segunda-feira, 15 de abril de 2019

BRT em São Paulo: possível ou inviável?

Ônibus na linha 5105 do Expresso Tiradentes:
Atualmente o único corredor BRT de São Paulo.
Foto: Victor Santos (autor).
Muito se discute em como amenizar o caótico trânsito paulistano que é o grande gerador de problemas aos cidadãos paulistanos, que diariamente perdem horas essenciais de suas vidas em congestionamentos. Se discute qual modal será utilizado para determinados demandas, como será seu traçado e seus impactos nos transportes e na urbanização.
Na contra mão de outras grandes metrópoles ao redor do mundo, que amenizaram ou até mesmo solucionaram seus problemas de tráfego intenso nos grandes centros investindo no transporte coletivo, São Paulo demorou tempo demais para investir no sistema público de transporte de alta capacidade. Embora já existissem trens de subúrbio desde o início dos anos 1900, a primeira linha de metrô da cidade veio a ser inaugurado somente em 1974, embora antes já houvesse diversos projetos para a sua construção.
Muitos acreditam que a solução ideal para a capital paulista seria a construção de mais linhas de metrô para atender mais regiões, porém construir mais linhas de metrô sem estudos que justifiquem sua construção pode custar caro por ser um modal que exige um alto custo de implantação e operação, além do longo tempo de construção.
Mesmo assim, qual seria a lógica de construir mais linhas de metrô se a distância que os passageiros de regiões mais distantes ainda seria muito alta?
Ônibus do sistema Expresso
estacionado em uma estação padrão do BRT de Curitiba.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos).
Cada capital brasileira adotou um tipo de projeto para solucionar seus problemas de tráfego, sociais e de crescimento, utilizando muitas vezes o Plano Diretor como base para tais projetos. Muitas capitais, por não possuir uma renda muito alta ou demanda que justifique a construção de um sistema de metrô convencional, investiram no sistema de ônibus como principal meio de transporte. 
Dentre todas a capitais, a que mais se destaca e sempre é lembrada em trabalhos de faculdade e discussões é a capital Curitiba (PR), que de forma pioneira implantou o sistema de ônibus em canaletas (corredores exclusivos) em meados da década de 1970. Atualmente o sistema é chamado de BRT Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido de Ônibus em português, e foi adotado em diversas outras cidades, muitas fora do país como Bogotá (TransMilenio) na Colômbia, sendo um grande modal de média capacidade e rápida implantação. Mas antes de tudo, o que de fato é um BRT?
Sistema de BRT de Bogotá se inspirou em Curitiba e,
através de um plano reestruturador da cidade, se tornou referência mundial.
Foto: Wikipédia.
O BRT é um tipo de modal dos transportes que possui muito de sua infraestrutura aperfeiçoada para garantir mais rapidez, melhor operação e mais conforto aos passageiros do que o sistema de ônibus convencional. O BRT possui características de um sistema metroviário como segregação para os ônibus, pagamento antecipado da tarifa e embarque e desembarque ao nível do ônibus, mas possui também a agilidade de um ônibus e o baixo custo de implantação e operação. Quando associado a um bom projeto de requalificação do entorno das linhas implementadas, pode gerar impactos positivos que o próprio sistema de metrô gera quando inaugurado.

Embora erroneamente as pessoas acreditam que este sistema pode substituir uma linha de metrô convencional por ser muito mais barato em custos de implantação, é um sistema que deve complementar uma rede de transportes como um todo, tais como o próprio sistema de ônibus, sistemas de trens e transporte não motorizado (bicicletas, por exemplo).
É claro que o sistema de ônibus em corredores exclusivos jamais substituirão um sistema de alta capacidade como o metrô ou os trens metropolitanos, mas para alguns tipos de demanda ou regiões onde não seja viável economicamente, o BRT pode estimular o crescimento de uma região e agilizar a locomoção dos cidadãos. 
O sistema é utilizado em 42 países, sendo 170 cidades, onde 55 estão localizadas na América Latina, transportando, em média, 33 milhões de passageiros por dia.
Ônibus do sistema BRT Move de Belo Horizonte-MG.
