segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Por que existem duas estações na Lapa?

Trem série 8000 passando pela Linha 8
ao lado da estação Lapa da Linha 7 Rubi.
Foto: Victor Santos, 2021.
Um dos grandes problemas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, ou CPTM, é solucionar as questões herdadas das companhias ferroviárias anteriores a ela, que por consequência, prejudicam as operações diárias e a imagem da empresa. Dentre esses problemas estão as estações Lapa da companhia, sim, no plural. Essas duas estações distintas são alvos de discussões de como resolver isso, e iremos saber mais sobre elas hoje.

O bairro da Lapa já estava em amplo crescimento quando em 1867 a ferrovia passou a cortar o bairro com a linha Santos - Jundiaí da São Paulo Railway (SPR), e posteriormente instalando diversos armazéns e até mesmo suas oficinas no local. Mas a estação Lapa mesmo somente foi construída em 1° de julho de 1899, mantendo-se a mesma até os dias atuais.
Durante esse período, o bairro acabou sendo industrializado com a chegada da ferrovia, se expandindo para o norte da linha férrea, chegando as margens do Rio Tietê. Hoje é chamado Lapa de Baixo. 
Ainda hoje há uma grande quantidade de indústrias no local, enquanto a parte mais antiga do bairro, denominada Alto da Lapa, continuou com a sua economia voltada para a prestação de serviços, comércio e residências.
Estação original da Lapa
com a passarela metálica em primeiro plano.
Foto: Estações Ferroviárias, autor desconhecido.

Atual estação Lapa-SPR, agora pela Linha 7 Rubi.
Foto: Victor Santos, 2021.
A estação foi reconstruída na década de 1940, já durante a gestão da EFSJ (Estrada de Ferro Santos-Jundiaí), sucessora da SPR, para melhorar o atendimento da alta demanda dos trens urbanos daquela época. Isso causou a descaracterização da arquitetura original da estação, deixando a estação no padrão de estações dos trens urbanos da época. Nas proximidades está localizado as Oficinas da Lapa, instaladas no local na mesma época da estação.
O prédio atual utilizado pela CPTM para a Linha 7 Rubi é o mesmo desde a sua última reforma pela EFSJ, com poucas alterações feitas pela CPTM.
Trem Toshiba da Estrada de Ferro Sorocabana na
parada original da Lapa-Sorocabana (Km 7).
Foto: Estações Ferroviárias.
Em 1958 foi aberta a segunda estação no bairro, em 1° de junho daquele ano, ainda pela Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), embora a linha São Paulo – Sorocaba já estivesse em operação desde 1875 passando direto pela região.
A estação da Sorocabana foi aberta próxima da linha da SPR, no trecho onde as duas linhas das distintas companhias férreas percorriam paralelas desde a região da Luz até as proximidades da Lapa. Obviamente por serem companhias diferentes, suas estações eram separadas e distantes uma da outra.
Atual estação Lapa-Sorocabana, agora pela Linha 8 Diamante.
Foto: Wikipédia.
Pelos fatos históricos, já havia uma parada denominada como Km 7 na região para atender aos armazéns próximos, sendo inaugurado uma estação mesmo em 1958. Pouco depois da Parada do quilômetro 7 há um intercâmbio entre as duas linhas férreas da região, onde os trens poderiam acessar a linha Santos – Jundiaí ou a São Paulo – Sorocaba em vice-versa. Esse acesso ainda existe atualmente, sendo usado pela CPTM para deslocar trens entre as linhas.
Quando inaugurada, a Estação Lapa da Sorocabana era atendida por trens de bitola estreita (de 1.000 mm), mas na década de 1970 foi reconstruída para receber trens de bitola maior (1.600 mm), uma vez que a demanda cresceu nos trens metropolitanos. A reconstrução foi feita já pela Fepasa, que sucedeu a Sorocabana e passou a administrar sua rede férrea, incluindo os trens metropolitanos.
A nova estrutura foi entregue junto com a remodelação da linha entre Júlio Prestes e Itapevi em 25 de janeiro de 1979, enquanto a antiga parada junto com a passagem em nível que havia no local foi fechada. Hoje, a mesma estrutura de 1979 atende a Linha 8 Diamante da CPTM.

