quinta-feira, 23 de julho de 2020

Trólebus: Ultrapassado ou subutilizado?

Trólebus Busscar Low Floor em operação no ABC, SP.
Foto: Victor Santos (autor)
Não é de agora que a sociedade percebeu que o uso massivo do petróleo para o abastecimento dos veículos vêm causando diversos problemas ao meio ambiente e a própria vida terrestre. Talvez essa preocupação tenha se agravado antes mesmo da virada do século, em meados das décadas de 1960 e 1970 quando diversas metrópoles começaram a se preocupar com as consequências geradas pelo uso do petróleo, situação agravada pela Crise do Petróleo na década de 1970 . Uma das grandes preocupações era o tipo de combustível que os veículos utilizavam para a tração, até então o petróleo era o principal componente usado para fabricar combustíveis fósseis, tão nocivos para o ambiente terrestre quanto imaginam. Por mais irônico que pareça, a solução, ou parte dela, estava tão próximo e pronto para ser utilizado em grande escala: os trólebus. Mas...O que seria Trólebus?
Trólebus inglês da CMTC em 1949.
Fonte: Respira São Paulo
Trólebus nada mais é do que um ônibus movido por energia elétrica provinda de fios suspensos ao longo da rota. Para captar a energia desses fios, são utilizadas duas alavancas localizadas acima do ônibus e quando conectadas com esses fios, proporcionam a tração para motor elétrico do veículo. Por não possuir embreagem como os ônibus convencionais, a aceleração dos trólebus é mais suave e contínua, gerando mais rendimento que um motores à diesel. Em poucas palavras, o trólebus, diferente dos ônibus movidos a diesel, possui a capacidade de operar ininterruptamente durante o dia enquanto houver energia elétrica. Além, é claro, do fato dos trólebus não emitirem dióxido de carbono (CO²), um gás muito nocivo a vida humana. Esses gases são emitidos por veículos movidos a combustíveis fósseis, um gás incolor e altamente venenoso.
A primeira linha regular dos ônibus elétricos que se tem notícia surgiu em Paris, França, em meados de 1901, e surgiu como um complemento as rotas de bondes existentes, visto que o custo de implantação e operação era relativamente mais baixo. A partir da experiência adquirida na França, diversos países europeus tão logo implantaram os trólebus em várias linhas e tornando o trólebus popular no continente europeu.
Trólebus do tipo "Double Deck" na Grã-Bretanha, retirados de serviço em 1976.
Foto: Transport Illustrated by Rob McCaffery
O novo modal "atravessou" o Atlântico Norte, em direção aos Estados Unidos em 1925, onde foi empregado em diversas linhas, utilizando até a rede elétrica dos bondes, barateando e facilitando a implantação.
A maior utilização dos trólebus foi desde meados de 1920 até quase 1960, quando boa parte das cidades desativaram seus sistemas de ônibus elétricos em favor do automóvel e dos ônibus convencionais (movidos a diesel). Mesmo com as desativações precoces em massa, diversas cidades mantiveram seus sistemas e até ampliaram o uso desse modal pensando na qualidade dos serviços, nos custos e no tempo de vida útil dos trólebus.
Uma prova de que os trólebus possuem sim o seu devido espaço no transporte urbano de uma cidade moderna é em São Francisco, EUA, onde os ônibus elétricos são mais do que um modal de transportes na cidade, se tornaram um modal muito necessário, sendo implementado na cidade em 1935.
Por ser uma cidade litorânea e com um terreno acidentado e repleto de ladeiras, os trólebus são usados em larga escala, pois com um motor elétrico e grande potência, conseguem vencer sem dificuldades e sem causa desconforto aos passageiros. 
Trólebus da "MUNI" de São Francisco, EUA.
Fonte: Retirada da internet, créditos ao autor.
O maior sistema de trólebus do mundo está localizado em um dos maiores países do mundo: a Rússia, onde estão presentes em 85 cidades, totalizando pouco mais de 12 mil ônibus divididos em diversas rotas. Somente em Moscou, capital do país, existe cerca de 1700 trólebus, 104 rotas e oito depósitos, se tornando a maior rede do mundo e uma das mais antigas, implantada em 1933.
Trólebus do sistema de Moscou, Rússia.
Retirado da internet, créditos aos autores.
Década após década, o trólebus se aprimorou, modernizou-se e hoje é usado principalmente em cidades que pensaram na qualidade de vida dos cidadãos e no meio ambiente. Hoje os trólebus podem, por exemplo, se locomover sem estar conectados a rede aérea, continuando a viagem em caso de falhas, manutenções ou flexibilidade da rota, usando baterias próprias recarregáveis. Outra modernização ocorreu com sua rede aérea, que passou a ser mais flexível, diminuindo e muito as quedas das alavancas, e garantindo mais rapidez nas viagens.
