sexta-feira, 26 de abril de 2019

70 anos de trólebus no Brasil - Um potencial perdido

Trólebus de 15 metros, um dos mais comuns da cidade.
Foto: Victor Santos (autor).
No último dia 22 de abril, completou-se 70 anos desde que o primeiro trólebus entrou em operação em São Paulo, e consequentemente no Brasil, em 1949, quase um século desde que o modal foi implantado, atravessando gerações e mudanças significativas no transporte em geral. O trólebus passou por grandes avanços tecnológicos, expandiu-se por diversas cidades brasileiras, fez parte de grandes projetos voltados para o transporte público, e conquistou o seu lugar na história de muitos sistemas de transporte.
Mas em contrapartida, o modal hoje se limita à três sistemas em operação no Brasil, sendo eles na cidade de São Paulo (SP), na região do ABC Paulista, e na cidade de Santos (SP), que somam ao todo 243 quilômetros de rede, 21 linhas, e 302 veículos, entre padron e articulados. Para um modal que esteve presente em quase todas as regiões do país, chegando a 11 cidades no final dos anos 1960, e mesmo após comprovar sua eficiência energética, operacional e ecológica, e um sistema considerado subutilizado no país. Se é tão viável investir em um sistema com o trólebus, por que não ampliar suas operações?

O primeiro fator que impediu a grande expansão dos trólebus nos últimos 20 anos é em relação ao interesse das empresas privadas contratadas pela gestão pública para a utilização dos ônibus elétricos em linhas regulares, alegando alto custo de implantação, manutenção e operação se comparado a um sistema de ônibus convencional (à diesel). 
A série de desestatizações ocorridas nos anos 1990 fez com que os trólebus fossem operados agora por empresas privadas, e não demorou para que o sistema enfrenta-se uma série de desativações e abandono, como aconteceu entre 2001 e 2003 durante a reestruturação do transporte por ônibus de São Paulo. 
Dos 343,4 quilômetros de rede aérea que a capital paulista possuía, apenas 201 quilômetros estão em operação nos dias atuais, sendo estes restritos à zona leste e a região central da cidade.
A falta de interesse do setor privado associados aos interesses políticos acarretaram no abandono de uma tecnologia limpa e eficiente, se provando superior em diversas características em relação aos ônibus à diesel.

O custo maior é com a implantação da rede aérea, postes de sustentação e subestações de alimentação de energia. Os veículos com tecnologia trólebus também possuem um custo de aquisição superior ao de um ônibus comum. Contudo, o tempo de vida útil de um trólebus, associado aos benefícios de uma rede aérea conservada, pode ser muito mais benéfica para os custos de manutenção e operacional de uma empresa.
Embora possua sim um alto custo de implantação, o trólebus dispõe de vantagens que os ônibus movidos à diesel não possuem, independente da tecnologia adotada. As vantagens são:
Maior vida útil dos veículos - 30 anos em média é o tempo de vida útil de um trólebus, enquanto os ônibus comuns não passam dos 10 anos sem apresentar desgastes na carroceria ou no motor.
Menor índice de poluição - Como utiliza energia elétrica para se locomover, os trólebus não emitem Monóxido de Carbono (CO²) na atmosfera, gases tóxicos e nocivos a vida. Além disso, por utilizar motores elétricos e de baixa emissão de ruídos, os trólebus conseguem ser mais silenciosos que os ônibus tradicionais, o que contribui para a melhor convivência de moradores ao longo das rotas.
Maior potência sem incômodos - Diferentemente dos ônibus movidos à combustão, os trólebus tem como principal diferencial a sua grande potência nas arrancadas, que são contínuas e suaves. Em compensação, os ônibus comuns possuem arrancadas lentas e com solavancos devido as transmissões existentes, enquanto os trólebus são desprovidos desse incômodo.
Energia renovável - O trólebus utiliza uma energia renovável para seu deslocamento, uma vez que o diesel, derivado do petróleo, não possui como característica uma fonte renovável.

