sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Conheça a Estrada de Ferro Vitória à Minas

Foto retirada da internet,
 créditos ao autor.
Muitos de nossos parentes que viveram nos áureos tempos das ferrovias contam histórias de viagens que nos encantam ao mesmo tempo que nos entristece pelo resultado de anos de negligência da gestão pública com o modal. Os paulistas mais jovens sabem, através de histórias e pesquisas, que era possível ir à Santos ou Sorocaba através das ferrovias com companhias que nem existem mais, aliás as próprias ferrovias quase não existem mais em grande parte dos casos. Mas muitos paulistas não imaginam que ainda é possível viajar de trem regional regularmente e cruzar boa parte de dois grandes estados.
Estamos falando do trem de passageiros da Estrada de Ferro Vitória à Minas, que opera regularmente o trecho entre Cariacica, região metropolitana de Vitória, à Belo Horizonte, cruzando boa parte do leste mineiro. Nós do Metrópoles e Transportes visitamos a ferrovia durante nossa viagem para Belo Horizonte em novembro de 2017, e hoje vamos contar nossas impressões dessa ferrovia tão importante para os passageiros, estudiosos do setor e para a economia das cidades. 

Curta história: A ferrovia que ligaria o Porto de Vitória à região do Vale do Rio Doce foi inaugurada em 1904 para transportar a produção de café desde a região até o porto. Durante os anos de 1940, a ferrovia passou a ser administrada pela Companhia Vale do Rio Doce, que fez uma modificação para melhorar seu percurso na região de Vitória. Em 2002, a companhia adquiriu o Ramal de Nova Era e finalmente conseguiu chegar em Belo Horizonte, e começou a oferecer o serviço de passageiros mais direto.
É uma ferrovia com um movimento frenético de trens cargueiros que cruzam os estados mineiro e capixaba, operando com locomotivas de bitola estreita (1.000 mm) uma vez que a ferrovia foi concebida para o transporte de cargas. 
É atualmente uma das poucas ferrovias em operação que opera os trens de passageiros de longo percurso, oferecendo uma viagem confortável e livre dos congestionamentos e acidentes nas rodovias. 
Estação de Belo Horizonte.
Foto: Victor Santos (autor).
A viagem do dia 6 de novembro de 2017.
Eram quase 7 horas da manhã quando chegamos a Estação de Belo Horizonte, que na verdade é um galpão que foi adaptado para receber o trem de longo percurso uma vez que a estação original de fato hoje abriga o Museu de Artes e Ofícios (parada obrigatória para quem gosta de museus bem ricos em cultura). 
A real estação de Belo Horizonte foi inaugurada em 1895, reconstruída em 1922 para o prédio atual. A estação que abriga o trem é relativamente boa, porém descoberta em boa parte, até porque o trem não é pequeno.
Nosso destino naquela fria e brilhante manhã era a Estação de Pedro Nolasco, na cidade de Cariacica, Grande Vitória - ES. Compramos as passagens através do site da Vale do Rio Doce, empresa que administra os trens de passageiros dessa ferrovia desde 1942 e possui partidas diárias às 7h00 de Vitória (Cariacica) para Belo Horizonte, Minas Gerais, e no sentido Vitória, a partida da capital mineira às 7h30. No site também é possível escolher poltrona e classe que deseja viajar, Econômica ou Executiva, lembre-se disso pois será importante mais para frente da história. Caso prefira, também é possível comprar na bilheteria das estações, mas vá com antecedência porque é muito concorrido. 
Visão geral da estação.
Foto: Victor Santos (autor).
Havia muitos passageiros para embarcar no trem, mas o embarque foi bem organizado com funcionários nos portões de embarque preferencial e comum para informar o número do carro de cada passageiro. 
Existia uma organização planejada, mas como sempre, havia passageiros que não se deram o trabalho de ler atentamente qual seu assento e carro, o que gerava um pouco de demora no embarque. 
Nesse dia, a composição estaria com seus 17 carros de passageiros, sendo 11 na classe Econômica, 5 da classe Executiva, um carro especial, carros lanchonete e restaurante, além da locomotiva que tracionaria a composição com uma unidade de baterias. Por fim, uma composição imensa, mas não era a maior, pois era uma época de baixo movimento (início de novembro). Segundo os passageiros e funcionários, em altas temporadas aumentava o número de carros para o transporte para conseguir absorver a demanda.
Pelo grande número de passageiros que ainda iriam embarcar, imaginamos que nossa partida, agendada para às 7h30, seria atrasada. Por isso nos acomodamos em nossas poltronas do carro 08 da Econômica. 
Logo veio a surpresa: pontualmente às 7 horas e 30 minutos o trem puxou os 21 carros carregados da forma mais suave que já testemunhamos. Enfim estávamos em movimento rumo a capital capixaba em uma viagem de 13 horas de duração e 29 paradas até a capital do Espirito Santo. 
