Em diversas publicações feitas aqui no blog, abordamos muitos
dos projetos para corredores de ônibus na cidade de São Paulo que foram
cancelados ou alterados ao longo do tempo. Entre tantos, existiu o projeto do
Corredor Penha - Centro, um corredor que receberia linhas municipais e
intermunicipais em sua estrutura. Na época, o projeto da Linha Metropolitana de
Ônibus - Trólebus Penha - Centro foi desenvolvido pela Empresa Metropolitana de
Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU-SP) em junho de 1979.
Um corredor que, hoje, poderia atender muito bem as diversas
linhas que circulam pela avenida Celso Garcia, acabou por ser cancelado com o
passar do tempo, assim como os demais corredores, municipais e metropolitanos,
projetados no período entre as décadas de 1970 e 1980.
Avenida Celso Garcia nos anos 1980. Foto: Retirado da internet, autor desconhecido. Fonte: Viva Tatuapé. |
Justamente nas décadas de 1970 e 1980, as entidade públicas pareciam
empenhadas em investir no transporte coletivo de uma maneira mais intensa,
surgindo nessa época grandes inaugurações como a Linha Norte - Sul do Metrô de
São Paulo (atual 1 Azul) em 1974, e os corredores exclusivos Paes de Barros,
Santo Amaro e São Mateus - Ferrazópolis, em 1980, 1987 e 1988, respectivamente.
Entre esses desses projetos, estava o Plano Integrado de
Transporte Coletivo, que previa a implantação de corredores exclusivos para
trólebus em toda a Região Metropolitana de São Paulo, reestruturando todo o
sistema, até então ainda precário e com problemas operacionais. Desse Plano,
estava previsto a construção de um corredor exclusivo ligando o terminal da Penha,
região nordeste de São Paulo, ao Parque Dom Pedro II, região central. Esse
projeto foi feito em conjunto com a CMTC (Companhia Municipal de Transporte
Coletivo) de São Paulo para viabilizar também as mudanças nas linhas que
circulavam pela avenida Celso Garcia. A CMTC tinha o Programa Prioritário de
Trólebus na época, baseado no Plano SISTRAN, prevendo todas essas mudanças que
o corredor traria.
Vale lembrar que até meados dos anos 1960, havia uma linha de bondes que ligava o bairro da Penha até a região central de São Paulo utilizando a avenida Celso Garcia, posteriormente desativado.
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Bonde na Praça Oito de Setembro, ponto final da linha. Foto: Earl Clark, 9/1963. Fonte: Tramz.com |
Nesse mesmo período, a EMTU estava em estudos para a
implantação da Rede Metropolitana de Trólebus (RMT), e assim reorganizar a rede
de transportes coletivos nas regiões Leste e Nordeste da cidade de São Paulo e
região metropolitana através do transporte de média e grande capacidade. Vale
lembrar que a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) ainda fazia a
operação das linhas de trens urbanos na região, e sofria para manter essa
operação com a falta de investimento na estrutura.
O corredor seria sobreposto as linhas de trens para Mogi das
Cruzes e Poá (hoje 11 Coral e 12 Safira da CPTM) e da então Linha Leste - Oeste
do Metrô (hoje 3 Vermelha), já que entre a Penha e a região central fariam um
percurso semelhante. Porém, como a rede de ônibus funcionaria de maneira mais
independente, essa sobreposição na verdade era uma complementação que faria com
que o desenvolvimento nessas regiões adjacentes ao sistema de transporte se
desenvolvessem mais.
Por fim, o Plano Integrado de Transportes da Região
Leste/Nordeste visava também a modernização dos ramais ferroviários na época, e
a implantação em conjunta com a CMTC do Corredor São Mateus. Seriam construídos terminais, novas estações
e a remodelação do sistema viário e estrutura das linhas, uma mudança bastante
audaciosa e envolvendo a Grande São Paulo. Mas desse projeto, apenas a
construção da Linha 3 Vermelha do Metrô, a remodelação das linhas da Rede
Ferroviária (isso somente veio a ser feito na CPTM a partir de 1992), e a
construção dos terminais da Penha e São Mateus, não abrangendo as demais
regiões como a cidade de Guarulhos.