Sistema foi classificado em 2014 como categoria "Gold" pelo ITDP.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos)
Porém, em muitos casos o BRT pode não ser o ideal para regiões altamente adensadas pelo simples fato de ser um sistema de média capacidade, o que pode ocasionar em um sistema que já iniciará as operações sobrecarregado. Além disso, por conta da falta de planejamento mais organizado e controle do crescimento da cidade de São Paulo no passado, avenidas principais e de grande fluxo são estreitas demais para implantar um corredor exclusivo, isso sem contar em alguns casos onde a topografia da região pode prejudicar a implantação e operação.
Ao contrário de Curitiba, onde boa parte da cidade teve um melhor planejamento e maior controle do uso e ocupação do solo, a capital paulista cresceu mais do que o sistema viário foi capaz de absorver, criando regiões altamente populosas com poucas vias de acesso. Um exemplo?
O distrito de Cidade Tiradentes, com cerca de 200 mil pessoas (censo 2010), não conta com nenhum modal de transportes de alta capacidade, deixando o transporte da população precário com os ônibus convencionais que não possuem capacidade de atender a imensa demanda de viagens em direção ao centro da capital ou as estações do Metrô ou CPTM.
Projeto original do Expresso Tiradentes: somente o trecho para o Sacomã e Vila Prudente foram construídos.
Fonte: SPTRANS/Plamurb.
Houve um projeto para implantar o corredor Expresso Tiradentes, que ligaria o terminal Parque Dom Pedro II até o terminal Cidade Tiradentes passando por São Mateus e Sapopemba. Porém, após diversas revisões, o projeto foi cancelado e o percurso, entre Vila Prudente e Cidade Tiradentes, deveria ser feito agora através do monotrilho da linha 15 Prata do Metrô.
Esse projeto gerou muitas dúvidas entre especialistas por não ter sido nunca implantado em larga escala no país, ainda mais em um local tão populoso no qual atenderia. O resultado disso, associados aos atrasos e problemas de planejamento, pode ser visto no engavetamento do trecho entre São Mateus e Cidade Tiradentes, e no atraso da entrega do trecho Vila Prudente - São Mateus. Atualmente, o trecho comercial da linha liga a estação Vila Prudente, onde possui transferência com a linha 2 Verde, até a estação Jardim Planalto, entregue recentemente em 2019.
Outro erro de projeto que está em muita discussão é a mudança de modal para a linha 18 Bronze do Metrô, que inicialmente previa utilizar a tecnologia monotrilho na ligação entre São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano do Sul e São Paulo. O atual governador de São Paulo, João Dória (PSDB-SP), questionou a utilização do monotrilho para o ramal, tendo em vista a demora para o inicio das obras. 
A linha será de responsabilidade do Consórcio Vem ABC, que ficará encarregado de construir e operar o monotrilho por 25 anos segundo a Parceria Público-Privado, e contará com 15 quilômetros de extensão e 13 estações. 
A polêmica fica por conta da troca do monotrilho (modal de média capacidade) por um sistema de BRT (também de média capacidade) como forma de destravar o projeto da linha e, teoricamente, criar uma ligação rápida entre as cidades atendidas e o sistema metroviário.
Diagrama da linha 18 Bronze.
Fonte: Site Consórcio VEMABC.
A questão é que o Governo Estadual pretende com essa decisão, agradar aos empresários tradicionais do setor rodoviário do ABC Paulista que, com a ligação por monotrilho, perderiam uma parcela de participação no transporte da região. Através de interesses privados e de grupos fechados, essa mudança de modal pode acarretar em muitos problemas estruturais na rota, uma vez que o corredor poderia ser facilmente implantado da forma mais barata possível, dificultando ainda mais na mobilidade já prejudicada dos passageiros do ABC. 
Trem do monotrilho da linha 15 Prata: modal e linha ainda são duramente criticados.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos).
Atualmente, o modal que mais carrega passageiros na capital é de longe o sistema de ônibus urbanos, transportando em média 12 milhões de passageiros por dia (dependendo do mês). Além de servir de ligação entre os bairros e o centro da cidade, também é utilizado em larga escala para ir dos bairros às estações de metrô ou trem mais próximas. Porém, a capacidade do sistema sobre pneus é relativamente mais baixa devido à falta de exclusividade em grandes avenidas, mesmo com as diversas faixas exclusivas em diversas vias da cidade. 