Carro Econômico: simples, mas confortável.
Foto: Gustavo Bonfate.
Por ainda estarmos em um trecho de tráfego intenso de trens cargueiros da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica, concessionária do trecho e empresa do Grupo Vale), precisamos permanecer em baixa velocidade até deixarmos a região metropolitana de Belo Horizonte, onde chegamos a velocidade comercial máxima da viagem: 70 km/h. Os carros de passageiros possuem um isolamento acústico impecável, e é quase impossível sentir os solavancos dos carros e sons dos trilhos no interior da composição, comprados em 2014 pela Vale para substituir os antigos carros de passageiros. 
Painel informativo disponível em todos os carros.
Foto: Victor Santos (autor).
Esses novos carros, oriundos da Romênia, possuem todos os itens mais modernos disponíveis nas ferrovias brasileiras: Ar condicionado, carros com janelas lacradas, isolamento muito bem feito, painéis com informações para os passageiros, locais para armazenar as bagagens de mão ou malas, portas de passagem entre os carros com sensor de presença e botões para acionamento, banheiros femininos e masculinos bem localizados, além de televisões para entretenimento e avisos. 
Para uma viagem longa à qual teríamos, tudo isso veio para proporcionar melhor conforto aos diversos passageiros diários, aliás é muito difícil haver um dia que o trem esteja vazio dependendo da temporada. 
Porta de acesso dos carros.
Foto: Victor Santos (autor).
Como foi avisado logo na saída de "BH", o almoço começaria a ser vendido a partir das 11h00, e quem preferia reservar e comprar o almoço com antecedência já poderia faze-lo com com um comissário que passava com um carrinho cheio de doces, salgados e bebidas para venda. Reservamos a nossa refeição e preferimos almoçar em nossos próprios assentos, que possuem mesas bem espaçosas como a dos aviões para quem preferia evitar o tumulto do carro restaurante. 
O pagamento do almoço e demais refeições é feita exclusivamente em dinheiro em espécie, uma vez que dependendo do trecho não há sinal para maquinas de cartões. (Sugerimos levar o dinheiro trocado para evitar desconfortos).
O prato do almoço é padrão: frango assado acompanhado de arroz, feijão e macarrão, além de uma pequena porção de legumes. A viagem passou rápida até o almoço, mesmo com as paradas de dois ou quatro minutos nas estações. 
Sim, esse é o tempo de parada nas pequenas estações para embarque e desembarque, o que nos impede de descer para ver a estação. A orientação para os passageiros é que para quem fosse desembarcar se dirigissem as portas de desembarque determinadas. Uma pena que os próprios passageiros não colaborem com essa organização, mas essa medida visa otimizar o tempo de percurso, evitando demora nos embarques e desembarques.
Não é algo muito sofisticado, mas muito saboroso pelo preço.
Foto: Victor Santos (autor).
Por volta das 11h30, almoçamos em nossa marmita mesmo, feita de isopor e talheres de plástico que mais quebravam do que cortavam a comida. Mas lembramos que para cortar custos com utensílios mais "sofisticados", a empresa opta por pratos e talheres de plásticos, mesmo se o passageiro preferir por almoçar no carro restaurante. Outro fator que deve reforçar a escolha da companhia em disponibilizar utensílios de plástico é para evitar furtos e quebras dos objetos, além da segurança dos próprios passageiros.
Por fim terminamos nosso almoço, e nos acomodamos para mais oito horas de viagem. A Vale disponibiliza um sistema de entretenimento bem diversificado a bordo dos carros, inclusive via wi-fi com uma programação de filmes e shows direto no celular ou notebook, um grande diferencial. 
Muitos passageiros optaram por livros ou revistas trazidas por eles mesmos, mas a maioria também se acomodou para repousar durante a longa viagem. Aproveitamos o pós tumulto do almoço para caminhar pela composição e conhecer os carros especiais, executiva, restaurante e lanchonete, todos interligados e bem isolados através de portas automáticas.
Portas entre os carros para acesso com sensor de presença.
Foto: Gustavo Bonfate. 
Como estávamos no carro oito, atravessamos outros sete carros para alcançar o carro especial, reservado apenas para cadeirantes e acompanhantes. Esse carro possui itens especiais para acomodar o cadeirante da melhor forma possível: elevador para o acesso do cadeirante, pontos de fixação da cadeira, poltronas para o acompanhante e monitores de vídeo. O toalete desse carro também é projetado para garantir o conforto total do passageiro, ou seja, acessibilidade total. Com isso, possibilita que todas as pessoas viagem pela ferrovia. 

