terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Últimas viagens: O fim da Frota A do Metrô

Nos últimos 40 anos, o Metrô-SP se desenvolveu ao mesmo tempo em que a metrópole paulistana aumentava em tamanho e importância para todos os seus milhões de habitantes. Desde que a primeira linha foi inaugurada em 1974, o metrô auxiliou e auxilia até nos dias atuais no deslocamento dos paulistas que cruzam os grandes centros urbanos, seja por tuneis ou por elevados. Mas se tem um ícone que ficará marcado nas lembranças dos primeiros e dos atuais passageiros diários é a Frota A da companhia, operando no Metrô desde 1974 e fazendo parte deste constante desenvolvimento da capital. Acompanhe a história dessa frota que tornou-se apenas lembranças.
Composição A35 na Estação Para Inglesa.
Foto: Gustavo Bonfate.
Em 1968 foi dado início as obras da então linha Norte - Sul que ligaria Jabaquara à Santana cruzando o centro de São Paulo. Para isso, a Companhia do Metropolitano de São Paulo abriu concorrência em 1969 para a fabricação de 198 carros, totalizando 33 composições do lote 198 (do carro 1001 ao 1198). O consórcio formado pela americana The Budd Company e pela brasileira Mafersa venceu a licitação e iniciou a fabricação dos trens na unidade da Lapa da Mafersa. O projeto se assemelha ao da frota operante no BART - Bay Area Rapid Transit, Transporte Rápido da Área da Baia traduzindo livremente. Uma das semelhanças mais marcantes é a máscara curvada para trás e a ocupação da cabine de condução apenas de um lado da parte frontal do trem.
Trem do Sistema BART.
Fonte: Examiner.
Com o avanço das obras, aos poucos os trens eram entregues e as primeiras unidades, carros protótipos 1193 e 1194, foram apresentados em agosto de 1972. Realizou-se uma bateria de testes no pátio e no trecho entre Jabaquara e Saúde, uma vez que o trecho restante ainda estava em obras. Uma curiosidade é que se previa na concepção original que as composições alternassem o tamanho da composição de acordo com o horário e demanda, com seis carros nos horários de maior movimento e quatro ou dois nos de menor movimento. Durante os testes deste sistema foi avaliado a baixa flexibilidade por conta dos engates e desengates que seriam realizados durante as operações e foi cancelado esse sistema.
Linha de fabricação das unidades. Fonte: Página do Metrô-SP
Trem protótipo do metrô em 1974.
No dia 14 de setembro de 1974 foi aberto para operação comercial a linha Norte - Sul, ligando inicialmente as estações Jabaquara e Vila Mariana. A linha fez muito sucesso durante o início de suas operações, causando espanto e curiosidade dos cidadãos até então acostumados com trens urbanos e ônibus convencionais. Em 26 de setembro de 1975 o metrô chegou a zona norte paulistana com a inauguração do trecho até Santana, embora ainda sem a Estação Sé. 
Por ser a única linha do metrô até então, a linha teve uma rápida adesão e aceitação da população, gerando a necessidade de adquirir mais trens para atender a demanda já crescente. Os trens do lote 108, que foi numerado do carro 1199 ao 1306, foram entregues entre 1975 e 1976 para complementar os 33 trens já entregues, totalizando 51 trens dessa frota. 
Esse novo lote foi nomeado inicialmente de Frota B, embora não houvesse diferenças estéticas ou operacionais. Porém, como ao longo do tempo foi se misturando muito os carros entre os dois lotes e acabou por se unificar todos e nomeá-los apenas de Frota A.
Vários TUE's estacionadas no pátio nos anos 1980.
Fonte: Ferreoclube
Metrô em operação assistida.
Em 1979 é aberta ao público o primeiro trecho da Linha Leste - Oeste (atual 3 Vermelha) entre as estações Brás, ainda sem transferência para os trens urbanos, e Sé, transferência  para a Linha Norte - Sul. Para conseguir operar o trecho, a companhia realocou alguns da frota A para operar na mais nova linha, embora o Metrô já tinha previsto o rápido crescimento da linha e demanda, encomendando posteriormente as Frotas C e D uma vez que era previsto a extensão da linha entre Barra Funda e Itaquera.
Trem Frota A na inauguração da Estação Brás.
Fonte: Pinterest.
