportes, foi elaborado em 1977 pela recém crida Diretoria dos Sistemas de Trólebus, de responsabilidade de CMTC - Companhia Municipal de Transportes Coletivos, até então gerenciadora do sistema de ônibus. Os objetivo principais eram reorganizar as linhas de ônibus, ampliar a rede de atendimento, aumentar a frota de trólebus, criar corredores exclusivos e estruturar a rede utilizando o método "tronco-alimentador".
Basicamente, a ideia do projeto era criar corredores com a operação exclusiva de linhas troncais (expressas e paradoras) operadas por trólebus, sendo estas linhas alimentadas por ônibus convencionais em terminais de integração, com as linhas alimentadoras que partiriam para os bairros.
A questão que chama a atenção no plano era justamente por utilizar os trólebus, padron e articulados, para a operação nas linhas troncais, terminal à terminal, em corredores exclusivos e em linhas expressas (embarcando e desembarcando apenas em paradas de maior movimento) e paradoras (parando em todos os pontos ao longo do corredor).
As linhas seriam alimentadas por ônibus à diesel que deveriam operar somente dentro de uma região, captando os passageiros e os levando até os terminais de integração com os trólebus. A integração, denominada como "ônibus-trólebus" era feita de forma gratuita, ou seja, o usuário que embarcasse em alguma linha local em direção ao terminal, efetuaria o pagamento no interior do ônibus e ao chegar no terminal não pagaria novamente para embarcar nas linhas troncais ou em outras linhas alimentadoras. Essa integração também valia para os passageiros oriundos das linhas troncais que chegassem ao terminal, ou para os passageiros que fossem embarcar em algum terminal, o pagamento da tarifa era feito antes da entrada ao terminal, o que agilizava o embarque nos ônibus.
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Mapa da rede de trólebus e corredores em meados dos anos 1980.
Nota-se as integrações nos terminais existentes.
Foto retirada do site Tramz, Allen Morrison. |
Mesmo sendo um plano ambicioso, que envolveu empresas ligadas ao setor rodoviário, foi para o conjunto de planos e projetos voltados ao transporte que foram engavetados ou concluídos em partes, o que gerou poucos rendimentos. As partes concluídas do projeto foram os terminais de ônibus Casa Verde, Penha, São Mateus (original de 1985), Santo Amaro, e Vila Prudente, além dos corredores exclusivos para os trólebus da Paes de Barros, zona leste, e Santo Amaro, zona sul, sendo estes dois os primeiros corredores exclusivos para ônibus da capital paulista.
O projeto foi o primeiro resquício que São Paulo tentava recriar a sua rede de linhas de ônibus para se aproximar mais do conceito "tronco-alimentador", ao invés de possuir diversas linhas ligando os bairros ao centro de forma conflitante e operacionalmente inviável.
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Corredor Paes de Barros recém entregue.
Corredor era alimentado por linhas locais no terminal Vila Prudente.
Foto: retirada do site Tramz, Allen Morrison. |
Houve outros casos de remodelagens que São Paulo fez utilizando esta mesma concepção, como foi o caso do corredor da Cachoeirinha (Inajar de Sousa - Rio Branco - Centro) nos anos 1990 com a inauguração do Terminal de Transferência Vila Nova Cachoeirinha (T.T.V.N.Cachoeirinha), na zona norte de São Paulo. As linhas foram remanejadas dos bairros para o terminal, onde os passageiros se integravam gratuitamente para as linhas em direção as estações de metrô ou para o centro da cidade utilizando o corredor exclusivo.
Outros casos de racionalização das linhas foi com a inauguração dos corredores Itapecerica - João Dias - Santo Amaro (em 2000), Pirituba - Lapa - Centro (em 2003), Campo Limpo - Rebouças - Centro (em 2004), Parelheiros - Rio Bonito - Santo Amaro (em 2004), Jardim Ângela - Guarapiranga - Centro (em 2004), e o mais famoso deles, o Expresso Tiradentes (em 2007).
O caso do Expresso Tiradentes, antes Fura-Fila e Paulistão, foi muito peculiar ao redimensionar diversas linhas da região do Sacomã e Ipiranga, que antes seguiam até o centro de São Paulo ou para a região sul, e agora fazem ponto final no terminal do Expresso Tiradentes no Sacomã. O mesmo ocorreu com diversas linhas intermunicipais gerenciadas pela EMTU/SP, o que gerou muita revolta e questionamentos da população sobre a medida.
Foi necessário a criação de uma integração tarifária entre as linhas metropolitanas e as linhas municipais de São Paulo, até então isso nunca havia acontecido antes uma vez que se trata de sistemas de bilhetagem eletrônica e tarifa diferentes. Hoje, o passageiro que utiliza as linhas metropolitanas até o terminal Sacomã, pode, utilizando o bilhete BOM, se integrar ao sistema municipal de forma eficiente e sem gerar maiores gastos.
O modelo "tronco-alimentador" neste caso específico gerou dúvidas no inicio, embora já houvesse muitos outros casos na cidade que seguiram o mesmo projeto, mas ao longo do tempo foram sendo resolvidas algumas questões e hoje o sistema é modelo para muitas outras cidades.
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Área interna do terminal Sacomã.