Como todo o modal de transportes, os trólebus possuem suas desvantagens que, para muitas empresas, é o que impede sua ampliação nas operações. Com os avanços tecnológicos, muitas destas desvantagens foram resolvidas ou desclassificadas como impedimentos para não utilizar o sistema. Tais como:
Depende da rede aérea para se locomover - Os trólebus mais atuais possuem baterias que são utilizadas em caso de queda de energia, problemas externos ou em rotas expandidas que são desprovidas de uma rede aérea. Há também a possibilidade de um trólebus híbrido, que funciona como trólebus em rotas com a rede aérea, como também funcionam em locais sem a rede aérea utilizando um motor elétrico movido à baterias.
Fiação exposta - Outro problema relativo aos trólebus é o fato da sua fiação ficar ao ar livre, problema esse também resolvido com métodos urbanísticos adotados como postes arquitetônicos e aterramento da fiação elétrica dos postes.
Alto custo de implantação - Como já citado, o custo de implementar um sistema de trólebus é elevado em comparação as linhas de ônibus comuns. 
Trólebus operando no corredor Paes de Barros:
Em corredores, o modal é capaz de atingir melhor a sua eficiência.
Foto: Victor Santos (Autor).
Claro, considerando todo o contexto, não seria viável adotar os trólebus em todas as linhas de uma cidade com as proporções que São Paulo possuem, ainda mais devido aos custos de implantação, altos para o modal. Segundo a publicação "E se...O sistema trólebus de São Paulo fosse ampliado em todos os corredores da cidade?" de Thiago Silva (Plamurb, 2019), "É viável ampliar o sistema trólebus nos corredores, já que nesses locais, tais veículos possuem um desempenho excepcional." Com uma alta taxa de aceleração alta, potência superior aos dos ônibus comuns, e, sobretudo, menor índice de poluição sonora e ambiental, os trólebus poderiam ter uma maior utilização em um sistema tronco-alimetador, onde as linhas de ônibus comuns alimentariam as linhas de trólebus que trafegariam em corredores exclusivos.
No passado, a extinta CMTC - Companhia Municipal de Transporte Coletivo elaborou junto ao seu corpo técnico o Plano SISTRAN, que previa a utilização dos trólebus em corredores segregados com linhas expressas e comuns, sendo estas integradas em terminais com linhas locais operadas com ônibus comuns. 
Desse ambicioso projeto, apenas os corredores Paes de Barros (1980) e Santo Amaro (completado em 1987) realmente saíram do papel, sendo hoje o corredor da Paes de Barros o único a possuir a ligação troncal entre a Vila Prudente e o terminal Parque Dom Pedro II com os trólebus.
Caso a SPTrans e a prefeitura de São Paulo resolvessem retificar os 12 corredores de ônibus existentes na cidade para se adequarem aos padrões técnicos do BRT - Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido de Ônibus, uma das possibilidades para melhorar o desempenho energético e operacional é utilizar os trólebus para as ligações trocais. Com isso, associado a projetos urbanísticos para melhorias, os corredores poderiam apresentar melhores índices de conforto, segurança e operação, além de poderem contribuir para melhorar as regiões por onde passam, impactando menos na urbanização.

As possibilidades que o Brasil perdeu ao implantar novos sistemas de BRT sem utilizar os trólebus
Entre 2010 e 2017, muitas cidades brasileiras implantaram novos sistemas de corredores exclusivos de ônibus para adequarem o seu transporte por ônibus as novas demandas por um transporte mais eficiente. A maioria dos sistemas implantados foram impulsionados pelos grandes eventos que ocorreriam entre 2014 e 2016, como a Copa FIFA 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Dentro todas as cidades, o Rio de Janeiro (RJ) foi o que mais implantou corredores BRT para atender as demandas dos eventos e, evidentemente, a população carioca que, mesmo contando com ligações ferroviárias, é desprovida de um sistema de transporte eficiente. 
Ao todo, foram implementados 125 quilômetros de corredores, sendo três diferentes eixos: Transcarioca, com 39 quilômetros e 45 estações, Transolímpico, com 26 quilômetros e 18 estações, e o Transoeste, o maior da cidade com 60 quilômetros e 62 estações.
BRT do RIO: Sistema é inovador em muitos aspectos, porém errou
em não incluir tecnologias não poluentes em seus veículos.
Foto: site BRT RIO.
Embora possua um projeto inovador, o corredor opera hoje com toda a sua frota de articulados movidos à diesel, o que descaracteriza o modal como transporte menos poluente, mesmo utilizando tecnologias menos poluidoras em seu motor.
Haveria a possibilidade de utilizar os trólebus na frota para que os impactos ambientais fossem amenizados, além de poder gerar mais economia com óleo diesel, menor custo de operação, e conquistar novos horizontes como utilizar os trólebus em um sistema de BRT.
Hoje, os problemas relativos à manutenção de motores a combustão poderiam ter sidos evitados na utilização de modernos trólebus, evitando problemas relativos aos ônibus comuns já citados. Com os ônibus menos tempo parados para realizar manutenções, as operações não seriam prejudicadas, e a rentabilidade do sistema estaria estabilizada. 
Além de tudo, um sistema de BRT com a tecnologia trólebus poderia dispor de novas tecnologias para melhorar o rendimento e a operação do sistema, como, por exemplo:
Guiagem lateral ou central - Em Nancy, França, os trólebus mais modernos utilizam guiagem por meio de um trilho central, o que assegura uma melhor dirigibilidade e proporciona uma maior velocidade com segurança. Com esse item instalado em corredores, pode melhorar a operação com maior precisão de parada nas estações e velocidades comerciais maiores. 
Maiores ônibus por um menor custo - Pode-se adotar trólebus biarticulados nas operações , semelhantes aos movidos à diesel, porém com menor custo de operação devido a utilização de energia elétrica para locomoção. Os biarticulados com tecnologia trólebus podem gerar menores custos nas operações um maior número de passageiros transportados por viagem.

