segunda-feira, 27 de julho de 2020

TUE 2100 da CPTM: O trem certo para o serviço errado

Série 2100 partindo da estação Rio Grande da Serra, linha 10.
Foto: Victor Santos (autor).
Desde que a CPTM deu inicio a sua renovação de frota, muitos trens vão sendo retirados de operação para dar lugar aos novos trens e assim proporcionar mais conforto e segurança nas viagens. A primeira nova frota a ser adquirida pela CPTM e iniciaram seus serviços regulares em 1997. 
Em 2020, vinte e dois anos após a chegada na companhia, o futuro deste trem parece ser a desativação completa com a chegada dos novos trens na companhia. Mas por que um trem relativamente novo na companhia está em processo de desativação?

A começar pela sua idade. Mesmo que o tempo de serviço na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos seja curto em relação as frotas mais antigas, essa série foi fabricada a partir de 1974 quando a Renfe (Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles) encomendou para a também espanhola CAF (Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles) um total de 255 unidades que seriam fabricadas até 1985. 
Em 1993, a Renfe, que opera os trens de médio e longo percurso além do serviço suburbano na Espanha, reformou muitas unidades para se adequar aos novos padrões de conforto, assim ganhando uma nova máscara, ar condicionado, painéis digitais para os anúncios, novos assentos e passagem entre os carros. 
Algumas unidades ainda permanecem com o visual e padrão das quais foram fabricadas e seguem operando na Espanha. Outras unidades foram reformadas para o serviço de média distancia, ganhando a nomenclatura de UT-470. 
Por fim, um trem que, mesmo após a reforma profunda que passou ainda na Espanha, é considerado antigo com seus mais de 40 anos de uso. Para se ter uma ideia, essa série é mais antiga que as antigas séries 1700 e 5000 da companhia, fabricadas em 1987 e 1979 respectivamente. 
Na esquerda a primeira versão do trem, à direita o modelo reformado
em 1993. Retirado da internet, créditos ao autor.
As limitações do desempenho dessa série também impedem o seu uso em linhas onde estas restrições podem atrapalhar as operações. Por se trata de um trem projetado para cumprir etapas de médio percurso e serviços expressos, essa frota não consegue ter o mesmo desempenho que as frotas mais novas da CPTM. 
Com uma taxa de aceleração baixa, o trem demora para alcançar sua velocidade comercial, pois em linhas com grandes distâncias entre as estações, não necessariamente precisa de uma taxa de aceleração muito grande. Outra questão é que seus motores não foram projetados para operações em linhas com rampas muito ingrimes.
Por causa dessas limitações, os "trens espanhóis" não poderiam operar em linhas com muitas subidas ou com estações muito próximas. Em um dos testes na então Linha A da companhia, hoje Linha 7 Rubi, houveram relatos de superaquecimento nos freios de uma unidade, fato que fez esses trens deixarem de ir até o extremo da linha. Outro problema dessa série era a operação com  trens que possuem uma taxa de aceleração mais forte que eles, o que faziam os trens andassem juntos, prejudicando os intervalos e operações nas linhas. Esse também foi o motivo da sua saída imediata da linha 9 Esmeralda, onde também haviam trens mais potentes e estações próximas uma das outras. 
Série 2100 partindo de Luz para iniciar as operações na Linha 10 Turquesa.
Foto:Yuri Gabriel.
Outro motivo para sua aposentadoria precoce é a dor de cabeça para a manutenção, pois a falta de peças de reposição, sistemas mais complexos e necessidade de maior tempo parado, prejudicava tanto a operação quanto a manutenção dessa série. Mesmo tendo sua manutenção terceirizada desde o início, ainda era caro manter essa série, que não pode operar na grande maioria das linhas da empresa.
Com tantos problemas de manutenção, era comum a falta de disponibilidade dessa frota nas operações, e como não haviam frota reserva, isso complicava as operações diárias e fazia com que os passageiros não olha-se com bons olhos a linha 10. 
