quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Por que a CPTM chegou a operar em Santos?

Muitos já sabem que a CPTM, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, herdou as linhas, os trens e as estações de antigas operadoras de trens metropolitanos em São Paulo e na região metropolitana quando foi fundada em 27 de maio de 1992. 
Até a fundação da companhia, existiam duas operadoras de trens na capital: A estatal paulista Fepasa (Ferrovias Paulistas Sociedade Anônima), que operava as linhas na região Oeste e Sul da cidade, e a subsidiária CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), que respondia diretamente a estatal federal Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (ou RFFSA) e operava linhas nas regiões Leste e Norte. 
A malha férrea da CBTU foi assumida em 1994 integralmente, enquanto as linhas da Fepasa foram transferidas para a CPTM somente em 1996, sendo que a companhia teria que assumir todos os serviços de transporte urbanos de passageiros naquela época. Entre as linhas, havia um atendimento entre as cidades de São Vicente e Santos, no litoral do Estado, onde a Fepasa operava uma linha conhecida como "TIM" - Trem Intra Metropolitano. Conheça a história desse serviço e como ele se encontra hoje. 
Composição do "TIM" parado em Samaritá, São Vicente.
Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil (foto: Nilson Rodrigues).
Primórdios
A cidade de Santos já contava com uma ligação ferroviária desde 16 de fevereiro de 1867, quando a inglesa Sao Paulo Railway Company iniciou suas operações para conectar o Porto de Santos à cidade de Jundiaí, interior de São Paulo, passando pela capital. Além de ter sido a primeira ferrovia em solo paulista, foi o "estopim" para que outras companhias férreas surgissem no Estado, sobretudo para se conectar com esta ferrovia ou com outras que já estavam alcançando o Estado naquela época. 
Uma dessas ferrovias foi a Estrada de Ferro Sorocabana, que ligava a capital à cidade de Sorocaba desde 1875. Os planos da companhia, até então uma empresa privada, era transportar mercadorias até o encontro da estrada de ferro da Sao Paulo Railway na capital, já que não existia nenhuma outra ligação entre o Planalto paulista e o Porto de Santos, dando a Sao Paulo Railway o monopólio no trecho. 
Porém, as coisas começaram a mudar quando a Sorocabana inciou estudos para a construção de uma ligação até Santos, mas por um outro caminho e descendo a Serra do Mar por outro método. Essa linha partiria de Mairinque, na linha tronco da companhia entre São Paulo e Sorocaba, e chegaria em Santos pelo outro lado da cidade. A linha, denominada "Mairinque - Santos", foi projetada desde 1889, porém, devido aos direitos de exploração que a Sao Paulo Railway possuía, a construção da linha foi postergada várias vezes. Esse direito da companhia não permitia que nenhuma outra ferrovia fosse construída em um raio de 30 quilômetros ao longo da sua ferrovia. 
Em 1906, o Governo do Estado concedeu o direito de exploração para a construção de uma ferrovia entre Santos e Juquiá, passando pelo litoral sul de São Paulo. A concessão foi entregue para a recém fundada Southern San Paulo Railway, ou SSPR, de domínio inglês. As obras duraram de 1913 à 1915, quando inaugurou o último trecho até Juquiá. 
Esta ferrovia foi construída com bitola de 1.000 mm, atravessando a cidade de Santos pela região central, passando por cidades como São Vicente, Mongaguá, Conceição de Itanhaém (atual Itanhaém), Peruíbe, e subindo até o Vale do Ribeira, totalizando 253 quilômetros de extensão (após retificações). 
Estação de Ana Costa em 1986, já na fase Fepasa.
Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil. 
Porém, a situação financeira da Southern era precária já em 1927, fazendo com que o governo do Washington Luís comprasse a ferrovia e entregando ela à já estatizada Estrada de Ferro Sorocabana, que a essa altura já tinha iniciado as obras para a construção da já projetada linha Mairinque à Santos. Ou seja, com a compra desta ferrovia, a Sorocabana poderia chegar até o Porto de Santos sem esbarrar nos direitos de exploração da Sao Paulo Railway, assim quebrando o monopólio da inglesa e conectando o Oeste do Estado ao porto. As obras na região do litoral começaram logo em 1929, sendo terminada em 1937 quando foi concluída a linha. 
A linha parte de Mairinque, seguia até Embu-Guaçu, região metropolitana de São Paulo, passa pelo extremo Sul de São Paulo, e depois desce a Serra do Mar por meio de aderência, sem a cremalheira usada na descia da Sao Paulo Railway. Ao chegar em Samaritá, em São Vicente, a linha se encontrava com a antiga estrada de ferro que seguia para Juquiá, que também pertencia a Sorocabana, e seguia para o centro de Santos. A antiga linha para Juquiá, agora um ramal da Sorocabana, seguiu operando por mais alguns anos.