Até 1992 a Região Metropolitana de São Paulo contava com duas companhias ferroviárias para a operação das linhas de trens metropolitanos: a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), uma subsidiária da RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima), e a Fepasa (Ferrovias Paulistas Sociedade Anônima), esta última de administração pelo Governo do Estado de São Paulo.
Por serem companhias diferentes, nunca houve um projeto de construir uma estação única e integrada na Lapa, sendo a única conexão física e tarifária entre as duas ocorrerá somente em 1988 com a inauguração da estação Barra Funda do Metrô, que acabou por integrar as duas linhas ao metrô.
Com a chegada da CPTM em 1992, ambas as linhas foram incorporadas a malha da companhia, e a possibilidade de integrar as estações ficaram mais fáceis de serem feitas. Com a CPTM, as linhas foram renomeadas, agora a antiga linha da Santos – Jundiaí seria, em partes, a Linha A – Marrom, enquanto a antiga linha Oeste da Fepasa passou a ser a B – Cinza.

Com essa nova nomenclatura, as duas estações ficaram conhecidas como Lapa A, para a linha entre a Luz, Francisco Morato e Jundiaí, e Lapa B para a linha entre Júlio Prestes e Amador Bueno.
Em 2008 essa nomenclatura foi alterada novamente para unificar com a nomenclatura das linhas do Metrô de São Paulo, agora utilizando números e pedras preciosas no lugar das letras e cores. Sendo assim, a linha A Marrom passou a ser 7 Rubi, e a B Cinza é hoje a 8 Diamante.
Atualmente, ambas as estações possuem uma demanda alta, sejam pelas linhas de ônibus que atendem as estações ou pelo grande número de indústrias, polos de serviços e de interesse instalados nas proximidades de cada uma.
Mesmo separadas e em localizações diferentes no distrito da Lapa, os passageiros podem atravessar a ferrovia chegando por ambas as estações através das passagens subterrâneas para pedestres na região. Para quem chega pela linha 7, há também a possibilidade de cruzar a linha pela própria passarela da estação e estando fora da área paga da estação, sendo acessível até para os pedestres cruzar de um lado para o outro.
Localização das duas estações e do terminal Lapa.
Autor: Victor Santos, 2021.
E qual seria o problema de existir duas estações Lapa sem integração entre elas? O simples fato de limitar os passageiros que embarcam pela Lapa A em somente podem seguir pela Linha 7 Rubi, não permitindo que eles acessem a Linha 8 Diamante, e vice-versa. Por conta disso, os passageiros das linhas de ônibus que atendem a Lapa A não tem acesso a Linha 8 e ao terminal Lapa da SPTrans, este integrado a Lapa B somente.
A CPTM tentou há alguns anos a unificação das duas estações, separadas por cerca de 600 metros entre uma e outra. Essa ideia começou no mesmo período em que a companhia estava reconstruindo estações como Brás e Luz para a integração entre as linhas da CPTM para o Metrô, onde em ambos os casos não havia uma integração física-tarifária entre os sistemas.