Em 2010, o contrato revisão geral foi assinado para que a frota fosse reformada e garantir mais alguns anos de serviço, sem a necessidade de comprar novos trem em um primeiro momento. Além de uma nova identidade visual, nos moldes do novo padrão visual adotado pela CPTM, as 48 unidades receberiam itens mais recentes para garantir mais conforto e segurança.
Porém, recentemente o contrato de revisão de meia idade, previsto em trens que completam 1 milhão de quilômetros rodados, foi suspenso por irregularidades. Apenas uma parte da frota foi reformada e a manutenção, também terceirizada, ficou ainda mais complicada o que gerou custos e problemas à operação dos trens como superaquecimento que resultou no incêndio de algumas unidades. O último grande incêndio foi em 2015 com a unidade que já retornou para operação.
Trem em testes na Zona Leste: a frota iniciaria operações nas linhas da região,
porém atos de vandalismo fizeram a companhia remanejar essa frota 
para outras linhas.
Créditos ao autor, retirado da internet.
A CPTM ao adquirir essa frota, esperava que eles operassem no Expresso Leste, até então um novo serviço que seria oferecido por ela, pois esses trens que possuem as características para tal. Porém, entre os testes na linha, houve atos de vandalismo e depredações nas composições recém chegadas, sendo necessário a paralisação da frota por falta de peças de reposição. Relatos da época afirmam que a população depredou os trens em forma de protesto contra a operação precária que a companhia prestava a população na época (meados de 1997 e 1998).
A única linha que possuía características que contribuíram para a operação dos TUE 2100 foi a Linha D (atual Linha 10 Turquesa), onde permanecem atuando como frota principal dessa linha até meados de 2018 e 2019. Por possuir relativamente baixa para época e grandes distâncias entre as estações, favoreceram a operação dos trens. 
Muitos entusiastas e passageiros também reclamam do ar condicionado e do número de portas existentes no trem, quatro portas por carro conta oito dos trens mais novos. O ar condicionado também é alvo de reclamações por não gelar tão bem quanto os trens mais novos, algo que com o tempo foi resolvido parcialmente.
Três unidades nas proximidades da estação Brás e Mooca.
Foto: Yuri Gabriel.
Em contrapartida é considerado um dos trens mais confortáveis da companhia, seja pelo número de assentos disponíveis, devido ao layout e as poucas portas, ou pela partida suave que garante uma viagem tranquila. Muitos dos passageiros diários da Linha 10 ainda preferem o "trem espanhol", que por anos auxiliou a população do ABC Paulista em suas dificuldades de mobilidade urbana. 
Como as estações da linha são bem afastadas entre elas, os 2100 conseguem ganhar uma boa velocidade operacional, além de possuir freios mais suaves sem os solavancos. 
Foi por muito tempo a única frota do sistema sobre trilhos paulistas a possuir sinal de abertura das portas com aviso sonoro e luminoso. Por fim, é um trem diferenciado e que fez parte do crescimento da linha, além de despertar a paixão pelas ferrovias em muitos dos entusiastas.
TUE 2100 na inauguração da estação Autódromo da Linha 9
Créditos ao autor.
Essa série esteve fortemente presente nas linhas 9 e 10 e em suas mudanças operacionais, seja na inauguração da extensão da linha 9 rumo ao Grajaú em 2008 ou no encurtamento da linha 10 que seguia até a estação da Luz e hoje faz terminal na estação Brás.
A partir de 2016, a série 2100, que era a única até então na linha 10, passou a ter como "ajudante" a frota 3000, fabricados em 1999 pela alemã Siemens no mais novo trem expresso da CPTM: o Expresso Linha 10 que liga a estação Prefeito Celso Daniel - Santo André à estação Tamanduateí atendendo apenas a estação São Caetano. Este serviço atende apenas ao picos dos dias úteis, mas serve bem a população do ABC Paulista. 