Poltronas do carro especial que possui também um elevador de acesso.
Foto: Victor Santos (autor).
Elevador de acesso ao carro especial.
Foto: Victor Santos (autor).
O carro Executivo possui uma boa diferença do carro Econômico, a começar pelas poltronas que podem reclinar, e com descanso para pernas. No caso dos econômicos, é apenas a poltrona ergonômica com acionamento mecânico. 
Também possui som, iluminação e tomadas individuais em cada fileira, diferente da classe econômica que é preciso compartilhar as tomadas e monitores. Mas em si os carros possuem as mesmas características, apesar do corredor ser mais amplo nos carros executivos devido a uma fileira individual do lado direito (semelhante ao dos ônibus Leito).
Carro Executivo: Poucas diferenças entre ele e o econômico.
Foto: Victor Santos (autor).
O diferencial está nos carros lanchonete e restaurante, com mesas bem amplas, música ambiente, serviço de mesa, balcão de lanches e um atendimento diferencial. Em alguns momentos não parecia que estávamos em um trem regional tamanho era o conforto e isolamento acústico do trem. 
O cardápio contém salgados, doces, bebidas não alcoólicas por motivos óbvios, além da refeição servida para os passageiros. Nesses carros está localizado também o local de descanso para a tripulação, estoque e cozinha. O serviço de bordo nos carros de passageiros e restaurante é quase interrupto, com exceção de 40 minutos de intervalo, sendo 20 minutos antes de chegar em Governador Valadares, e 20 após a saída de lá para troca de equipamentos. Também se encerra cerca de 20 minutos antes de chegar na estação final para garantir segurança e rapidez no desembarque. 
Carro restaurante.
Foto: Victor Santos (autor).
Voltamos para nossos assentos para seguir a viagem sem atrapalhar o movimento frenético nos corredores. A paisagem que a viagem proporciona também é outro grande diferencial dessa ferrovia: você vê o contraste da natureza brasileira na transição da fauna e flora da mata atlântica para o cerrado em câmera lenta. A cada quilômetro que andávamos era uma sensação nova, cidades e vilarejos que dependem dessa ferrovia para ter acesso as grandes cidades fazem jus a importância de uma ferrovia atendendo um estado. 
Essa ferrovia foi concebida para transportar a produção de café dos arredores do Rio Doce no início dos anos 1900, mas depois acabou também focando no transporte de minério e outros produtos do Vale do Rio Doce. Cruzamos diversas vezes o Rio Doce, atravessamos serras e a cada curta parada que fazíamos era possível ver o quanto essa ferrovia é importante para os moradores dessa região que usam os trens como forma mais barata e viável de se locomover entre as cidades. 
Chegamos em Governador Valadares por volta das 14h00, a parada aqui foi mais longa: cerca de 8 minutos que se tornaram 10 pela falta de organização dos próprios passageiros. Uma dupla de amigas que embarcaram no mesmo carro que o nosso foram direto para os nossos assentos, uma dizia que aqueles era o assento que teriam reservado. A outra disse que era para ficarmos tranquilos que elas iriam procurar outro lugar. 
Resultado: aquele nem era o carro delas...por fim partimos de Valadares, onde cruzamos com o trem de passageiros que estava subindo para Belo Horizonte nesta região. 
O restante da viagem seria tranquilo se não fosse pelo excesso de animação das crianças no carro. Pulavam de um banco para outro, sujavam os bancos com doces, abriam e fechavam as portas de passagem entre os carros, enfim, crianças...

O Rio Doce, nosso "acompanhante" nessa viagem.
Foto: Victor Santos (autor).


O cerrado já aparecendo próximo da divisa.
Foto: Victor Santos (autor).