Recentemente, a prefeitura de São Paulo comemorou a marca de 2 mil novos ônibus entregues ao sistema desde 2016, mas a comemoração gerou discussões sobre a falta de estrutura para receber tantas linhas e ônibus na cidade. São apenas 130 quilômetros de corredores de ônibus, cerca de 500 quilômetros de faixas exclusivas (à direita da via normalmente), e apenas 29 terminais de ônibus municipais. A falta de exclusividade para os ônibus afetam tanto a velocidade operacional quanto o tempo de percurso da viagem, gerando a péssima reputação ao modal e desestimulando o uso como forma de deslocamento. 
A cidade conta com apenas um sistema de corredores de ônibus que se encaixa nos padrões estipulados do BRT: o Expresso Tiradentes. Foi implantado em 2007 após diversas revisões do projeto, atrasos, superfaturamentos e reduções no projeto original.  Segundo a avaliação do ITDP - Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, o corredor recebeu a categoria "Silver" (prata) do instituto, o colocando como um sistema mediano em termos de projeto.
Considerado por muitos até os dias atuais como um corredor exclusivo de ônibus simples pelo fato de muitos dos quesitos adotados em projetos serem contra a proposta do BRT, itens como:
  • O corredor foi adaptado para receber ônibus piso baixo ao invés de possuir ônibus com piso convencional e ter todas as portas ao nível da plataforma. Por conta disso, nos articulados comuns, a última porta do lado esquerdo do ônibus possui degraus para os embarques e desembarques, além do espaço entre o piso do ônibus e a plataforma. Apenas os biarticulados conseguem possuir todas as portas ao nível da plataforma já que são ônibus com piso baixo total em toda a sua extensão.
  • Trouxe impactos negativos as vias e bairros por onde se estende, com na avenida do Estado e na rua Juntas Provisórias. O efeito "minhocão" provocou degradação abaixo do elevado por onde percorre os ônibus, e sem um projeto de requalificação urbanística associado ao corredor, a região por onde o elevado atravessa é degradada e com aspectos de abandono. 
  • Originalmente previa-se a utilização de trólebus articulados e biarticulados guiados por canaletas ao longo da via do corredor, o que ocasionaria em maiores velocidades comerciais, maior segurança na direção dos veículos, e zero emissões de poluentes oriundos da queima de combustíveis fósseis. O projeto foi alterado e hoje os ônibus utilizam o diesel como matriz energética, além de não contarem com a guiagem magnética, mantendo a velocidade comercial em 50 km/h.
  • As vias do corredor foram construídas, em boa parte do percurso, em vias elevadas, o que impossibilitou a criação de faixas de ultrapassagem para criar linhas expressas ou diminuir o tempo de espera dos ônibus antes das paradas. A estrutura não pode receber melhorias e também não pode receber incrementos na estrutura, caso a demanda aumente.
  • Também é considerado como "isolado" e pouco influenciador no sistema de ônibus como um todo, uma vez que possui apenas três linhas, sendo apenas uma que opera com toda a sua extensão em corredor exclusivo: a 5105-10, entre o terminal Sacomã ao terminal Mercado. Conta com apenas 12 quilômetros de extensão de vias segregadas.
Uma solução para o problema dos corredores de ônibus em São Paulo seria a requalificação da estrutura, reformando e adequando o corredor simples para um corredor  padrão BRT com a reforma de paradas, estrutura da via e traçado. Com essa melhoria, associada a diminuição de linhas sobrepostas nos corredores para conseguir mais fluidez as viagens, a própria região ao longo do corredor poderá ser requalificada com essas melhorias.
Um exemplo de corredor que pode receber tal requalificação é o corredor Santo Amaro - Nove de Julho - Centro, que liga o terminal Santo Amaro, zona sul, ao terminal Bandeira, região central. Com a readequação das paradas, tornando-as estações com cobrança antecipada, redução das linhas sobrepostas e melhoria do viário, o corredor ganharia novas possibilidades de aumentar a capacidade e melhorar o entorno. 
Atualmente é considerado um corredor com péssima velocidade comercial e contribuiu para a degradação da região que atende após o abandono do projeto original na utilização de linhas paradoras e expressas troncais com trólebus.
Parada Alfonso Braz do Corredor Santo Amaro.
