Biarticulado da Metrobus, operadora do BRT de Goiânia, GO. Foto: Victor Santos, 2018 (autor). |
Ao longo dos anos, o transporte coletivo sobre pneus evoluiu em diversos fatores para acompanhar o crescimento e desenvolvimento de cidades por todo o mundo, o que rendeu a ele um avanço tecnológico muito importante. Seja os veículos ou infraestrutura, os ônibus tornaram-se importantes para regiões onde o transporte sobre trilhos, com maior capacidade, não chega ou não são viáveis economicamente. Mas o avanço mais notável para os ônibus foi a sua infraestrutura para as operações, especificamente os corredores exclusivos de ônibus, que permitiu aos coletivos uma eficiência semelhante ao do transporte ferroviário.
Após muitos estudos técnicos, os corredores também evoluíram em muitos conceitos, tornando-se o que chamamos de BRT, sigla em inglês para Bus Rapid Transit, ou Trânsito Rápido por Ônibus na tradução. Hoje, vamos conhecer mais sobre esse sistema e entender sua importância nos transportes coletivos.
Primórdios
Como todos sabem, os primeiros indícios para a implantação de um corredor exclusivo de ônibus surgiram na metade da década de 1960 na capital do Paraná, Curitiba, quando a cidade havia iniciado o processo do novo Plano Diretor municipal, que naquela época contava com uma população de cerca de 360 mil habitantes. Embora antes já havia projetos para urbanizar a cidade, somente uma parte foi realmente feita, excluindo o transporte coletivo.
Dentre tantos estudos e projetos que contemplava esse novo Plano Diretor, havia o plano de reestruturar o transporte coletivo da cidade através de eixos estruturais, onde haveria um crescimento vertical maior. Dentre uma grande equipe de técnicos e especialistas, estava o arquiteto Jaime Lerner, que ficou reconhecido pelo seu papel na concepção do BRT. Esse plano contemplava a criação dos eixos Norte-Sul e Leste-Oeste, onde percorreria o transporte em massa de passageiros, além de modificar as avenidas para o tráfego comum em muitas regiões da cidade.
A partir de 1971, a cidade começou a receber vias estruturais, onde o crescimento populacional e comercial seria impulsionado, uma vez que seriam vias de maior capacidade. Porém não havia sido estabelecido qual modal de transporte percorreriam esses eixos. Os primeiros estudos concebidos estabeleciam que o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) seria o mais ideal para a demanda a ser transportada. Porém, após muitos debates e relutâncias quanto ao modal, cujo também foi proposto uma linha de metrô, decidiram que o ideal para resolver a questão da mobilidade a curto prazo seriam os próprios ônibus, que deveriam percorrer por vias exclusivas os principais eixos da cidade.
Biarticulados do sistema de corredores expressos de Curitiba, PR. Sistema foi pioneiro na capacitação dos transportes sobre pneus através de corredores exclusivos. Foto: Victor Santos, 2018 (autor). |
Logo em 1974, o primeiro ônibus da categoria Expresso começou a circular nos 20 quilômetros de canaletas exclusivas para eles, ligando o bairro de Santa Cândida, região Norte, ao bairro de Capão Raso, região Sul, assim utilizando o eixo Norte-Sul da cidade. Com maior rapidez nas viagens, segregado do tráfego comum, paradas pré-estabelecidas e prioridade nos cruzamentos, os novos ônibus Expressos realizavam viagens mais rápidas e seguras que os ônibus comuns, que foram transformados em linhas alimentadoras do sistema de ônibus nas canaletas. Ou seja, além de se tornar a cidade pioneira dos corredores exclusivos, Curitiba também tornou-se referência quando se fala em reestruturar as linhas de ônibus, criando o sistema “Tronco-alimentador”, onde linhas comuns conectam os bairros à terminais de transferência, onde o passageiro continua a viagem em um sistema de maior capacidade. Você pode ver mais sobre o sistema Tronco-alimentador clicando aqui.
Seguindo o exemplo de Curitiba, muitas cidades no Brasil e no mundo também construíram seus sistemas de corredores exclusivos para os ônibus, tais como São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Brasília, cada uma com seu projeto, conceito ou operação distintas.
Origem e características do BRT
Em 2010 o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (da sigla em inglês ITDP – Institute for Transportation and Development Policy) se associou ao BRT Center of Excellent e a WRI Ross Cidades Sustentáveis para criar uma organização que compartilharia dados para impulsionar a mobilidade urbana nas cidades, sobretudo usando os conceitos do BRT para reestruturar a cidade, criando o BRT Data.