Posteriormente com a chegada dos primeiros trens da frota C, os trens da série A foram realocados aos poucos novamente para sua linha de origem, embora ainda prestassem serviços até a chegada da frota D entre 1984 e 1986. Essa é uma das peculiaridades dessa frota, foi através dessa frota que a companhia inaugurou as três primeiras linhas de metrô da cidade. 
Em janeiro de 1991 foi entregue o primeiro trecho do Ramal Paulista (atual 2 Verde) ligando a Estação Paraíso, interligação com a Linha Norte - Sul, e Consolação, atendendo as estações Brigadeiro e Trianon (posteriormente Trianon-Masp). 
Com a inauguração, houve uma rápida adesão a esse ramal por atender um importante centro financeiro da cidade, e novamente os trens frota A foram remanejados para essa linha. Operaram inicialmente com os série D até a chegada dos série E em 1998, trens estes que iriam para extensão da Linha Leste - Oeste em direção à Guaianases, até então a linha já estava operando entre Itaquera e Barra Funda.
Com a chegada dos anos 2000, o Governo Estadual implantou uma identidade metropolitana unificada para o Metrô, CPTM e EMTU-SP, nomeado de "Padrão Metropolitano". 
Com isso, a parte frontal dos trens foram repintados de cinza, cor original, para azul escuro, mesma cor característica da CPTM. Como a Frota A possui os carros intermediários, estes não receberam a pintura padrão, permanecendo no padrão original do metrô. Inclusive é possível reparar que nos carros intermediários há ainda a numeração original dos carros uma vez que o metrô adotou as letras para nomear suas frotas ao invés de séries com números. Apenas essa e a Frota G possuem essa numeração, embora neste último ainda é possível observar em todos os carros. 
Composição da frota G recém chegada a Linha 02-verde
Fonte: Metrô CPTM
Durante 10 anos, a série A operou ao lado dos séries E na "Linha Paulista" e fez parte das posteriores inaugurações da linha que se expandiu rumo a noroeste (Vila Madalena) e sudeste (Alto do Ipiranga e Vila Prudente). Com a chegada dos novos trens da série G e a expansão da Linha 2, a frota A foi realocada definitivamente para a Linha 1 Azul, e permaneceram até os dias atuais. 
A frota só saiu de verdade da linha quando a Frota G pôde operar comercialmente e depois com a inauguração da Estação Sacomã, que já estava com a nova sinalização do sistema, os trens da série A ficaram impossibilitados de operar nesse novo trecho da linha por incompatibilidade de sistemas de sinalização.
Com quase 40 anos de serviço, a Frota A acompanhou o árduo e lento crescimento da rede metroviária, mas já não estava mais adequado a crescente demanda por viagens mais confortáveis. Em 2009, durante recém lançado Expansão São Paulo, a frota A passaria por uma profunda reforma para receber os mais avançados itens que estavam disponíveis no mercado como ar condicionado, sistema de vigilância no salão de passageiros, painéis de informação ao usuário, entre outros itens. Dava-se início o capítulo final dessa frota que, embora seja antiga, fez história nos transportes ferroviários e na vida de muitos dos milhões de passageiros ao longo da história.
Antes e depois de um trem modernizado do Metrô
Fonte: Ferreoclube.
Autor: Ricardo Zaniratto
A licitação feita pelo Metrô dividiu em dois lotes a reforma dessa frota para dois consórcios diferentes. O consórcio Modertrem, composto pelas empresas Alstom e Siemens, ficou à cargo de modernizar 25 trens da frota A (do A01 ao A25) e retornaria da reforma como Frota I
Os 26 restantes (do A26 ao A51) seriam modernizados pelo consórcio BTT, formado pelas empresas Bombardier, Tejofran e Temoinsa, retornando da reforma como Frota J
A reforma não modificou a estrutura principal do trem, tanto que a reforma não modificou a angulação da parte frontal dos trens, porém retirando as cabines intermediárias. A diferença entre a Frota I e J são pouco notadas pelos passageiros, sendo realmente notadas por entusiastas e funcionários. 
O Metrô não teve planos de conservar ao menos os dois carros protótipos,1193 e 1194 compondo a composição A33, foram enviados a reforma e retornaram como o trem I24 operando na Linha 1. Desde 2009 as reformas se intensificaram de tal forma que nenhuma frota está mais em operação no formato original.