Foto: Acervo pessoal (Victor Santos)
É importante destacar que um sistema de BRT deve possuir, segundo as diretrizes que o ITDP exige, os seguintes itens:
  • Estações com cobrança antecipada, retirando a necessidade de dupla função do motorista e melhorando o embarque e desembarque. 
  • Plataforma de embarque em nível com o piso interno dos ônibus, facilitando a acessibilidade e excluindo a utilização de escadas para acessar os ônibus.
  • Exclusividade para os coletivos, gerando melhor tempo de viagem, e faixas de ultrapassagem que possibilitam que os ônibus de linhas expressas possam passar direto pelas estações sem ter que aguardar o ônibus à frente.
  • Segregação do tráfego comum, impedindo os problemas de conflito entre os ônibus e os automóveis e outros veículos no sistema viário comum. 
  • Melhoria do entorno das estações e vias para que a região não seja afetada negativamente, assim melhorando também o sistema viário para o tráfego comum.
  • Sistema de gerenciamento de frota para que não tenha ônibus à mais que possam diminuir a fluidez do corredor e onerar os custos da operação, e não ter ônibus à menos que possam aumentar os intervalos entre os ônibus e gerar lotação nas estações.
Itens básicos para categorizar um BRT.
Foto: ITDP.
O conceito de BRT foi determinado pelo ITDP, com parcerias com entidades públicas e privadas do setor de transporte para melhorar e capacitar sistemas de transportes no mundo todo. O instituto também categoriza os sistemas de ônibus em corredores exclusivos e orienta melhorias para aumento de capacidade e tecnologia. As categorias são: 
Gold (ouro): Este é destinado aos corredores que foram avaliados por técnicos do ITDP que seguiram as exigências em projeto para o aperfeiçoamento do sistema implantado, ou seja, o corredor categorizado como "ouro" foi muito bem avaliado, seguiu a maioria dos aspectos necessários para um corredor BRT de alta qualidade e padrão internacional e possui uma grande chance de impactar o transporte na cidade ou região beneficiada.
Silver (prata): Essa categoria é destinada aos corredores que possuem um bom desempenho operacional e com um bom custo-benefício ao sistema, podendo inclusive ser aprimorado para aumentar seus impactos positivos no sistema de transportes da região.
Bronze: Categoria destinada aos corredores que correspondem à algumas das exigências do Instituto, tais como um projeto relativamente bom e seguindo conceitos internacionais e com bons índices operacionais. 
BRT Básico: Essa categoria foi criada para os corredores que possuem critérios mínimos para se categorizarem como BRT, mas que não atendem à muitas das exigências de projeto e operação mínimas. Ou seja, é uma categoria muito abaixo dos níveis de qualidade de um BRT, mas podendo serem aprimorados para a melhor operação do sistema.
As três principais categorias do BRT.
Fonte: ITDP.org
O BRT em São Paulo também pode ser utilizado como estruturador em grandes avenidas em que não são economicamente viáveis de se construir uma linha de metrô pesado, como é o caso de avenidas perimetrais, tais como a avenida Salim Farah Maluf, onde foi previsto um corredor denominado Perimetral Bandeirantes - Salim Maluf. Por ser de rápida implantação, baixo custo de obras, e melhor operação em alguns casos, o BRT possibilita a ligações de bairros de baixa e média densidade aos grandes centros geradores de demanda ou as estações de metrô ou trem. Talvez o primeiro passo para implantar mais sistemas de BRT na capital paulista seria readequar os corredores de ônibus existentes para que consigam aumentar a capacidade, o que poderia ser também o projeto piloto para que existam mais sistemas. 
Há espaço e regiões onde pode-se implantar um sistema de BRT, assim como também há regiões onde um VLT pode ser implantado para melhorar o transporte das pessoas, é necessário sempre haver estudos e projetos que organizem melhor os modais que serão implantados para que não ocorram mais casos como a Linha 15 Prata do Metrô. 
O corredor Perimetral Bandeirantes - Salim Farah Maluf:
Corredor pode receber requisitos do BRT para melhor operação.
Fonte: SPUrbanuss 
Texto e Revisão: Victor Santos.
Referências (clique nos nomes para acessar os respectivos sites): SPTrans, site VEMABC, BRT Data, ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), Plamurb.

Nenhum comentário:

Postar um comentário