Trólebus biarticulado operando na Suiça. Veículo possui 25 metros.
Retirado da internet, créditos aos autores.
Desvantagens e vantagens do uso do trólebus
Com a modernização dos trólebus, muitos dos argumentos contra o uso do modal foram esquecidos como o fato dos trólebus não conseguirem operar sem estar conectados a rede aérea. Com as baterias instaladas nos ônibus, a possibilidade da viagem ser interrompida se tornou nula, além da viabilidade de se criar rotas mais flexíveis.
Trólebus de Ancona, Itália.
Fonte: http://www.tbus.org.uk/news2013.html
Outro argumento contra é o custo de implantação inicial de linhas com trólebus, bem maior que o custo de linhas com ônibus convencionais. Ao avaliar os custos com combustíveis, manutenção e durabilidade dos veículos convencionais, os trólebus ainda sim conseguem ser mais vantajosos para determinadas demandas como em corredores exclusivos ou BRT - Bus Rapid Transit.
No Brasil, especialmente em São Paulo, os trólebus foram extintos por diversos "fatores técnicos". Um deles era de que as fiações dos trólebus deixavam a cidade mais feia e que a retirada foi em favor do embelezamento da cidade, algo completamente sem lógica uma vez que hoje a cidade sofre com diversas fiações telefônicas e de energia expostas e jogadas em calçadas ou muros. Muitas cidades no continente europeu resolveram essa questão com postes arquitetônicos, mais arrojados ao ambiente urbano.
Trólebus do tipo VLP em Nancy, França.
Fonte: Retirado da internet, créditos ao autor.
O trólebus em solo brasileiro
Na década de 1940, a cidade de São Paulo estava começando a enfrentar graves problemas na mobilidade urbana com o uso intensivo dos carros, agravando-se com o crescimento industrial e comercial da cidade. Os bondes elétricos já não conseguiam suportar o crescimento da demanda de passageiros, visto que diversos problemas operacionais começaram a surgir. São Paulo até então contava com os trens suburbanos, criados em 1920, e o metrô ainda era um sonho no papel que somente chegou 20 anos depois. A situação só começou a melhorar com a criação da CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) em 1° de julho de 1947, e começou a organizar a “bagunça” que se arrastava durante anos.
A Light, até então operadora dos bondes, transferiu suas operações de ônibus e bondes para a companhia, que logo aumentou a tarifa, gerando tumultos, depredações e reclamações dos passageiros que alegavam que os serviços prestados eram irregulares.
Trólebus norte-americano em operação na CMTC.
Fonte: Movimento Respira São Paulo (Autor desconhecido)
Indo na contramão do restante do mundo, a CMTC começou seus projetos para a implantação dos trólebus na capital em meados de 1947 para melhorar e ampliar a malha de atendimento. Ainda em 1947, a companha adquiriu um total de 30 trólebus de origem norte-americanos e ingleses. Como até então o Brasil não possuía nenhuma fabricante com tecnologia para fabricar esse tipo de veículo, então era necessário importar não só os veículos, mas toda a tecnologia e itens para a operação, agora imaginem os custos iniciais para tal implantação.
Pois bem, dois anos após a criação da CMTC, no dia 22 de abril de 1949, o então governador do Estado de São Paulo Ademar de Barros inaugurou a primeira linha ligando a Praça João Mendes à Aclimação, começando suas viagens comerciais e colocando o Brasil na lista de países com os trólebus, sendo a capital paulista a pioneira do sistema a nível nacional. A linha substituiu os bondes da Linha 19, e foi o primeiro de muitos passos para trás que a capital deu em relação aos transportes coletivos.
Trólebus e bondes operando juntos em Genebra, Suiça.
Retirado da internet, créditos ao autor.
Embora os trólebus possuam características para tal desempenho, diversas cidades europeias não desativaram os bondes em favor dos trólebus, mas ampliaram a rede dos mesmos e garantiram que a operação seria conjunta e não uma substituição.
No inicio eram 30 veículos, sendo 26 dos Estados Unidos com carrocerias da Pulman Standard (06 unidades) e Wayne (20), e quatro unidades inglesas, com carroceria English Associated Equipament Company.