Em 2018, a linha turquesa passa a ter mais uma frota ao lado dos 2100: a série 7500 oriundos da Linha 9 Esmeralda. Com o remanejamento de frotas entre as linha da CPTM pela chegada dos novos trens, a série 7500 passou para a linha turquesa ao lado dos 2100 para auxiliar a necessidade devido a falta de trens na linha. 
Por ironia do destino, a série 2100 foi substituída na linha 9 justamente pela série 7000 e 7500, que agora são as frotas titulares da linha 10. A série 7000 também foi remanejada parcialmente para a linha 10, continuando uma parte em operação nas linhas 9 e 12 da companhia. A série 3000 também tornou-se frota operante na linha, embora em menor número em relação aos demais.
Com isso, a série 2100 começou a ser retirada das operações diárias, ficando inicialmente como frota reserva, depois como trem auxiliar nos serviços expressos da linha 10 (Expresso Linha 10, Expresso Linha 10+, e Expresso Estudantes), dividindo as operações com a série 3000 e 7000/7500. 
Porém, devido a atual situação da Covid-19, os serviços expressos foram suspensos e retornou apenas em 2021 somente o Expresso entre Tamanduateí e SantoAndré, o que fez a companhia encostar a série 2100 por tempo indeterminado. 
Série 3000 estacionado na estação Prefeito Celso Daniel - Santo André.
Série foi remanejada para linha 10 em 2016, mas não opera com totalidade.
Foto: Victor Santos (autor).
Ainda em 2018, o então Secretário dos Transportes Metropolitanos, Clodoaldo Pelissioni, disse em uma entrevista que a CPTM estuda abrir uma licitação para substituir essa frota que opera na linha turquesa. Porém, em 2020, o atual secretário, Alexandre Baldy, anunciou que o edital que previa a aquisição de novos trens foi cancelado devido a atual crise do Covid-19. Veja a notícia no site Noticiando clicando aqui. Com isso, a série 7000 e 7500 seguirá operando na linha 10, que na época do remanejamento, foi anunciado como "trens novos".
Trens 2100 e 3000 na linha 10.
Foto: Yuri Gabriel.
Embora não tenha sido anunciado oficialmente, é nítido que a CPTM deve realmente retirar de circulação definitiva essa série, que pode ser vista em pátios e oficinas da companhia em Presidente Altino, Luz, e Tatuapé. Sua partida suave, ar condicionado relativamente bom, assentos confortáveis, portas largas e frenagens tranquilas farão falta aos serviços metropolitanos. Como é um trem com características muito peculiares, a série não pode ser reaproveitada em outras linhas ou companhias férreas. 
Será um trem que deixará saudades para muitos passageiros comuns, entusiastas e funcionários, embora para o pessoal da manutenção a saída de cena dessa frota será um alívio. Talvez nenhum trem tenha mudado tanto a maneira como as pessoas enxergavam a antiga CPTM dos trens antigos, estações depredadas, trens com portas abertas durantes as viagens, e insegurança. A série 2100 chegou em um momento de mudança da companhia, fazendo parte desta, e com certeza ainda será lembrado por entusiastas e passageiros por muitos anos ainda, mesmo fora de operação. 
Série 7500 estacionado na estação Rio Grande da Serra.
Série também foi remanejada para a linha.
Foto: Victor Santos (autor).
Algumas curiosidades
Na Espanha, o modelo segue operando no serviço suburbano e de média distância da empresa Renfe com a nomenclatura de UT 440R (subúrbio) e UT 470 (média distância) e possuem até bagageiros. Há planos para que essa frota em breve seja retirado de serviço.
No Brasil, a série foi batizada de TUE 2100, enquanto no Chile, onde foram vendidas 20 unidades, permaneceu com o número de série original: UT 440, mudando apenas para as unidades reformadas no Chile para UT 440MC.
No início das operações da CPTM, os trens possuíam músicas clássicas como som ambiente no interior do salão de passageiros. Era possível viajar ao som de música clássica, algo jamais imaginado por passageiros da época. Posteriormente retiraram esse diferencial. 
No Chile e na Espanha, os trens possuem o piso rebaixado nas portas e escadas para o acesso, algo que foi retificado para operar na CPTM.
Foram 48 unidades dessa série vendidos à CPTM (24 unidades na formação de seis carros), totalizando 144 carros. A formação inicial era de três carros por composição na linha 9, e seis carros (formação de duas unidades acopladas) na linha 10. Posteriormente somente a formação de seis carros foi adotada pela companhia.
Na CPTM, devido ao perfil da via e das operações, a série pode chegar a uma velocidade máxima de 90 km/h, embora seu projeto original contemple a operação de até 140 km/h.
A compra dessa série foi feita de forma emergencial (sem licitação) devido aos problemas que a CPTM enfrentou entre 1996 e 1997, com a população cobrando melhorias na operação dos trens. A compra custou cerca de 85 milhões de reais na época para adaptar as unidades nos padrões da CPTM. 
Embora possuía seis carros, em contrapartida das outras unidades com oito carros, a série 2100 tinha cerca de 160 metros de comprimento, uma dimensão aproximada das séries com oito carros. 
A frota foi fabricada em aço carbono, o mesmo material usado nas antigas séries 4400, 4800, e na então nova série 2000. Esse tipo de material é muito mais pesado e complicado para manter em relação ao aço inox, usados nas novas compras da companhia desde a série 3000. 
Série 2100 próximo da estação Tamanduateí.
Desde o início da pandemia, série encontra-se paralisada.
Foto: Victor Santos (autor).
Texto: Victor Santos.
Revisão:Yuri Gabriel

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