Por fim, mesmo com o reconhecimento da eficiência que o trólebus pode proporcionar, não há projetos para novos corredores BRT utilizando a tecnologia. Para que os novos corredores de ônibus que estão sendo construídos no país possam contribuir não somente para a mobilidade urbana da cidade, mas como para o meio ambiente, é preciso levar em consideração a possibilidade de utilizar os trólebus em novos corredores, caracterizando o corredor como um sistema de transporte limpo.
Corredor "TroleBús" em Quito, Equador: Sistema foi um dos primeiro
a utilizar trólebus em vias segregadas e estações com pagamento
antecipado da tarifa em 1995.
Foto: Allen Morrison (fonte)
Potencial perdido no corredor Expresso Tiradentes
Por muito pouco, e pela má gestão pública, São Paulo quase teve um sistema de VLP - Veículo Leve sobre Pneus em massa na cidade, quando em 1995 o então prefeito Paulo Maluf (na época filiado ao PPB) lançou o projeto do Fura-Fila, que seria uma rede de corredores de ônibus operados com trólebus articulados de biarticulados de última geração.
Em 1998 foi apresentado na ExpoBus um protótipo de um biarticulado de fabricação nacional que seria utilizado no projeto, este sendo o primeiro biarticulado de 25 metros com a tecnologia trólebus no país. Ele possuía toda a sua estrutura inspirada em um trem de metrô: Portas dos dois lados elevadas para estarem niveladas as plataformas, ar condicionado, sistema de monitoramento das portas e anúncio das estações.
Embora revolucionário, o projeto original não seguiu em frente, sendo abandonado de vez pela gestão municipal de Marta Suplicy (na época afiliada ao PT-SP), onde adaptou todo o projeto que, somente seria concluído em pequena escala pela gestão de José Serra (PSDB-SP) em 2007 com o nome de "Corredor Expresso Tiradentes".

Utilizando o pouco que se foi construído do Fura-Fila, o Expresso Tiradentes nada remete ao projeto original que o corredor previa utilizar, com sistemas avançados para a época e guiagem lateral para aumentar a velocidade comercial do eixo. Mesmo caracterizado como BRT pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, ou com a sigla em inglês ITDP, o corredor pouco influenciou nas regiões em que foi construído, o que gerou problemas urbanísticos devido à não ter sido concebido com um projeto de melhoria do entorno do eixo implantado, ao longo das avenidas do Estado e Juntas Provisórias. 
Biarticulado trólebus do Fura-Fila em testes: projeto original foi logo abandonado.
Foto: Sergio Martire (fonte: Tramz)
Originalmente, o Expresso Tiradentes deveria chegar aos seus 32 quilômetros de extensão, ligando o terminal Parque Dom Pedro II, no centro de São Paulo, até o terminal Cidade Tiradentes, zona leste paulistana. Porém, atualmente o corredor possui 9,7 quilômetros de extensão e utiliza ônibus comuns nas operações, entre articulados e biarticulados. Todo o projeto de estações com plataforma alta (alinhada ao piso dos ônibus), utilização de trólebus e um sistema de guiagem para aumentar a segurança e a velocidade comercial, foi abandonado em favorecimento das empresas privadas que não estavam dispostas a ter ônibus exclusivos para este corredor.
Há muitas discussões sobre eletrificar toda a extensão do corredor para melhorar o desempenho das linhas, mas isso não está em nenhum projeto futuro da prefeitura de São Paulo. Mesmo que estudos feitos na época em que foi retomada as obras do corredor comprovem que o trólebus era a melhor opção em comparação à ônibus movidos a diesel, híbridos ou a gás natural, a estrutura foi entregue sem a tecnologia ideal para as operações.
A possibilidade de melhorar o rendimento deste corredor pode abrir horizontes para que os demais corredores da cidade possam ser eletrificados e receber os trólebus em linhas troncais, interligando regiões sem poluir a cidade.

Com os novos tempos chegando rapidamente, e a necessidade de adequar os transportes para serem eficientes em termos ambientais, os trólebus ainda estão no topo da lista de um modal de transporte com tecnologia limpa e renovável. Mesmo sendo um modal antigo, ainda possui características superiores a de ônibus movidos a diesel, elétricos autônomos (à bateria), ou híbridos.
Embora haja muitas discussões sobre um possível substituto do trólebus em um sistema de transporte, ainda não há um horizonte certo se esse possível substituto trará a mesma sorte que o trólebus teve ao longo dos seus 70 anos de existência no Brasil, enfrentando o descaso e o abandono por parte das gestões públicas.

Texto: Victor Santos
Referências bibliográficas: Plamurb (link do site clique aqui), Movimento Respira São Paulo (link do site clique aqui), ITDP (Link do site clique aqui), Tramz.com (link do site clique aqui) e BRT Data (link do site).

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