Linhas locais e metropolitana alimentam o corredor Expresso Tiradentes.
Foto: Gustavo Bonfate. |
O problema do sistema que a SPTrans, gerenciadora das linhas municipais de São Paulo, é tentar implementar o conceito de rede "tronco-alimentador" sem dois pilares fundamentais para constituir esta rede: um corredor exclusivo de ônibus em um eixo estrutural, e terminais ou estações de transferência para que os passageiros possam se integrar sem maiores transtornos.
Sem a exclusividade para os ônibus em linhas estruturais, a eficiência do sistema é colocada em questionamento, uma vez que sem uma infraestrutura preparada para a grande demanda esperada, as linhas perderam tempo em congestionamentos e excesso de paradas devido a não reestruturação da rede.
Em 2015, a SPTrans reformulou as linhas noturnas, que circulam no período da madrugada, criando uma rede tronco-alimentadora. Sendo assim, criou-se linhas locais que, com intervalos entre 30 e 40 minutos e atendendo os bairros em um trajeto circular, alimentariam as linhas estruturais, estas com intervalos entre 15 e 20 minutos, em terminais ou estações para que o passageiros pudesse se deslocar de maneira ágil e segura nas noites paulistanas.
Com linhas interessantes e até ligações que não existem durante os dias, as linhas noturnas foram elogiadas por diversos aspectos, seja pela comodidade em trocar de linha dentro dos terminais sem grandes entraves, ou possuir ligações entre terminais rápida e eficiente. A SPTrans ainda estuda, se baseando no edital da licitação dos transportes da capital, implementar a mesma tipologia de rede para as linhas comuns, embora isso ainda pareça distante.
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Mapa da rede de ônibus noturnos de São Paulo (clique para ampliar).
Fonte: SPTrans (2019). |
Um dos maiores pesares da gerenciadora é "forçar" os passageiros a desembarcarem de linhas alimentadoras, que antes seguiram para regiões de interesse e foram remanejadas em favor do "racionamento de linhas", e terem que aguardar o ônibus seguinte em locais como pontos de ônibus comuns, sem informações ou locais cobertos em alguns casos. Isso gera o descontentamento da população, que sempre reclama do tempo de espera das linhas para continuar o percurso, muitas vezes demorando mais que o tempo de viagem.
A SPTrans alega, em algumas vezes, que isso faz parte da proposta de reestruturação do sistema, e que para melhorar a eficiência e racionalizar as linhas, faz os cortes no trajeto de muitas linhas que se sobrepõe as linhas de maior capacidade. O problema é quando os cortes em linhas ocorre e as poucas opções que sobram, que as vezes não se tornam opções de verdade, não são reforçadas para receber a demanda das linhas canceladas. Isto, associado ao fato que não há corredores exclusivos em boa parte da cidade, aumenta a insatisfação dos passageiros, incentivando o uso de outros modos de transporte.
Mas e a questão da falta de terminais e corredores? A autarquia diz que há diversos projetos para a implantação de corredores e terminais, mas isso a longo prazo e que possivelmente precisarão de mudanças de projeto.
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Excesso de baldeações ou locais não adequados aumenta insatisfação com o sistema.
Foto: Créditos ao autor. Fonte: retirado da internet. |
Enquanto as soluções para estes problemas de transbordo "no meio da rua" não chega, resta os passageiros terem paciência ao aguardar as linhas em pontos com pouca infraestrutura para a demanda, ou fazer itinerários maiores para não esperar tanto.
O que "salva" a capital de um colapso no sistema de ônibus é de longe o sistema metroferroviário, que absorve uma grande demanda procedente dos bairros nos extremos. Uma boa parcela dos passageiros utilizam as linhas alimentadoras em direção as estações do metrô ou da CPTM, deixando de seguir por ônibus, com capacidade média, para seguir por um modal de maior capacidade, embora esteja superlotado e que não atende completamente à todos os bairros da cidade, enquanto a CPTM atende os extremos da cidade e as cidades da região metropolitana de São Paulo.
Quando foi inaugurado por completo a primeira linha de metrô de São Paulo, em 1975, muitas linhas de ônibus passaram a alimentar a então linha Norte-Sul, hoje linha 1 Azul, e integrar o sistema em terminais preparados para receber os ônibus. Isso também aconteceu com a inauguração das demais linhas nos anos seguintes.
Por fim, o sistema de ônibus "tronco-alimentador" já provou ser muito eficiente e importante para a evolução do modal, acompanhado o crescimento constante de uma grande cidade e de suas respectivas demandas. Um sistema de ônibus não pode se limitar apenas a novos ônibus ou melhores linhas, mas sim melhorar todo o modal para que a necessidade de um transporte seja suprida e seja utilizada pela população.
Mas assim como qualquer projetou ou conceito, deve ser estudado e adaptado a realidade de cada sistema de ônibus, porém mantendo seus princípios básicos de operação e conceituação, sem destorcer a rede de ônibus e alegar "estruturação".
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Terminal de transferência Vila Nova Cachoeirinha.
Foto: Gustavo Bonfate. |
Texto e revisão: Victor Santos
Referências bibliográficas:
Transporte Público Urbano (Antônio Clóvis "Coca" Pinto Ferraz e Isaac Guillermo Espinosa Torres, 2004, 2ª edição).