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Mapa do trajeto e paradas do corredor. Mapa: Victor Santos, 2022. |
Voltando ao corredor, ele, como qualquer bom corredor
exclusivo para ônibus, previa a diminuição no tempo de viagem dos passageiros,
diminuição nas sobreposições das linhas de ônibus ao longo das avenidas, além
de permitir a melhoria no fluxo dos ônibus com a redução de veículos em um
mesmo eixo. A frequencia inicial prevista para as linhas estruturais do
corredor seria entre 80 a 110 trólebus/hora (dependendo do trecho), estes
alimentados por linhas convencionais que seriam seccionadas no então futuro
terminal provisório da Penha, onde os passageiros trocariam de linhas sem o
pagamento adicional da tarifa.
Estipulava-se que a demanda do corredor inicialmente seria
cerca de 160 mil passageiros diariamente, isso em números da época,
beneficiando muito a região com a operação exclusiva dos trólebus em vias
separadas do tráfego geral. Mas como esse corredor seria construído em uma
avenida que não possui canteiro central e tão pouco uma largura essencial, que é o caso da Celso Garcia?
Como ficaria a circulação na maior parte da avenida Celso Garcia. Foto: Retirado do Plano de Transporte Coletivo da região Leste e Nordeste de 1979 (EMTU-SP). |
A solução encontrada na época pelos projetistas foi na alteração da dinâmica e na circulação da avenida com a implantação do
corredor, além das mudanças que seriam necessárias nas ruas por onde o corredor
passaria. Na avenida Celso Garcia, onde o corredor percorreria toda sua
extensão, foi proposta que a circulação do tráfego geral fosse restrita a
apenas uma faixa de rolamento no sentido centro-bairro, enquanto o tráfego
geral no sentido bairro-centro seria restrito para outras vias como a Radial
Leste.
Consequentemente, o corredor seria projetado na área central
da avenida, sendo que em alguns trechos as vias para os ônibus ficariam
projetadas encostadas no canteiro lateral do sentido centro. Essa proposta
viabilizaria a exclusividade para os trólebus, ao mesmo tempo que não seria
necessário o alargamento da avenida nos trechos mais estreitos,
consequentemente não sendo necessário as desapropriações. As paradas nesse
trecho seriam desalinhadas para permitir a travessia dos pedestre entre as
paradas sentido centro e sentido bairro.
Tipologia das paradas que seriam construídas ao longo do corredor. Foto: Retirado do Plano de Transporte Coletivo da região Leste e Nordeste de 1979 (EMTU-SP). |
Já na região da Penha, a Rua Comendador Cantinho seria
totalmente reservada para os ônibus e trólebus, desviando o tráfego geral para
outras vias no distrito. No trecho mais central da Penha, os ônibus circularam
pela faixa da direita nas ruas até a chegada no Terminal Penha, onde as linhas
alimentadoras e troncais seriam conectadas.
O corredor ainda seria complementado pela ligação para
Guarulhos através do corredor Guarulhos - Penha, este chegando até a região
próxima do centro de Guarulhos e conectado ao corredor Tucuruvi - Cecap. Essa
rede de corredores facilitaria a conexão entre a segunda maior cidade de Grande
São Paulo com a capital paulista através de corredores de trólebus.
Proposta para a circulação dos trólebus na região da Penha. Foto: Retirado do Plano de Transporte Coletivo da região Leste e Nordeste de 1979 (EMTU-SP) |
Já na região após o Largo da Concórdia no sentido centro, o
corredor utilizaria a Rua do Gasômetro para chegar na avenida Mercúrio, onde
utilizaria também o Viaduto Diário Popular e chegar ao Parque Dom Pedro II. Na
época, ainda não existia o atual terminal do Parque Dom Pedro II, apenas baias
para o estacionamento dos ônibus. Claramente, o corredor construiria uma parada
exclusiva para os trólebus.