Com 7,2 km de extensão, a rede passou por um leve crescimento entre 1949 e 1959, com a adição de mais quatro linhas e 31,9 km, e todos os 30 ônibus eram utilizados, logo eram necessárias mais linhas e ônibus. Pouco tempo após a cidade implantar o sistema, outras capitais e cidades brasileiras como Araraquara (SP), Belo Horizonte (MG), Recife (PE) entre outras também implantaram os trólebus em suas ruas e avenidas, mas pouco a pouco foram desativando os seus respectivos sistemas alegando altos custos de implantação e operação.
A CMTC começou a adquirir mais trólebus e expandir mais a rede, embora alguns dos trólebus fossem oriundos de redes desativadas ao redor do mundo. Somente em 1958 é que foi implantada uma linha de produção nacional de trólebus, quando a CMTC comprou 10 unidades do tipo Grassi/Villares.
Trólebus MAFERSA/VILLARES em 1987 no recém inaugurado
Terminal Santo Amaro.
Foto: Jorge Françozo de Moraes (Respira São Paulo)
Após enfrentar um pequeno sucateamento na década de 1970, os trólebus tiveram sua primeira sobrevida durante a década de 1980, quando o então Prefeito Olavo Setúbal iniciou uma série de melhorias e investimentos no modal. 
Saia do papel o Projeto SISTRAN (Sistema Integrado de Transporte) que estava sob comando do engenheiro Adriano Murgel Branco, responsável pela recém formada Diretoria dos Transportes. Setúbal sempre foi conhecido como um entusiasta dos trólebus e seu audacioso projeto de requalificação chamaram a atenção da indústria nacional, até então desmotivada com a tecnologia. Esse plano também colocou em cheque se o Brasil iria alavancar sua tecnologia para os transportes ou iriam continuar pensando que os trólebus eram ultrapassados. 
Embora não tenha conseguido implantar o projeto por completo, a partir dele surgiram sete novas linhas, chegando à 274 quilômetros de rede e cerca de 200 novos trólebus nacionais. São Paulo caminhava rumo à inovação e tração elétrica com a inauguração dos primeiros corredores de ônibus, Paes de Barros e Santo Amaro, que deveriam estruturar as linhas e melhorar a operação com linhas expressas e paradoras exclusivas de trólebus. Outro grande avanço surgiu no ABC Paulista no final da década de 1980, quando foi inaugurado o primeiro trecho do Corredor Metropolitano São Mateus - Ferrazópolis, tendo em projeto inicial a operação segregada e exclusiva dos trólebus. Uma curiosidade sobre o Corredor ABD é que toda a fase de projeto e implantação foi feita pela Companhia do Metropolitano de São Paulo, ou simplesmente o Metrô-SP.
Trólebus Cobrasma em operação no Corredor Metropolitano ABD em 1988.
Fonte: Retirado da internet, créditos ao autor.
O inicio do fim: o abandono público
Até meados da década de 1990 tudo parecia transcorrer bem, a cidade crescia cada vez mais em tamanho e população, embora ainda possuía uma rede de transportes relativamente pequena. A CMTC, até então ainda operava linhas principais, começou a simplesmente “quebrar”, mesmo que boa parte das linhas era operada por empresas privadas contratadas por ela. Começa então a fase de privatização da CMTC, algo que afetaria diretamente a operação, manutenção e ampliação dos trólebus na capital.
A privatização incluía repassar as garagens, frota e manutenção, algo que durou alguns anos até finalmente estar selado o destino da companhia: o fim.
Embora tenha conseguido outra sobrevida, os trólebus pouco a pouco eram desestimulados na capital, principalmente por falta de incentivo da prefeitura, agora apenas gestora do sistema através da SPTrans, criada em 1995. A falta de interesse das empresas contratadas afetou também o destino do transporte limpo em favor dos lucros. Surgiu até um grande projeto do VLP – Veiculo Leve sobre Pneus, que utilizaria os trólebus biarticulados em corredores segregados, algo que somente tomou forma no papel e custou milhões aos cofres públicos, embora fosse um projeto inovador.
Veículos precocemente abandonados, a maioria ainda
em condições de plena operação. Sucateamento da rede.
Fonte: Internet, créditos ao autor.
Ironicamente, os trólebus tiveram alguns investimentos como à troca da frota por ônibus mais novos e mais tecnológicos, e a ampliação do uso da tecnologia. Mas, em 2001, os trólebus sofreriam mais um duro golpe, e dessa fez fatal: a influencia política.
Durante a gestão da prefeita Marta Suplicy, ela alegou publicamente não gostar do modal, e usou de sua influência para tentar findar os trólebus da capital. Em 2003 houve a licitação dos transportes na capital que seria dividida em consórcios que operariam na capital por um prazo de dez anos. Ao invés de fazer uma licitação específica para os trólebus, eles foram incluídos com as demais linhas e sofreram por conta dos interesses privados.