O ITDP em específico tem como objetivo desenvolver mais o transporte, seja por ônibus, trem, bicicleta ou até mesmo a pé. No caso dos ônibus, o instituto auxilia em projetos e estudos para novos corredores de ônibus no mundo ou para o incremento dos já construídos. Com isso, os projetos visam aumentar a capacidade, segurança, conforto, operação e incentivo aos passageiros, o que pode ser um fato decisivo para muitos projetos futuros.
As três principais categorias fornecidos pelo ITDP. Fonte: https://cargocollective.com/sylviapark/The-BRT-Standard |
O instituto fornece categorias, conceitos e recomendações aos corredores no mundo todo, e assim listando os corredores com as seguintes categorias: Ouro, Prata, Bronze e Básico.
Cada categoria é listada com características e pontuações mínimas ao serem avaliadas, sendo sempre recomendado um aperfeiçoamento em casos de corredores que não atinjam as exigências mínimas de operação ou estrutura.
Todas são separadas da seguinte forma:
Ouro – Para os sistemas que atingiram um patamar alto de operação, estrutura e impactos à cidade, sendo a mais alta categoria. Corredores dessa categoria normalmente possuem uma capacidade muito alta de transporte, e itens que melhoram suas operações (faixas de ultrapassagem, linhas expressas, entre outros).
Prata – Para os sistemas que possuem as principais características do BRT, mas que possui itens que precisam ser aperfeiçoados. Estruturas mais simples, operações mais razoáveis, menos impacto nos arredores, ou características que precisam ser aprimoradas fazem parte dessa categoria.
Bronze – Os sistemas categorizados com o Bronze precisam de intervenções maiores que as demais categorias, mas que possui ao menos os itens mais necessários do BRT.
Básico – Normalmente são para os corredores exclusivos que possuem pouco dos itens de um sistema de BRT, muitas vezes somente com as vias dedicadas aos ônibus e pontos de paradas simples. Não confundir com as faixas exclusivas ou preferenciais, pois são estruturas temporárias.
Já as características mais relevantes do sistema são:
As vias – Precisam estar alinhadas no canteiro central das vias por onde é implantado, ou onde o tráfego comum não interfira na operação, e com eixos dedicados totalmente ao transporte coletivo. As vias precisam estar também em condições boas para a operação segura dos veículos, e em sistemas de maior capacidade, é previsto faixas de rolamento adicionais em pontos de parada ou em toda a extensão do sistema para a operação viável de linhas expressas ou semi-expressas.
Articulado do BRT de Brasília (Expresso DF Sul). Sistema possui faixas de ultrapassagem em seu trecho principal, permitindo linhas expressas. Foto: Victor Santos, 2018 (autor). |
Nos corredores expressos de Curitiba, estações-tubo possuem embarque em nível e o auxílio de uma rampa instalada nos coletivos. Foto: Victor Santos, 2018 (autor). |
Acessibilidade universal – Nas estações do BRT, se faz necessário que os projetos garantam que todos os cidadãos que irão utilizar o sistema possam acessar as estações e terminais com comodidade e segurança. Para isso, os arredores destes locais precisam de um tratamento urbano que possa contribuir com isso, seja através de faixas de pedestres, passarelas, rampas ou passagens subterrâneas. Isso garante que todos os passageiros possam viajar com mais conforto no sistema, independente de sua situação física, além garantir mais segurança aos "não-passageiros."
Estação Rio de Janeiro do sistema Move-BH (Belo Horizonte, MG). Estações permitem acesso de forma ágil e também trouxe mais conforto aos "não-usuários" do sistema. Foto: Victor Santos, 2017 (autor). |
Veículos – Para alcançar uma eficiência de transporte semelhante à de um sistema ferroviário, os veículos precisam ter uma grande capacidade de transporte, seja um ônibus articulado ou biarticulado. É necessário também que os ônibus possuam itens que aumentam a segurança e comodidade dos passageiros, como painéis de informação ao usuário, locais dedicados à carrinhos de bebês, cadeirantes ou bicicletas. Um item que está incluso na característica dos veículos é a tecnologia para a tração, que precisa ser menos agressiva ao meio ambiente, contribuindo para as diminuições da poluição sonora e ambiental.