Quase 10 horas de viagem depois da partida da capital mineira e estávamos cruzando a divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo, faltava pouco agora para a viagem gigantesca acabar. No estado capixaba, haviam apenas oito estações que nos separavam do terminal, e como a viagem foi muito tranquila em questão de tráfego de trens, o horário de chegada seria comprido. 
Houve muita chuva já na chegada do estado, embora também chovesse bastante em Minas Gerais, o que não atrapalhou em nada a viagem, apenas acrescentou mais beleza as paisagens. O tráfego de trens cargueiros nesse trecho acabou aumentando, as vezes nos obrigando a diminuir de velocidade ou até parar por alguns instantes, mas em outros trechos a prioridade era nossa. 
Mapa adesivado nos carros.
Foto: Victor Santos (autor).
Já anoitecia quando estávamos chegando na região de Colatina e Cariacica, aos poucos era sentido o cansaço dessa viagem longa, mas ainda sim podemos dizer que valeu a pena cada segundo. Faltava ainda cerca de 40 minutos para o término e alguns passageiros já faziam filas próximos das portas, coisa que se repete muito em vôos e viagens de ônibus rodoviários. 
Talvez o brasileiro sinta medo de não conseguir sair a tempo para correr para um compromisso que não existe. Muitos já estavam com suas malas em punho, como se precisassem sair correndo do trem que ainda estava à quilômetros do terminal. 

A famosa pressa do brasileiro.
Foto: Gustavo Bonfate.
Por fim, após 12h15 e 664 km de viagem, chegamos a Estação de Pedro Nolasco, cidade de Cariacica, região metropolitana de Vitória. Ao contrário do embarque em Belo Horizonte que foi muito organizado, o desembarque na estação final foi demorado, lento e desorganizado. Haviam poucos funcionários para o auxílio, os passageiros se amontoavam nas portas, a plataforma estava congestionada e parecia mais uma estação de trens urbanos do que uma estação de trens regionais. 
Depois de 20 minutos parados no corredor do carro, enfim saímos do trem e seguimos para fora da estação, que do mais absoluto nada ficou vazia. O trem já estava sendo preparado para a viagem de volta para Minas Gerais no dia seguinte: era abastecido com produtos e começava a ser limpo. A estação não fica tão bem localizada, sendo necessário um bom planejamento do passageiro para seguir o seu destino, seja de carro ou com o transporte coletivo. Mas em si a estação é bem confortável com bilheterias, toaletes e iluminação (bem fraca aliás). 

Enfim, chegamos à Vitória, eu (Victor Santos) à direita, 
e Gustavo Bonfate à esquerda.
A experiência dessa viagem ficará gravada para sempre em nossas memórias, cada cena que vimos pela janela dos carros, cada momento parece se eternizar para quem jamais havia cruzado um estado de trem. Para quem quiser ter boas experiências em ferrovias brasileiras, recomendamos essa viagem sensacional. Se para a maioria dos passageiros dessa ferrovia as viagens sejam longas e tediosas, para mim que nasceu na década de 1990 e não pôde ver as ferrovias paulistas de perto, é uma viagem no tempo e na cultura ferrovialista. Há pontos para melhorar? Sim, sempre podemos melhorar. Mas essa ferrovia serve bem aos seus frequentes usuários. Viva as ferrovias! 

Foto: Gustavo Bonfate.
Informações sobre a viagem
Reserva: feita no próprio site da EFVM - Vale.
Preço: Classe Econômica/Cadeirante - R$73,00*. Classe Executiva - R$105,00*
Duração: 12h00 (previsão).
Extensão: 664 km (capital à capital).
Composição: 11 carros econômicos, 5 carros executivos, um carro especial, um carro restaurante, um carro lanchonete, um carro baterias, um carro administração, além da locomotiva tracionando.
Estações: 30 estações de embarque e desembarque.
Refeiçoes: Vendidas à parte, cardápio com preços e opções no site da Vale.
Serviços: Toalete feminino, masculino e acessível, restaurante, lanchonete, tomadas 110v e 220v, monitores de vídeo, ar condicionado, isolamento acústico, painéis com informações e bagageiro para malas pequenas, médias e grandes.
Entretenimento: Wi-fi (depende do trecho) e mídia digital com filmes e shows.
Fundação da ferrovia: 1904, transporte de passageiros regular começou em 1994.
Horários: Partidas diárias às 7h00 de Cariacica/Vitória para Belo Horizonte, e às 7h30 de Belo Horizonte para Cariacica/Vitória
Texto e revisão: Victor Santos e Gustavo Bonfate.
Visita realizada em Novembro de 2017.
*Preço de viagem completa (Belo Horizonte - Cariacica/Vitória e vice-versa), para conferir preços de outros trecho, consulte o site da EFVM - Vale. Para gratuidades ou descontos, consultem o site da Vale.
Fontes: 
site Estações Ferroviárias do Brasil: http://www.estacoesferroviarias.com.br/index.html, acessado em 7 de fevereiro de 2020 às 16h20.


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