A prefeitura gastou o dinheiro público para retirar mais de 50% de linhas e rede aérea da cidade, alegando que a fiação degradava a região. Isso, unida a falta de interesse das empresas e desestímulo da prefeitura, findou cerca de 10 linhas, e a rede aérea passou de 343 km para pouco mais de 200 km, além da baixa precoce de metade da frota com pouco mais de cinco anos de uso. Foi exatamente nessa época que se instaurou a má fama dos trólebus.
Como a rede havia se definhado por si só, acontecia muitos problemas operacionais e atrasos, o que gerou descontentamento entre os passageiros. Os problemas não aconteciam por conta dos trólebus, mas sim pela falta de manutenção do asfalto, da rede aérea e dos veículos, uma vez que todo sistema de transporte necessita de uma boa manutenção para funcionar com eficiência. Outro argumento usado na época era de que a rede aérea poluía visualmente a cidade...Irônico é que atualmente a cidade está completamente poluída por fios telefônicos que estão pendurados por boa parte dos postes espalhados pela capital.
Projeto "Fura-Fila" era inovador para a época,
mas apenas desperdiçou mais dinheiro público.
Foto: Sergio Martire
Os anos se passaram e algumas linhas ainda resistem ao tempo, à rede aérea foi trocada por uma mais nova e confiável, embora ainda haja trechos com problemas, e os veículos antigos desativados e substituídos por novos e modernos veículos com tecnologia nacional. Para a alegria de quem preza pelo meio ambiente e pela modernidade, e tristeza de quem ainda acha os trólebus ultrapassados. Atualmente, São Paulo possui 201 km de rede aérea e nove linhas em operação com 200 trólebus em operação, sendo 100 do tipo trucado   (três eixos) e o restante convencional. 
Trólebus trucado de 15 metros de São Paulo.
Foto: Gustavo Bonfate
Quem deve investir o Poder Público ou o Setor Privado?
Nas grandes cidades, os trólebus ainda possuem o seu devido espaço, o Poder Público tem como dever incentivar as empresas que ela contrata para o transporte a utilizar tecnologias limpas como propulsão. No caso de São Paulo, com a licitação em andamento e já assinado os contratos com as empresas, a prefeitura tem como dever exigir que empresas privadas invistam em novas tecnologias, seja o trólebus ou os ônibus elétricos. Se a empresa não concorda com as exigências da cidade, outras empresas se interessaram. 
O setor privado não pode ter o poder de escolher se ira usar o trólebus ou qualquer outra tecnologia na cidade, e cabe a prefeitura exigir qual modal a empresa participante deve utilizar. Essa história de que a empresa deve escolher qual tipo de ônibus ira usar nas operações e totalmente absurda, em vista do que aconteceu na última licitação, em que a prefeita Marta Suplicy afirmou que as empresas iriam utilizar os ônibus híbridos por serem mais baratos e não precisaram da rede aérea como os trólebus. No final das contas mais dinheiro público foi para o ralo, uma vez que até hoje nenhum ônibus híbrido vingou de fato.
Ônibus elétrico da chinesa BYD devem complementar os trólebus.
Foto: Gustavo Bonfate.
Contudo, os trólebus devem ser expandidos em suas devidas proporções como em grandes corredores exclusivos e viários compatíveis com suas condições, assim podem exibir sua real capacidade de transporte de passageiros sem poluir as cidades. O trólebus tem sim seu espaço em um sistema de transportes, assim como os ônibus elétricos que, embora sejam também um tipo de transporte limpo, não são substitutos dos trólebus, mas sim um complemento à eles. Nenhum sistema de transporte fica ultrapassado se for modernizado, basta olhar o quanto os bondes evoluíram e se transformaram em outro grande modal de transportes.
Texto: Victor Santos

Um comentário:

  1. Se engana quem acha que político liga para feiúra de cabos aéreos ou sabe a diferença entre elétrico híbrido série ou paralelo. Quem manda neles são os empresários!
    Infelizmente, a realidade do Mercado brasileiro, principalmente em monopólios naturais, não permite "se uma empresa não quer, haverá outra que queira". É só ver a sacanagem que fizeram com Leblon em Mauá...
    Trólebus e outras tecnologias alternativas só vingam no Brasil se houver subsídio por parte do governo. Isenção ou subvenção na conta de luz, compra de veículos pelo próprio governo, aumento no valor do passageiro catracado ou do quilômetro rodado - quando realizado por trólebus e assim vai.

    ResponderExcluir