Biarticulado, modelo Mega BRT da Neobus, em operação em Curitiba, PR. Foto: Victor Santos, 2018 (autor). |
Integração – É necessário que o sistema de BRT seja conectado à outras redes de transporte da cidade implementada, aumentando o raio de alcance do sistema para regiões mais distantes ou servidas por outros meios de transporte. Há a integração entre modais (BRT para os ônibus comuns), e a multimodal (do BRT para outros modais como automóvel, bicicleta, metrô ou trem). A recomendação dessa característica é que as integrações sejam feitas de forma prática e ágil para os passageiros.
Rotas – Como forma de melhorar a eficiência do sistema, é preciso que o BRT ofereça aos passageiros uma ampla disponibilidade de rotas sem o pagamento adicional da tarifa, reforçando as conexões à todas as regiões da cidade. Também é necessário que o sistema preveja o uso de linhas expressas para diminuir o tempo de percurso dos passageiros e evitando uma superlotação em estações e terminais.
Pagamento antecipado da tarifa – Em estações e terminais, o sistema precisa oferecer mais rapidez aos passageiros, e para isso, o pagamento da tarifa é feito fora dos coletivos, em estações com bilheterias e catracas. Isso diminui o tempo de parada dos coletivos e evita problemas com a espera do pagamento da tarifa no interior dos veículos.
Estação Magarça do BRT Rio (Rio de Janeiro, RJ). Estações permitem o pagamento antecipado no sistema, agilizando a operação. Foto: Gustavo Bonfate, 2018. |
Centro de Controle Operacional (CCO) – Essa estrutura pode garantir um gerenciamento mais eficiente do sistema, dimensionando a frota em rotas ou pontos mais urgentes por questões de demanda ou operacionais. Também pode garantir um controle operacional mais ágil em casos de problemas na operação por fatores internos ou externos, solucionando de forma mais rápida esse problema. Através do CCO, o sistema também pode fornecer informações em tempo real aos passageiros em terminais ou estações, gerando uma confiança maior no sistema.
CCO do BRT do Rio. Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=4745126 |
Prioridades em cruzamentos – Na medida do possível, é necessário que o BRT possua prioridade em cruzamentos com o tráfego geral ou com outros obstáculos em seu percurso, sendo necessário um tratamento nesses cruzamentos. No caso dos cruzamentos com o trânsito de carros ou outros veículos, pode ser utilizado obras como viadutos, pontes, trincheiras ou “mergulhões”, ou até túneis. Caso o projeto não consiga eliminar esses conflitos com essas obras, pode-se prevê semáforos modernos que priorizam o BRT em cruzamentos sem gerar problemas ao trânsito normal.
Transjakarta, na Indonésia. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/BRT_Standard |
Os prós e contras do sistema
É um sistema ideal para regiões já consolidadas ou em fase de crescimento da cidade, sobretudo para cidades onde a implantação de um transporte ferroviário de alta capacidade é inviável economicamente ou operacionalmente falando. Por ser um sistema com capacidade entre um transporte por ônibus comum e um sistema de metrô, pode ser facilmente projetado para locais onde a demanda a ser transportada é maior para um ônibus convencional, mas inferior para um transporte férreo. Por isso, não é um transporte que substitui um projeto para uma linha de metrô, pois mesmo com grande capacidade e características muito essenciais para a operação, o BRT é considerado um transporte de média capacidade.
Sistema de Goiânia ainda não avançou em termos de estrutura. Foto: Gustavo Bonfate, 2018. |
Pode ser um transporte que complemente as linhas de metrô e trem metropolitano de uma cidade, assim conectando os passageiros de regiões mais afastadas do transporte sobre trilhos de uma forma mais ágil e confiável. Além disso, o sistema pode ser inserido em regiões onde as obras de uma linha de metrô são inviáveis como em regiões consolidadas e com uma taxa de ocupação do solo muito elevada. O BRT pode ser inserido facilmente em avenidas amplas e se enquadrar no contexto urbano da região.
Estação Granja do Ipê do sistema de Brasília. Estações possuem itens de acessibilidade e projeto mais moderno. Foto: Gustavo Bonfate, 2018. |
Os conceitos do BRT são extremamente flexíveis, ou seja, cada cidade ou sistema pode alterar algumas das características conforme sua região ou projeto exija. Isso pode gerar alguns discussões sobre , pois no Brasil, por exemplo, muitos dos sistemas de BRT construídos a partir dos anos 1990 implantaram suas estações com plataforma ao nível do ônibus. Na Ásia, América do Norte e Europa, muitos dos sistemas colocaram as estações com o piso rebaixado, nivelado aos ônibus com piso baixo, que já eram usados em grande escala em linhas comuns.