A volta sentido Penha seria feita pelo Viaduto 25 de Março,
chegando ao Largo da Concórdia pela avenida Rangel Pestana. Nesse trecho, com o
fluxo segue por um único sentido, a separação para os trólebus seria feita
pelas faixas exclusivas à esquerda das vias.
Proposta para a chegada do corredor onde hoje está localizado o terminal Parque Dom Pedro II. Foto: Retirado do Plano de Transporte Coletivo da região Leste e Nordeste de 1979 (EMTU-SP) |
Por falar nas paradas, todas as paradas seriam simples, com
embarque e desembarque dos coletivos feitos pelo lado direito dos ônibus, onde
as paradas se projetariam para "dentro" do corredor, criando uma baia
onde o ônibus precisa diminuir a velocidade para chegar a plataforma devido a
curva feita por essa baia. Ao todo, seriam 22 paradas construídas para o
corredor. O total de investimentos no corredor seriam de Cr$ 16.330.480,00 (valores da época).
Embora, nos dias atuais, esse corredor talvez não fosse
realmente projetado dessa maneira, levando em consideração a demanda e o fluxo
do trânsito atualmente, esse projeto nos mostra que naquela época já se previa
alguma solução para requalificar a avenida com a instalação do corredor. Se
construído, o corredor poderia ter impulsionado o crescimento ou a remodelação
da avenida, sobretudo na região do Brás, onde há um grande número de imóveis
sem grande utilização, mesma mudança que o corredor da Paes de Barros
proporcionou em 1980.
Hoje circulam, segundo a SPTrans, 30 linhas de ônibus que percorrem pela avenida Celso Garcia, atendendo cerca de 180 mil passageiros por dia, e mais três linhas metropolitanas para as cidades de Arujá
e Guarulhos.
A Celso Garcia e suas continuações hoje estão saturadas com o
tráfego de automóveis e ônibus excessivo e misturados. Existem faixas
exclusivas de ônibus à direita das vias e até meados de 2018 existia a operação
exclusiva para os ônibus no sentido bairro-centro.
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Somente os trólebus da linha 2290-10 Terminal São Mateus/Terminal Parque Dom Pedro II circula por boa parte da avenida Celso Garcia. Foto: Victor Santos, 2020. |
Do projeto mesmo somente saiu o contra-fluxo dos ônibus no
sentido centro (este extinto), o terminal Penha (alterado), e algumas linhas de trólebus sem exclusividade, enquanto toda a concepção do
projeto foi esquecido ao longo dos anos, algo que beneficiaria pessoas de ambas
as cidades (São Paulo e Guarulhos). Mais um projeto que foi, literalmente,
colocado na gaveta dos "projetos interessantes para todos menos para o
poder público."
Veja também: O terminal fantasma de São Miguel, e A baixa capacidade dos corredores de ônibus de São Paulo.
Texto: Victor Santos.
Fontes:
EMTU-SP. Plano de Transporte Coletivo da região Leste e Nordeste - Linha Metropolitana de Ônibus. Trólebus Penha - Centro. 1979. Disponível em <https://bibliotecabibliografico.metrosp.com.br//asp/prima-pdf.asp?codigoMidia=42227&iIndexSrv=1>, acessado em 06 de abril de 2022 as 10:52.
EMTU-SP. Estudo Básico Para Investimentos em Terminais e Melhorias Viárias para o Transporte Coletivo - Linha Metropolitana de Ônibus. Trólebus Penha - Centro. Disponível em <https://bibliotecabibliografico.metrosp.com.br//asp/prima-pdf.asp?codigoMidia=40679&iIndexSrv=1>, acessado em 06 de abril de 2022 as 11:25.
Prefeitura de São Paulo - Indicadores do Sistema de Transporte, 2022. Disponível em <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/mobilidade/institucional/sptrans/acesso_a_informacao/index.php?p=152415>, acessado em 06 de abril de 2022 as 13:56.
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