Composição A35 na Estação Tucuruvi.
Foto: Gustavo Bonfate.
Interior de uma Composição Frota A.
Foto: Gustavo Bonfate.
Posto do operador de trens no Frota A.
Foto: Gustavo Bonfate.
O primeiro trem da frota J foi entregue para operação em 08 de dezembro de 2011 pelo Governador Geraldo Alckmin na Estação Paraíso, na ocasião era a unidade J31. Cerca de um mês depois foi entregue o primeiro da frota I em 20 de janeiro de 2012 também com a presença do governador, no caso a unidade I15 na Estação Tucuruvi. 
Em 2013 a frota A voltou a atender de forma emergencial a Linha 3 Vermelha por conta das constantes falhas nos trens da frota K (reforma da frota C), mas foram pouquíssimas viagens. 
Atualmente, uma parte das frotas I e J operam ao lado dos frota L, reforma da antiga frota D, este último foi realocado da Linha 3 para a Linha 1 recentemente, deixando a Linha 3 apenas com as frotas G, H e K. 
Há algumas unidades das frotas I/J operando na Linha 2 Verde (Vila Prudente - Vila Madalena), pois após a chegada da modernização eles vieram com apenas um sistema operacional de sinalização, o CBTC (sigla inglesa de Controle de Trens Baseado em Comunicação). As unidades que operam na Linha 1 Azul possuem os dois sistemas instalados, o ATC e CBTC, uma vez que o contrato de reforma previa que toda a rede estaria com a nova sinalização instalada e funcionando, e hoje apenas a Linha 2 Verde possui o sistema funcionando (considerando as linhas de bitola larga).
Frota A e Frota I na Linha 01-Azul.
Foto: Gustavo Bonfate.
Frota J na Linha 01-Azul.
Foto: Gustavo Bonfate.
Frota L na Linha 01-Azul.
Foto: Gustavo Bonfate.
Em seus últimos capítulos, essa frota despertou muitos debates e discussões sobre a preservação da última unidade para que a memória do primeiro trem de metrô do país não ficasse apenas na mídia digital. Por um período em 2018, a última unidade da Frota D em operação, na época aguardando envio para a reforma geral, foi realocada para a Linha 1 Azul. Assim, as duas séries mais antigas da companhia até então operaram lado a lado na linha. Porém, naquele mesmo ano a unidade foi enfim enviada para a reforma. 
Hoje, a linha Azul possui as Frotas E, G, I, J e L para a operação, sendo a Frota E a mais antiga atualmente da companhia, tendo sido fabricada pela Alstom entre 1998 e 1999 com um projeto semelhante ao da Frota D, de fabricação da Mafersa entre 1986 e 1988. 
Frota A e Frota D juntos na Linha 01-Azul.
Foto: Gustavo Bonfate.
Frota E na Linha 01-Azul.
 Foto: Gustavo Bonfate
Sabemos que a modernidade de uma rede de transportes exige que a frota e infraestrutura acompanhe o desenvolvimento e estamos de acordo com esse processo de renovação e transformação de uma metrópole. Mas é preciso conservar o passado para entender o quanto evoluímos e a importância dessa evolução para a cidade.

Curiosidades
Teve ao longo dos seus 45 anos poucos acidentes graves transportando passageiros, sendo um deles em 1999 quando o trem 102 (posteriormente A02) teve um problema com um dos discos de freio ao partir da Estação Santana sentido Tucuruvi. O carro 1026 descarrilou e se chocou com a plataforma de emergência na entrada do túnel, mas como estava em baixa velocidade não houve feridos graves. O trem ficou encostado no pátio por dois anos, mesmo que os danos fossem pequenos, o problema de reposição de peças atrasou a volta dessa unidade.
Os carros protótipos que foram entregues para exaustivos testes em 1972 possuíam itens fabricados pela americana Budd e serviu de base para os seguidos trens que foram todos construídos no Brasil pela Mafersa.
Um acidente envolvendo a composição A33 e I12 no Pátio Jabaquara fez ambas as unidades ficarem imobilizadas por um bom tempo. As composições colidiram, o que fez a I12 ser reformada novamente e mandar o A33 (com os carros protótipos da série A) para a modernização.

Texto: Victor Santos.
Revisão e pesquisa: Gustavo Bonfate

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