O problema da flexibilização dos conceitos usados pelo BRT é a retirada de itens que aprimoram as operações do sistema, como faixas adicionais nas estações, embarque em nível, veículos de maior capacidade, reestruturação das linhas no mesmo eixo, e maior integração com outras rotas ou modais. Isso acaba gerando problemas e uma reputação ruim para os corredores implantados sem esses itens ou outros itens, ou então para corredores que não se aperfeiçoaram ao longo dos anos.
O BRT pode influenciar as regiões atendidas, transformando o que era uma região sem grandes influências na cidade em locais de grande concentração de polos de serviços, comerciais, residenciais ou institucionais. As vias no entorno também podem sofrer intervenções significantes, influenciando também o fluxo de veículos na região. Associado a um bom projeto urbanístico também pode auxiliar na mudança dos arredores, proporcionando um transporte eficiente e uma transformação positiva do entorno.
Voltando a flexibilização dos conceitos, muitos corredores implantados também podem influenciar negativamente ou de forma menor impactante na região, o que gera problemas urbanos conhecidos quando as estruturas construídas não possuem um estudo urbanístico para seus impactos. Exemplo é o próprio corredor Expresso Tiradentes da cidade de São Paulo, onde suas vias elevadas geraram problemas nas avenidas logo abaixo do elevado, além das regiões ao redor das estações e vias terem sido impactadas em pequena escala ou de forma negativa.
Outro ponto negativo é a em relação aos veículos, onde em grande parte dos sistemas construídos no mundo utilizam ônibus movidos à diesel, o que impacta diretamente nas questões ambientais que o próprio conceito do BRT defende. Em alguns casos como em Quito no Equador, e Nancy na França, os trólebus são usados nas extensões de cada sistema, porém uma parcela muito pequena da imensa rede ao redor do mundo de BRT. Essa questão é a principal crítica em relação ao sistema, já que em um sistema ferroviário, a maioria dos projetos são construídos utilizando trens elétricos, ou seja, sem emissão de poluentes na atmosfera.
Trólebus do sistema Metrobus de Quito, Equador. Poucos sistemas possuem ônibus elétricos ou híbridos em operação no mundo. Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Troleb%C3%BAs_de_Quito |
Segundo o site BRT Data, que reúne informações de todos os corredores exclusivos do mundo, existem 390 corredores, que atendem à 173 cidades, transportando uma média de 34 milhões de passageiros por dia pelos seus quase seis mil quilômetros de extensão. A maior parcela do sistema está instalada na América Latina, onde representa 35,19% de toda a extensão de corredores, com 1.829 quilômetros, presente em 55 cidades e levando cerca de 21 milhões de passageiros por dia.
No Brasil, existem 20 sistemas em operação, totalizando 778 quilômetros de corredores e uma demanda de 10 milhões de passageiros por dia. Dentre eles está o sistema do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, e Goiânia, sendo os dois primeiros os mais movimentados em questão de demanda e extensão. No caso de São Paulo, dos 135 quilômetros de corredores, apenas 9,6 quilômetros possuem mais características do BRT, o Expresso Tiradentes, e no caso do Rio de Janeiro, existem apenas 125 quilômetros de corredores com maiores características do BRT.
Estação Metrô Pedro II do Expresso Tiradentes, São Paulo, SP. Apenas os seus 9,6 quilômetros dos 135 quilômetros de corredores de São Paulo são BRT. Foto: Victor Santos, 2019 (autor). |
Fontes:
BRT Data: <https://brtdata.org/>, acessado em 20h01 dia 20 de julho de 2020.
WRI Cidades: <https://wricidades.org/BRT>, acessado em 19h20 do dia 20 de julho de 2020.
ITDP: <https://www.itdp.org/library/standards-and-guides/the-bus-rapid-transit-standard/the-scorecard/>, acessado em 18h43 do dia 20 de julho de 2020.
ITDP Library: <https://www.itdp.org/library/standards-and-guides/the-bus-rapid-transit-standard/what-is-brt/
Nenhum comentário:
Postar um comentário