Fase Fepasa e o início do "TIM"
Em 1971, a Fepasa foi fundada para unificar toda a malha de trens do Estado de São Paulo, e a Sorocabana acabou por ser absorvida pela recém fundada estatal, assim como todas as suas linhas e ramais. A linha Mairinque - Santos receberia uma série de melhorias para compor o audacioso projeto do Corredor de Exportação Araguari - Santos, que tinha com objetivo escoar a produção de, sobretudo, grãos desde o Triangulo Mineiro até o Porto de Santos utilizando as ferrovias existentes. 
Para isso, foi construído um ramal de ligação entre a linha Mairinque - Santos até a linha Santos - Jundiaí da antiga Sao Paulo Railway, agora de domínio da RFFSA. Esse novo ramal, entregue em 1978, serviria para melhorar a circulação das composições até o porto, uma vez que evitava passar pelo centro de Santos e garantia mais segurança e agilidade.
Ou seja, aos poucos, o trecho entre Samaritá e Santos seria utilizado com menor frequência, o que resultou na extinção do tráfego de passageiros entre Mairinque e Santos em 1975. Os trens de passageiros retornaram pouco tempo depois, porém partindo de Embu-Guaçu em direção à Santos, este extinto já em 1997.
Como o trecho entre Samaritá e Santos estava muito subutilizado, a Fepasa notou que havia um interesse dos moradores de São Vicente e Santos em possuir um trens para ir de uma cidade à outra, uma vez que não havia mais trens de passageiros circulando com maior frequência. 
Então, em 12 de junho de 1990, a Fepasa inaugurou as operações do Trem Intra Metropolitano, abreviado apenas para "TIM". A linha ligava a estação Samaritá até a estação Ana Costa, na região central de Santos, em um percurso de pouco mais de 16 quilômetros, cinco estações, e uma frota composta por três locomotivas diesel-elétrica ALCO RSD-8, de fabricação americana datada em 1958, e nove composições da então série 9500 (depois série 4800 da CPTM), de fabricação da japonesa Kawasaki/Toshiba datada em 1957. Como não havia eletrificação no trecho, foi a maneira mais fácil de iniciar as operações naquele momento.
A Fepasa reformou as composições japonesas para operar no sistema, ganhando inclusive uma novo interior para receber os passageiros, muito embora o sistema era precário e precisou de adaptações nas paradas para receber os passageiros.