Em alguns mapas do transporte metropolitano no início dos anos 2000 chegou a aparecer uma projeção da unificação das estações Lapa e Água Branca, esta última atendida apenas pela Linha 7, embora a Linha 8 passe próxima da estação. Porém, nunca houve um projeto concreto para essa unificação, e a ideia acabou por ser deixada de lado nos anos seguintes.
No caso da estação Água Branca, com a construção da Linha 6 Laranja do Metrô de São Paulo, uma das estações dessa linha será justamente na Água Branca, o que permitirá tanto a reconstrução da atual Água Branca da Linha Rubi, quanto a construção dessa estação para a Linha Diamante (trecho entre Lapa e Barra Funda).
Embora pareça ser uma solução mais fácil, a integração entre ambas as Lapas vai muito além do que construir uma passarela ou passagem subterrânea entre ambas as linhas. Ambas as estações atendem pontos específicos do distrito como falamos anteriormente, ou seja, cada uma atende demandas distintas.
Pontos de interesse ao redor das estações.
Autor: Victor Santos, 2021.
Se a CPTM optasse por construir uma nova estação ao lado de uma delas e desativando a outra, poderia desatender algum ponto entre as duas atuais estações. A Lapa da Linha 8 está integrada com o terminal Lapa e com o corredor exclusivo de ônibus Pirituba – Lapa - Centro, além de estar próxima de pontos de interesse do distrito como o Shopping Lapa, Mercado da Lapa, Poupatempo e o Estação Ciência.
Linhas integradas no terminal Lapa.
Autor: Victor Santos, 2021.
Já a Lapa da Linha 7 está localizada próxima da região comercial e industrial da Lapa, ao Largo da Lapa e a avenida Ermano Machetti (continuação da avenida Marquês de São Vicente), também com um acesso para as proximidades do Mercado da Lapa.
Ou seja, se a CPTM escolhesse uma das Lapa para ser a nova estação integrada entre as linhas, poderia gerar um certo desatendimento de ambos os lados da via férrea, fazendo os passageiros andar mais ou perdendo a integração com outros pontos de interesse.
Outra opção seria a construção de uma passagem subterrânea entre as estações atuais, permitindo a integração sem deslocar as estações dos atuais endereços. Porém, há obstáculos como as atuais passagens subterrâneas entre os dois lados da via férrea, além do Viaduto Comendador Elias Nagib Breim (Viaduto da Lapa).
Linhas que fazem ponto final na região entre
as duas estações.
Autor: Victor Santos, 2021.
Em 2020, a CPTM anunciou a concessão das linhas 8 Diamante e 9 Esmeralda para a iniciativa privada, concessão realizada em 2021 com a concorrência vencida pela Via Mobilidade, já concessionária da Linha 5 Lilás. Entre as propostas está a construção de uma nova estação Lapa para a unificação das duas atuais paradas para os trens metropolitanos.
Linhas que atendem o acesso sul da Estação Lapa-Linha 7.
Autor: Victor Santos, 2021.
O projeto prevê a construção de uma estação entre as duas linhas, não deixando de atender nenhum dos pontos de interesse na região, simplificando as operações de ambas as linhas no local. Não há uma data para a construção dessa nova estação, mas tudo indica que com o início da operação da Via Mobilidade nas duas linhas, o projeto seja retirado do papel.
Linhas que passam pela parada
Estação Ciência do Corredor Lapa - Centro.
Autor: Victor Santos, 2021.
Uma coisa em comum entre as duas estações é o fato de serem estações com poucos itens de acessibilidade (elevadores, rampas, rota tátil, entre outros), o que dificulta a utilização por pessoas com alguma restrição na mobilidade. A Lapa da Linha 7 recebeu recentemente itens como rampas para o acesso a estação e transposição de plataforma, além da comunicação visual mais atualizada. Em contraponto, a estação da Linha 8 está mais atrasada nesse quesito, sem rampas para a transposição entre plataformas, dificultando o acesso de idosos, gestantes, ou pessoas com restrição de mobilidade ao sentido Itapevi da linha.
Linhas que atendem a Estação Lapa-Linha 7 (lado norte).
Autor: Victor Santos, 2021.
Houve outros casos semelhantes no transporte de São Paulo, como os casos das estações Engenheiro Sebastião Gualberto, Carlos de Campos, Vila Matilde e Itaquera da antiga Linha E Laranja (atual 11 Coral).
Todas essas eram estações independentes, mesmo com a linha Leste-Oeste (atual 3 Vermelha) do Metrô passando ao lado da linha de trens urbanos. No ano de 2000, a CPTM desativou todas essas estações com a inauguração do Expresso Leste, agora permitindo que o passageiro faça transferência entre as linhas de trens e de metrô apenas nas estações Brás, Tatuapé e Itaquera.

Por fim, a questão das duas estações Lapa ainda pode durar mais alguns anos, ou até a CPTM definir como será feita a solução dessa questão sem gerar maiores problemas para os atuais usuários. Com a operação da nova concessionária, talvez nos próximos anos essa questão poderá ser enfim solucionada.
Projeção da nova Lapa.
Fonte: Diário do Transporte, 2020.
Texto: Victor Santos.
Fontes:

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