Não se sabe se a Fepasa inaugurou as operações dessa maneira para depois reconstruir o percurso ou se não havia caixa suficiente na época para construir uma linha do tipo VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), igual à que ela mesma construiu em Campinas na mesma época. Mesmo assim, ainda havia o tráfego de trens cargueiros no mesmo trecho, o que possivelmente impossibilitou maiores investimentos. Além disso, a Fepasa estava em uma série crise ocasionada pela péssima administração do poder público e da falta de investimentos na companhia. 
Seja como for, logo em 1996, a CPTM assumiu as operações de trens metropolitanos da Fepasa, dentre eles o TIM, pois ele fazia parte das transferências que a Fepasa faria para a CPTM, que também é uma estatal de São Paulo. A CPTM assumiria as linhas Oeste (entre Júlio Prestes e Amador Bueno), Sul (entre Osasco e Varginha, até então), e o TIM, mantendo o mesmo tipo de operação que a Fepasa fazia, com uma locomotiva puxando uma composição de passageiros. 
A Fepasa foi unificada com a Rede Ferroviária Federal e posteriormente toda a malha foi concedida à iniciativa privada, sendo de responsabilidade da então Ferroban (Ferrovias Bandeirantes S.A.), a linha Mairinque - Santos, e o Ramal Juquiá, além de outras linhas.
Traçado do ramal original e do "TIM".
Autor: Victor Santos, 2020.
O TIM seguiu operando sob responsabilidade da CPTM por mais três anos, sendo desativado por completo em junho de 1999 devido aos problemas que esta ligação causava na CPTM como déficit financeiro e insegurança, além de compartilhamento com os trens de carga da então Ferroban, posteriormente América Latina Logística e atual Rumo. 
A frota operante do TIM foi transferida para o Pátio de Altino em Osasco, onde permaneceu sem uso desde então, uma vez que a CPTM usava trens de bitola larga nas linhas (com exceção do trecho entre Itapevi e Amador Bueno na época), e a série 4800 estava muito defasada em relação as demais séries de trens. As locomotivas que também eram usadas no TIM ficaram sem uso para a companhia, sendo posteriormente deixadas de lado.
A partir de então, apenas os trens cargueiros circulavam entre Samaritá e Santos, sendo estes extintos em janeiro de 2008 com a construção de um novo acesso ao Porto de Santos, o que viabilizou a desativação do trecho, que ficou abandonado por alguns anos. 
Composição cruzando a rodovia dos Imigrantes em 1995
Fonte: vfco.com.br (autor: João Paulo M. Camargo).
Atualmente: VLT da Baixada Santista
Com um leito ferroviário abandonado ao longo das cidades de São Vicente e Santos, o Governo do Estado de São Paulo iniciou estudos para a construção de um sistema de trens leves (VLT) para melhorar a mobilidade urbana da Baixada Santista e transformar o entorno do leito férreo, que estava em total abandono nas cidades. 
A responsabilidade, que em tese seria da CPTM que operou ali por um tempo e à quem pertencia o trecho por herança da Fepasa, ficou à cargo da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo, ou simplesmente EMTU-SP, que por sua vez concedeu a operação para o Consórcio BR Mobilidade, que já atua no sistema de ônibus da região.
As obras de retificação do percurso foram iniciadas em meados de 2013, com seu primeiro trecho entre as estações Mascarenhas de Moraes e José Monteiro, ambas em São Vicente, em 6 de junho de 2014. O percurso atual foi entregue por completo em 31 de janeiro de 2017, entre Barreiros, em São Vicente, até a estação Porto, já em Santos. 
Um dos trens do VLT circulando por São Vicente.
Foto: Gustavo Bonfate.
O novo sistema conta com 22 trens modernos, com capacidade de até 400 pessoas, sete carros, bitola padrão (1.435 mm), e todos de fabricação da espanhola Vossloh Rail Vehicles, e circulam por vias que foram reconstruídas sob o antigo leito da estrada de ferro.
As 15 estações são mais modernas, seguras e garantem mais conforto aos cerca de 70 mil passageiros diários do sistema, sendo uma demanda muito boa para um sistema com apenas 11,5 quilômetros de extensão e uma velocidade comercial de 70 km/h, bem maior se comparado aos 40 km/h que o TIM circulava.
Há planos de construir uma segunda linha do sistema, dessa vez ligando a estação Conselheiro Nébias até o terminal Valongo, mais ao norte da cidade. Porém, também há planos de expandir a atual linha 1 até Samaritá, que desde 1999 ficou sem o atendimento dos trens. 
O trecho entre Barreiros e Samaritá está nos planos de expansão do VLT, sendo necessário reconstruir uma antiga ponte ferroviária que liga a área continental de São Vicente à ilha de São Vicente, onde se conectaria com o VLT.
Traçado do atual VLT da Baixada Santista.
Autor: Victor Santos, 2020.
Curiosidades
-O antigo Ramal Juquiá, que também passou a pertencer a Fepasa em 1971 foi expandido para além da cidade, chegando em Registro em 1981, e em 1987 chegou em Cajati. O transporte de passageiros foi suspenso, após uma interrupção entre 1977 e 1983, em 1997, enquanto o transporte de cargas se encerrou por completo em 2003. Toda a linha, com um total de 325 quilômetros foi abandonada, e poderia servir como um transporte para a região, seja ele de cargas ou passageiros. 
-De original, as únicas estações que existem são as de Ana Costa, em uso como Estação da Cidadania de Santos e ficando a poucos metros da atual estação Ana Costa do VLT, e a estação Samaritá, que teve parte de seu pátio demolido, segue em uso como moradia e aos poucos se perdendo no tempo. 
-Uma das melhorias que a linha Mairinque - Santos recebeu foi a retificação do percurso, melhor sinalização e a construção da bitola mista (com 1.000 mm e 1.600 mm), o que possibilitou o uso de locomotivas de ambas as bitolas. Somente o trecho entre Samaritá e Santos é que não recebeu a bitola mista e as melhorias.
-A estação de Ana Costa se chamava "Santos" quando foi inaugurada, ou Santos-EFS (Estrada de Ferro Sorocabana), para diferenciar da estação de Santos a então Sao Paulo Railway, depois Estrada de Ferros Santos à Jundiaí (EFSJ). Em meados de 1940, o nome foi alterado para Ana Costa para fazer referência a avenida que cruza com a linha férrea e não confundir com a primeira estação de Santos da "inglesa". 

Fontes de pesquisa e fotos:
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300g24f.htm>, acessado em 06 de fevereiro de 2020, às 19h22.
<http://www.ferreoclube.com.br/2015/08/29/tim-trem-intra-metropolitano/>, acessado em 06 de fevereiro de 2020, às 19h26
<http://vfco.brazilia.jor.br/TU/TIM/Trem-Inter-Municipal.shtml>, acessado em 06 de fevereiro de 2020, às 19h54
<estacoesferroviarias.com.br>, acessado em 06 de fevereiro de 2020, às 20h14.

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